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Quadro diário de perguntas e respostas na TV
* obs: Dr. Pelópodas é médico, filósofo e consultor da revista Chamego
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Consulente_ Doutor Pelópodas, o que é Deus? Ele existe mesmo de verdade?.. E tem vida depois da morte, teeem?!
Doutor_ Calma Gilberto, pega leve, amigão! Quem tudo abarca, nada aperta, morô?! Eu sinto muito, mas apesar de dominar perfeitamente todas as verdades da vida e da morte _ da mais paroxísmica anástrofe à mais hermética prosopopéia _, serei obrigado a sonegar estas respostas a você e aos milhões de telespectadores ansiosos que, como você, tiveram agora um breve momento de felicidade, achando que eu iria lhes revelar todos os enigmas fundamentais da existência, assim de uma levada só. De bandeja na boquinha das tetéia, né?! Sinto muito cortar a sua onda, mano véi. Fique claro porém, que não é por egoísmo nem por babaquice: tu sabe que comigo num tem essa de enrustição... Só procê não sair daqui de cara grande, eu vou te dar uma colher de chá e responder a uma perguntinha só, tá limpo?.. Pude ver muito bem o brilho da primavera ardendo em seus olhos quando me instou, fagueiro como um curumim a saçaricar por entre os igarapés: “Defina-me Deus, dr. Pelópodas!” [fazendo voz de retardado] Pois bem, meu rapazete indomável, presta bem atenção, qu’eu não vou falar duas vezes, tá ligado?
A definição teológica clássica é a seguinte: Deus é, nada mais, nada menos, do que a entidade suprema do Cosmos... a autoridade máxima, o mais insigne figurão desta grande democracia que é o Universo. Grande Arquiteto, Senhor de Todas as Galáxias, Mestre do Amor, Príncipe da Paz, Paladino da Esperança, Guardião Emérito dos Portais Estelares, Mister Cem-Porcento, Manda-Chuva Pistoludo das Sete Dimensões, Sumidade Excelsa do Srhivãnyathaya e do Prabhupãda Svrndnàgosvamï _ eis alguns dos títulos merecidamente conquistados por Ele no decorrer dos últimos séculos...
Muitos doutores no assunto ainda defendem a tese de um Deus antropomorfo. Salvador Dali, pintor e teólogo catalão, chegou a arriscar um palpite sobre o tamanho e composição química da Divindade. Em seu livro “O Néctar da Verdade” ele afirma categoricamente que Deus, além da aparência humana, teria exatamente um metro de altura e que Seu corpo seria feito de ouro maciço _ sem interstícios entre as partículas atômicas, ou seja, 100 milhões de vezes mais denso que o ouro que recobre as relíquias do Vaticano. Já os adeptos das correntes mais modernas sustentam que Deus é um fenômeno eletromagnético de altíssima freqüência, inobservável ao microscópio eletrônico...
É isso aí, Gilberto... estas são algumas das definições do Altíssimo defendidas pelas mais representativas escolas de pensamento da atualidade. Mas se Ele existe ou não, isto aí já são outros quinhentos! Não estou autorizado a lhe revelar mais detalhes.
Agora... se há ou não vida depois da morte, nisso você também vai ficar na saudade, pois esta questão faz parte de um mistério cósmico que deve permanecer oculto aos olhos do vulgo, da canalha insensata... Tenho perfeita consciência de minha posição como agente formador de opinião. Eu e você conhecemos muito bem o provérbio, “Mil calamidades podem advir de uma boca aberta.” Por isso, sempre impus certos limites éticos ao meu poderio pessoal. Plebe é que nem peteca. Se, por exemplo, eu disser aqui na frente das câmaras que o bonito é andar de quatro ou que comer bosta é bom pra pele, tá lançada a febre! Se disser que as baratas são os seres mais respeitáveis do planeta, em três dias tal proposição já estará indelevelmente incorporada ao patrimônio filosófico da Humanidade. Sei que uma única palavra leviana que deixe escapar de meus lábios, mais à frente poderá desencadear toda uma sucessão de fenômenos incontroláveis. _ Deixemos a História seguir seu curso...
