HIPER-MAU-EXEMPLO _ São esses ataques de psicose homicida (e às vezes suicida) que acabam virando moda, graças à insistência e ao sensacionalismo com que são divulgados na mídia. Chegamos ao ponto de ter programas de TV exclusivamente voltados pra tal tipo de atração. Linha Direta, A Vida Como Ela É, Realidade Brutal, Podia Acontecer a Você!, Guerreiros do Asfalto, Escapadas Maravilhosas, Impacto Letal, Kings of Hell, etc.
As historinhas mais nefastas (as que irão inspirar outros idiotas a repetir a cagada) são as que ainda estão frescas, ou seja, que ainda não perderam seu apelo de surpresa e novidade. Tais acontecimentos tornam-se infalivelmente objeto de empolgantes reportagens, debates, argumentações das mais desencontradas, onde acaba sempre escapando um certo quê de heroísmo... um hino à liberdade... um certo radicalismo místico... um mistério... um fascínio... uma doideira... O último surto psicótico criminoso a render manchete causará apenas algumas emoções de revolta e luxúria entre as pessoas normais, mas entre a malucada fatalmente lançará moda.
Uma vez uma piranha cortou o piru do marido com uma faca de cozinha, enquanto ele dormia. Nos meses seguintes foram _ eu calculo por baixo _ uns trezentos mil homens virando eunucos por todo o planeta, graças à divulgação ostensiva do caso na mídia. O cidadão-trabalhador-eleitor-consumidor-migué-e-mané não é minimamente informado sobre o rendez-vous nababesco que os parasitas da política estão aprontando bem debaixo de suas barbas, mas é obrigado a saber até a marca da calcinha que uma vagabunda americana usava no dia em que capou o marido... Na minha rua mesmo, agiu uma decepadora de piroca, duas semanas após a manchete original. Os vizinhos acordaram com os berros do pobre desgraçado, enquanto a viúva-negra, fora de si, vagueava pela rua, olhando vidradamente pruma massa ensangüentada que carregava entre os dedos, gargalhando como uma perdida...
De outra feita foi um americano _ pra variar _ que saltou nu do nonagésimo-sexto andar do Empire State. Daí pra frente passamos a assistir a uma verdadeira saga de peladões voadores, grassando pelos quatro cantos do mundo. Anteriormente, em meados dos anos 70, depois do suicídio inaugural, a Ponte Rio-Niterói se transformou num ‘point’ quentíssimo pra essa raça de aventureiros audazes. Era a maior onda! Todo mundo queria pular de cima do vão central. Foi preciso acionar o exército, num esquema fortíssimo, pra conter a multidão, e mesmo assim tinha sempre um espertinho que burlava a segurança e que, já crivado pelas balas dos soldados, abeirava-se vitoriosamente da mureta, donde saltava para a glória eterna. Não foram poucos os que chegaram lá. Eles acreditavam num sonho!
Segunda-feira passada, em São Paulo, um rapaz (a 15 dias de formar-se médico) invadiu um cinema no shopping Morumbi, reduto da elite, com uma metranca escondida sob a blusa. Primeiro foi ao toalete. Ajeitou os cabelos e deu um tiro no espelho, calmamente. Com a mesma calma dirigiu-se à sala de projeção, o filme já rodando. Mudou a submetralhadora pro sistema de rajada e, lá na frente, de costas pro telão, descarregou uma saraivada de petardos pra cima da galera. Foi um massacre! O curioso é que ele, que já tinha assistido àquele mesmo filme umas vinte vezes, de vez em quando parava de atirar e se virava pra rever mais uma ou outra cena de violência.
