HIPER-HIPÓCRITA _ É aquele tipo de cara azedo, sem um pingo de senso de humor nem senso de humanidade, mas, apesar disso, dotado duma facilidade inata pra se transformar na própria imagem do amor, quando o caso é cativar seu interlocutor pra arrancar-lhe algo _ algum favor, alguma vantagem, alguma raspa que seja. Então, através de um ‘clic’ mágico e instantâneo, um sorriso luminoso resplandece no rosto desta víbora, e seus olhos duros tornam-se duas pombinhas a brincar ao sol... Diz-se que Deus não dá asa a cobra; no entanto é notório o talento teatral com que a Providência aquinhoou esta raça de serpente.
Tipo frívolo e interesseiro por excelência, o h. hipócrita permite-se os atos mais ternos de que um ser humano é capaz; dá-se a demonstrações de candura que rivalizam com o famoso beijo de Judas. Um fato irônico e aparentemente paradoxal é que, apesar de sua natureza intrinsecamente mesquinha, este trairão consegue cativar qualquer um! Ele tem um carisma, peculiar à pilantrice, capaz de contagiar multidões, induzindo suas vítimas àquele estado comumente definido como “o maior alto astral”... pois ele é um ser verdadeiramente irresistível e luminoso quando assim o quer.
Quem nunca assistiu este bichano em ação numa cena trágica, provavelmente ainda não avaliou condignamente a dimensão, o alcance, a imponência da Arte Teatral... O crocodilão soluçando e produzindo lágrimas de esguicho, só pra fazer uma mediazinha estúpida! Até o coração mais duro se verga, tal o primor da performance. Mas não nos equivoquemos: não se trata de um chorão, tampouco de um grande artista melodramático _ trata-se de um monstro!
O hiper-hipócrita é, por definição, desprovido do mais elementar sentido de escrúpulo; capaz declarar amor ao pior inimigo exibindo uma expressão celestial no olhar; capaz de fazer uma cena inteira de Shakespeare pra poder roubar uma bagatela que não valeria o esforço de meio sorriso falso. E aí, alcançado o seu intento, esfria logo em seguida, simplesmente, mostrando-se descaradamente escroto. Seu talento é tanto que, não importa quantas vezes ele cuspir no prato, outras tantas ele vai levá-lo a crer na força transformadora do amor, só pra cuspir de novo no prato; ele mia gostoso na hora de pedir, mas come rosnando feito leão.
Há certos locutores de telejornal que conseguem uma proeza maior do que escrever com as duas mãos ao mesmo tempo: são capazes de sustentar por horas seguidas um intrigante sorriso nos olhos, que nada tem a ver com o que falam. Anunciam, por exemplo, que o governo pretende fixar a idade mínima de aposentadoria em 98 anos; ou proclamam, com os olhinhos brilhando, que agora pagaremos imposto também sobre o ar que respiramos. Até aí nada demais. O notável mesmo é que, pela expressão auspiciosa que ostentam no olhar, levam qualquer um a ficar radiante de alegria vendo a naba entrar. Tem que ter talento! Com sua canalhice esforçada, esses insinuadores se tornam os queridinhos de milhões de babacas. E com merecimento: eles são verdadeiras máquinas de simpatia!
HIPER-SOVINA _ É o doente crônico que, quando passa mais de dois meses sem precisar de atendimento médico, mete a cabeça numa quina ou pula no meio dum espinheiro, que é pra poder justificar o dinheiro que gasto com o plano de saúde.