Gilberto, meu erê do xerembembé, guerreiro transcendental da nova era... imagine que eu _ ícone moderno da sabedoria e, por que não dizer?, da beleza _ anunciasse aqui que Deus simplesmente NÃO EXISTE. Imagine as conseqüências de tal declaração na vida de bilhões de pessoas! Imagine o rebuliço em que não se veria envolvida toda a civilização ocidental! Imagine a onda de selvageria que não tomaria conta da sociedade!.. A NASA teria que sair caçando um deus em algum ponto do espaço sideral ou então tratar de fabricar um deus sintético, rapidinho. E as igrejas teriam que ser convertidas em escolas de etiqueta e bons modos. Exatamente. Pois as boas maneiras seriam então o último recurso ideológico capaz de apaziguar uma humanidade sem Deus. Livre do incômodo de um poder maior acima de sua cabeça (nem ao menos a mais remota ameaça de um deus julgador) o bicho-homem estaria livre da dolorosa sina de praticar o bem por superstição; nem os simulacros mitigantes da hipocrisia seriam resguardados. O último bastião da brandura, da clemência, que é o coração das pessoas simples... até este seria posto a perder! E os monomaníacos da religião, essa gentinha adoentada e falsa, postos a salvo da coação de um poder maior que os observa, julga, pune, premia... este tipo de imbecil com certeza se revelaria a pior espécie de ser do mal.
Em vez de me perguntar se existe vida depois da morte, você deveria perguntar: “Existe alguém neste mundo _ uma mísera pessoa, que seja _ que acredite sinceramente na vida eterna?” Tu quer mesmo saber de uma coisa, filhinho: na verdade, nem os beatos mais empedernidos, no fundo, levam muito a sério que irão reviver após a morte pra se defrontarem com a justiça divina. Aí eles ficam naquela: por via das dúvidas... é um pé na frente e outro atrás, não é assim?..
Imagine o desencanto do cidadão comum se eu chegasse aqui e dissesse, assim na bucha: “Filhotes e filhotas do titio, lembra daquelas historinhas de papai-noel e papai-do-céu que vocês aprenderam com a vovó? _ Era tudo de mintirinha, tá bão? Era só pocêis ficá quetim!.. Você que pensava ter as costas quentes, o santo forte e um paizão glorioso se derretendo de amores por você lá no céu... amarra as carça qu’o negoço agora mudou de figura! A mesquinhez da existência irá se revelar, mais cedo ou mais tarde, em toda a sua odiosa e acachapante realidade! Você, esotérico telespectador, desligue a TV, enfie o dedo no cu e comece a uivar pras paredes, porque a partir de agora você é só um animalzinho a mais, jogado numa selva sem deuses, sem espíritos, sem sentido, sem arrebatamentos, sem qualquer redenção ou transcendência possível! A magia acabou. O mundo irá moê-lo aos poucos, e no final, depois de atravessar o deserto da vida arrastando a sua cruz; depois de cumprir direitinho as leis do nasce-cresce-procria-apodrece... no final, sua jornada na Terra terá tido o mesmo sentido que a de uma pulga, uma lagosta, um gambá qualquer!” _ Imagine, Gilberto, eu metralhando essas coisas, à queima-roupa aqui na TV... O circo ia pegar fogo, só isso!
Imagine agora o inverso: que eu anunciasse aqui que Deus de fato existe e que existe vida depois da morte... O que nós ganharíamos com isto? _ Eu estaria simplesmente jogando areia nos planos deste pretenso Criador, porque como ele haveria de julgar o mérito de suas criaturas? se todo mundo, com 100 % de certeza na vida no Além, passaria então a agir falsamente, como anjos, de olho nas regalias do Paraíso... Além disso, seria a falência total do moderno sistema produtivo, pois sabendo que a glória eterna nos estaria assegurada, pra quê haveríamos de ficar persistindo, dia após dia, ano após ano, década após década, em nossa sina de heróis da vidinha besta? A irritante faina diária, tal como a conhecemos, nos pareceria algo terrivelmente mesquinho; um verdadeiro sacrilégio contra o dom da eternidade. Todo mundo ia virar hippie!.. O governo teria então que nos convencer rapidamente: quem não morresse em dia com suas contribuições previdenciárias ficaria com a alma retida na Receita Federal...
Cons._ O senhor tem razão. Vamos falar então de coisas palpáveis... E a vida, professor? O que o senhor me diz da vida?.. Sinto-me soçobrando num mar escuro, sem porto e sem rumo. Dá aí uma luz; diga algo, qualquer coisa que sirva de farol para o navio melancólico de minh’alma... O que é a vida?
Dr._ A vida é um pau-de-sebo com uma nota falsa na ponta.
Vai à luta Gilbertão. A esperança é a última que morre. Eu oro por vós!