O filme _ americano pra variar _ contava a história de um débil mental bonitinho que, pra se sentir mais vivo e mais homem, participava de um “clube de porrada” em Los Angeles _ vê se pode isso? É o cúmulo do invencionismo! Bem idiota mesmo. Mas a película já rendeu uns bons milhões aos realizadores. O mote do enredo era a violência; não esse tipo de truculência barata que costumamos assistir nos telejornais (PMs barrigudos espancando favelados subnutridos), mas a violência glamourisada, o faz-e-acontece brilhantemente estilizado, o bailado esnobe de egos atléticos... Daí muitos terem culpado Hollywood pela tragédia do shopping. A minha teoria é outra. Pra mim o rapaz não foi influenciado propriamente pelas cenas do filme, e sim por uma equipe de paranormais contratada pelos produtores do filme, que emitiam poderosas ordens telepáticas para que ele fizesse o que fez. Num mercado tão grande porém um tanto retraído como o Brasil, a publicidade faria toda a diferença. A prova de que minha teoria é correta é que o rapaz, após alguns exames médicos, foi declarado mentalmente capaz, além de muito culto, simpático e inteligente. Na delegacia ele confessou vexado: “Sinto muito! Peço perdão a Deus e às famílias das vítimas... mas foram ‘as vozes’ que me coagiam, dia e noite, a fazer o arregaço! Era dia e noite!.. um coral macabro... ‘Just do it! Just do it!’... Só me davam sossego quando eu pegava na belezoca!” “Que belezoca, meu filho?” “A Franciskeila.” “Quem é essa? diga logo, desembucha!” “A minha metranca, pô!” _ Quem quiser, pode conferir em qualquer jornal de 05/11/99.
Em 97, também em São Paulo, um bobo alegre, um belo dia, cansou-se de sua vidinha de bobo alegre e resolveu virar psicopata. Começamos então a acompanhar, pelos noticiários, uma série de estupros em terrenos baldios, seguidos de canibalismo. A mídia fez a maior novela em cima dos crimes do imbecil. Todo mundo vibrava quando o locutor do telejornal dizia, radiante: “Vejam no próximo bloco as últimas notícias da perseguição ao Maníaco do Parque.”, “Descoberta a trigésima-quinta vítima do motoboy!”, “Mãe Diná afirma que Maníaco do Parque teria vendido a alma ao Cão!”... A desgraça pessoal das vítimas rendeu tanta sensação à sociedade, e o motoboy, apesar de capturado e condenado, fez tantos fãs que até hoje, dia sim, dia não, amargamos a ação de mais um estuprador canibal, em alguma parte do país.
A mania, ou melhor, a curtição de incendiar mendigos adormecidos também ainda não arrefeceu por completo, desde que uns mauricinhos de Brasília lançaram a moda, esturricando um índio pataxó no meio da rua. Há pouco mais de um mês, outro caso; desta vez com 4 vítimas. “É uma onda radical, entendeu, ô peça?! Fica na sua!” _ foi o que declarou ao delegado um dos fedelhos brincalhões, neto de um carrapatão vitalício da corte brasiliense. O delegado (o implacável e brutal doutor Nicéforo Popocas) naquela noite atendeu graciosamente pelos nomes de “Foca”, “bicha-velha”, e “child molestor”... Quanto à perícia, pelo pouco que sobrou do incêndio, concluiu-se se tratar, provavelmente, de uma família humilde que adormeceu enquanto esperava o ônibus na guarita, depois duma noitada no forró. Fiquei sabendo depois, casualmente, através dum fanzine, que os rapazes (autodenominados Esquadrão Golf Storm) ficaram em quinto lugar naquele torneio de primavera... E como tudo o que é ruim tem um lado bom, olhem só que delícia de charada eu ouvi de um boyzinho piromaníaco: “Cê sabe quantos pobres cabem dentro dum fusca?”, ele perguntou. “Uns dez, quinze...”, chutei. E ele: “45! _ Dois na frente, três atrás e quarenta no cinzeiro!” Francamente, há tempos eu não dava tanta gargalhada!
Outro caso que rendeu manchete há poucas semanas, no Rio, foi o de um marmanjão, acolhido pelo projeto “Viva Nossas Criancinhas!”, que degolou um companheiro com uma machadinha. Uma entrevista com o vitaminado pimpolho _ antológica, por sinal _, foi transmitida, repetida e reprisada em todos os canais de TV, várias vezes por dia. Até nos programas de culinária se podia ver o V.T. do molecão cínico e irônico respondendo às perguntas do jornalista. “Você sentiu prazer no momento em que degolou seu coleguinha? O que você fez com a cabeça? Gostaria repetir a experiência? Você associa o machado ao órgão sexual masculino? Qual o lugar mais louco em que já fez amor? Tens orgulho de ser brasileiro? O que faria com uma mulher numa ilha deserta?..” Um criminalista ilustre afirmou categoricamente que podemos esperar pros próximos três meses _ com certeza estatística _ um mínimo de seis e um máximo de sete casos semelhantes, movidos por instinto de imitação.
