SETE ANOS DE ATRASO PARA QUEM MATA UM GATO
Renato Ferraz
D. Pureza era viúva e morava só com a sua gatinha de estimação.
Ela tinha uma vida confortável naquela cidade do interior do Ceará.
Seu esposo foi funcionário da linha de trem Rede Ferroviária do Nordeste.
Criava uma xaninha muito querida e mimada, chamava-se Lua.
Naquela cidade Lua era personagem de destaque conhecida por todos.
Era bem cuidada, vaidosa e não lhe faltavam mimos.
Cheirava melhor que a maioria dos seres humanos que ali moravam.
Usava lacinhos e até brinquinhos com pérola faziam parte da sua vida de gata!
Lua era feliz como animal, tinha uma vida de gata de estimação invejável.
Porque era muito querida e cheia de conforto e carinho.
Ela já tinha quase 10 anos, até o dia em que se deparou com um menino danado.
Joel era daqueles que não perdem para ninguém em teimosia e traquinagem.
O menino tinha 7 anos e vinha sempre visitar a avó que era vizinha de D. Pureza e de Lua.
Quis o destino que no primeiro encontro um pisasse no rabo do outro.
E não ficou apenas essa passagem registrada entre o menino e a gata.
Joel outro dia deu um safanão em Lua porque desfilava na casa da avó.
Afinal na sua cabeça, cada macaco no seu galho, e gata em seu devido lugar.
D. Zezinha, a avó de Joel, já havia percebido que ele e Lua se estranhavam.
Já D. Pureza, com a sua complacência de avó, nunca desconfiou de nada.
Gostava de Lua e amava o netinho Joel, pois o achava inteligente e desinibido.
Certo dia Joel viu Lua entrar faceira e desconfiada na despensa da casa da avó.
Antes de entrar, parou e olhou para trás como gente até se certificara que não estava sendo seguida.
O menino foi em silêncio no quarto onde a avó guardava uma palmatória e a pegou.
Saiu na pontinha dos pés com a palmatória escondida no calção:
Abriu a porta da despensa e pegou Lua em flagrante, estava cima de uma mesa onde havia metade de um bode de sol secando.
Aí então começou a ação, ou seja, sapecou a palmatória no focinho dela, que Lua gemeu alto.
Deu-lhe mais duas ou três castigadas e saiu desconfiado, do jeito que Lua havia entrado.
Sua avó ao avistar o menino tão pálido o inquiriu antes que ele lhe dirigisse a palavra.
__Meu filho, o que houve, você está tão pálido, viu alguma alma por aí, foi?
__Não, vó, foi Lua que estava comendo aquela banda de bode da senhora que nós iremos comer mais tarde… la ia comer todinha se eu não chegasse na hora certa, aí eu dei lhe dei um castigo.
A avó agora ficou pálida também, se benzeu e falou em voz alta: meu Deus! conte o que você fez, Joel! Meu Sagrado Coração de Jesus! Valei-me meu Deus!
Correram os dois para a despensa, ela à frente, e ao abrir a porta viu a gata se debatendo, uma cena realmente triste! Por isso vou pular a descrição, são cenas fortes e indescritíveis.
Eis à vista um confusão! Uma vez que Dona Pureza iria querer saber detalhe por detalhe sobre o ocorrido, e claro, jamais iria entender ou perdoar o menino!
Assim foi feito! E foram várias as consequências.
Primeiro se abraçaram, chorando bastante, tentaram conversar e por último discutiram.
Passado o tempo, durante o Natal trocaram mensagens de conforto, se cumprimentaram formalmente. O castigo da avó foi que Joel ficou sem poder vir a sua casa por algum tempo. E isso era um martírio para ambos!
E o pior para ele, além de perder a visita da avó, ela que ia agora à casa dele, o que não é o mesmo, afinal tudo na casa da avó é melhor.
O pior estava por vir ainda, foi enfrentar o medo do castigo dos 7 anos de atraso, que era sabido por todo! A lei era dura: matou um gato, terá 7 anos de atraso!
Ele tinha 7 anos, já ouvira falar sobre isso, porém agora o problema era uma realidade e ele era a personagem e de agora por diante teria 7 anos de atraso, pois é essa é a pena para quem tira a vida de um gato.
Ele ficou apavorado com isso. Afinal, o que seria? Quem seria o juiz dessa causa? Passaria 7 anos do mesmo tamanho, sem crescer? Estacionaria a idade por 7 anos, no tempo? Estudaria a mesma série repetindo 7 anos?
Deu um nó na cabeça do menino! Por mais que seus pais o confortassem e explicassem, educando-o que ele cometeu um grande erro, mas a vida seguiria normalmente e que essa história de 7 anos é coisa que vem do passado, mas não é real. Real mesmo é preservar a vida dos seres vivos, seja humano, seja vegetal ou animal. Mas por algum tempo o pavor não o deixava dormir direito ou o fazia se acordar com pesadelo.
Joel teve, na verdade, pelo menos quase 2 anos de atraso, ou seja, assustado, tendo pesadelos e sendo xingado na escola ou na vizinhança.
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