Teve também o caso do incendiário de Marília. Setenta e cinco carros e caminhões destruídos em poucos dias pela cidade. A TV noticiava: “Maníaco de Marília faz churrasquinho de fusca meia-quatro, e pra completar o serviço, o proprietário, que vive de uma aposentadoria de meio salário mínimo, ateou fogo à própria casa, só de raiva! Seu José declarou, revoltado, aos nossos repórteres: Assim não dá! ”... Na segunda semana de ataques, os proprietários de automóvel de Marília simplesmente já não conseguiam dormir: pela maneira arrasadora com que o maluco vinha agindo, qualquer um tinha grandes chances de voltar a ser um mísero pedestre na manhã seguinte. Mas, pra surpresa geral, bem no apogeu da glória, o criminoso se entrega à polícia _ talvez ressaqueado com tanta festa. Tratava-se de pessoa religiosa, praticante, mas que não resistia a ver um bom fogaréu ardendo em toda a sua majestade e esplendor (anomalia que se explica por algum recalque ou perversão sexual adquirida na infância, devido a uma mãe castradora). Do prejuízo total à frota da cidade, ele fora responsável por apenas 15 incinerações; as outras 60 foram obra de simpatizantes anônimos, atiçados pelo descabido auê que a mídia fazia em torno do caso.
Pra finalizar nosso verbete, nada melhor que nos reportarmos à escória moral da nação: os políticos _ mestres supremos do mau-exemplo. Que todo político é escroto e filho-da-puta, não é novidade pra ninguém; mas os nossos parlamentares a cada dia conseguem se superar e empurrar pra mais e mais além todas as barreiras do verossímil, atingindo um grau de baixeza e um descaramento que superam a ficção mais desvairada. Outro dia, um deputado, que já cometeu mais crimes que o Carandiru inteiro junto, apareceu na TV tendo ataques de indignação moral. Interrogado maliciosamente na CPI do Narcotráfico por um outro deputado (tão bandido quanto) ele argumentou, aos gritos, que não era pior do que ninguém ali e chamou a comissão de “cambada de traidores”, pois todos ali tinham “o rabo tão preso quanto o meu!!” O mais gozado é que ele proferiu esta indecência com ares de quem está expondo um argumento jurídico de alto nível _ todo cheio de razão e zanga de senhor impoluto... Deus deve ter algum bom motivo pra colocar um país magnífico e ensolarado nas mãos dessas criaturas sinistras.
Todos sabem que o Congresso é 99% formado de doentes mentais; os outros noventa e nove são constituídos por ladrões, assassinos, traficantes, saqueadores, chefes de quadrilha, adoradores do Diabo e o cacete a quatro. O que ninguém imaginava é que tínhamos entre nossos “dirigentes” uma figura tão inusitada quanto esta que estourou na mídia ultimamente. Hildebundo Pascoal, pilantrão de nascença. O Brasil inteiro viu-se assaltado por uma constatação tardia que sempre procuramos amenizar com nossa tropical pasmaceira. Mas a realidade grosseira e suja arrombou triunfalmente nossas mentes angelicais! E qual não foi nossa surpresa ao vermos a merda borbulhando, já pela altura do pescoço... A inquietante verdade é que a “elite” prescindiu da vergonha e do decoro com a mesma naturalidade com que se descarta um bagaço de laranja. Sem fôlego, o cidadão comum tenta fazer um enorme esforço mental pra imaginar a quantidade de sujeira que cabe nesses caras. O Brasil é mesmo uma terra exuberante e criativa: além de toda essa canalha modelo-padrão que viceja sem o menor embaraço no senado e na câmara, tínhamos lá também, despachando em seu gabinete e discursando solenemente na tribuna, um escrotíssimo “maníaco da motossera”, serial killer _ um aborto ambulante, deputado pelo progressista estado do Acre. Um sobrinho seu, em entrevista ao Jornal Nacional, declarou candidamente: “Freddy Kruger é fichinha perto do titio!” (o Hildebundo). Felizmente a mídia está se mostrando bem mais discreta neste caso; senão a coisa também podia virar moda: imagine os vereadores de tudo quanto é buraco do Brasil atacando seus eleitores, de motosserra na mão!
HIPER-SENSÍVEL _ Era aquele cara que se matou na forca após desentender-se com seu cãozinho de estimação.