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(cliente: Rosh Indústrias Químicas e Farmacêuticas S. A.)
- veículo: TV
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A orquestra sinfônica está prestes a iniciar o concerto. A câmera mostra os músicos se posicionando. Trompas, trombetas, tubas, tímpanos, trombones _ todos a postos. Os músicos tomam fôlego. Um charmoso regente de olhar esgazeado bate a batuta e levanta os braços, fazendo cara de buldogue autoritário. Ele vai dar a chicotada de abertura.
... Mas eis que o tempo desacelera-se, a cena passa a rodar em câmera lenta. Close num belo violinista com ares de vaidosa satisfação. Entra a voz bem compassada do locutor do comercial:
“Hoje é o grande dia na vida de Elizeldo!.. o triunfo final dos esforços de toda a sua juventude... o coroamento de um sonho lindo! Esta é sua estréia como primeiro violino da orquestra, provando definitivamente a todos que ele conseguiu ‘chegar lá’!.. Transmissão ao vivo para todo o país! _ Todo mundo ligadaço no acontecimento do ano!.. Cá pra nós, o pessoal do bairro do Elizeldo vai se morder de inveja, vendo que ele conseguiu chegar ao topo, apesar de todo o olho gordo que lhe jogaram.”
Aparece no vídeo o rosto emocionado de Elizeldo. Sonzinhos de harpa (não da orquestra, mas da sonoplastia) mostram que estamos sendo transportados agora pra dentro dos sonhos sentimentais do protagonista. Uma nuvem se abre, com arpejos de lira e um tilintar de sininhos encantados. Dentro da nuvem aparece um bonito menino, empetecado pela mamãe com roupas de homenzinho. Vai ele andando por uma rua de subúrbio, tristonho, de cabeça baixa. Sentado em cima dum muro, um bando de moleques barulhentos atira objetos sobre a cabeça do pequeno Elizeldo, que vai se esgueirando pela calçada, atemorizado, reprimindo choro. As vozes dos garotos soam longínquas nos corredores da memória, com efeitos de câmera de eco. “Olha ali o florzinha com o seu violino!” “Toca uma musiquinha de balé aí pra nóis, ô tetéia!” “Num sabe nem chutar uma bola, o gayzinho!” Ao lado dos meninos, uma matrona, recostada num portão _ a vassoura de piaçava apoiada na barriga _ acompanha a cena com um muchocho de satisfação. Os ecos das risadas repercutem paranoicamente na mente de Elizeldo, cada vez mais distantes, até sumirem... A cena muda. Agora é ele, já adolescente, declarando-se a uma principesca loirinha de cabelos encaracolados. “Eu te amo Carol!” “Eu também, Eli!.. só que meus pais sempre sonharam em me ver casada com um oficial da Marinha... Fazer o quê, né?..”
Elizeldo sacode subitamente a cabeça, tentando afugentar essas miseráveis lembranças. Ele pisca os olhos como quem acaba de acordar, e em seu rosto, lentamente, vai surgindo aquele sorrizinho satânico, típico de quem está com a faca e o queijo nas mãos. É a hora da virada! O locutor:
“Nosso herói está confiante agora! Ele sabe muito bem que possui todos os pré-requisitos para brilhar!.. Ele já estudou todos os detalhes; sabe perfeitamente bem o efeito que vai causar e quais os infalíveis desdobramentos deste grande evento no enredo de seu destino. Ele sabe que, a partir de hoje, como por encanto, todos passarão a lhe devotar uma mágica simpatia e a ouvir com mágica credulidade qualquer besteira que sair de sua boca. Dentro de um mês estará em todas as TV’s do planeta, engrupindo deus e o mundo. E, uma vez no topo, ele poderá olhar pra baixo e ver como tudo é pequenino, visto lá de cima... Vamos lá, Elizeldo! Para o alto!! E avante!!! _ Tá na hora de negar o ‘gostinho’ a todos aqueles que achavam que tu era um simples manèzinho sem futuro!”
O tempo continua escorrer em câmera lenta. Atrás de Elizeldo, à direita, a câmera focaliza outro violinista; um sujeitinho branquicelo, de cabelo lambido e ensebado, com cara de maluco. Ele leva à boca uma cartela de comprimidos. Close na cartela. É ONLY ME!! Os estalidos do papel-alumínio misturam-se ao resfolegar do rapaz. Ele engole duas drageazinhas azuis e suspira gostosamente, os olhos semi-cerrados... Em poucos segundos sua expressão abobalhada começa a adquirir um brilho de beatitude e argúcia. Ele morde os lábios, voluptuosamente, e revira os olhos, abrindo um sorriso algo indecente.
Os diques do tempo se abrem afinal. A música começa. Uma sinfonia grandiosa, épica, se desenha pondo em movimento o panorama. A orquestra aparece inteira, vista de cima. Após a introdução _ puxada pelos instrumentos de sopro e um ribombar frenético de tímpanos _ chega a vez de Elizeldo mostrar enfim a que veio...
Ele entra em cena, deslumbradísimo, saracoteante, exibindo seu virtuosismo, seu rico penteado e seus significativos olhos amendoados _ cheio de intimidade com a telinha. Ao mesmo tempo em que se desdobra num eletrizante apassionato, um breve devaneio se passa em sua mente: “Extra! Extra!” _ grita um molecote vendendo jornais. Manchete de página inteira: “NASCE UMA ESTRELA!!!” Na fotografia central, ele aparece, carregado em aclamação; braços erguidos, violino numa mão, arco na outra, flagrado num belo ângulo...
”Acorda, Elizeldo! Tá na hora de executar aquelas firulas que você ensaiou até de madrugada na frente do espelho! Hoje é o seu dia, malandro!!”
Repentinamente, a orquestra inteira se cala, permanecendo apenas o primeiro violino, em solo prestissimo. Elizeldo, sem deixar cair a peteca em momento algum, continua a detonar, vibrante, mandando ver, destruindo, arregaçando, matando a pau, arrepiando, fechando o comércio, arrebentando a boca do balão, comendo o violino!! A cena é puro fascínio! _ aquele rapaz de modos delicados, visual romântico e lábios carnudos... se revelando assim... um verdadeiro ‘animal’!
Elizeldo está dando um novo colorido à peça de Paganini. Fantasista... galhardo... affettuoso... agitato... vivace... brioso... gianotta... Mas eis que no último terço desta sua intervenção, ele começa a ser sobressaltado por algumas intromissões indevidas dum outro violino: é um dos segundos violinistas _ aquele que tomou um ONLY ME’zinho esperto! Ele está se metendo a acrescentar algumas graciosas notas ao solo do companheiro! Elizeldo se contém e prossegue, sem perder o rebolado.
A imagem escurece e volta _ agora já no último movimento da peça, onde deverá se dar o grande solo, a apoteose triunfal de Elizeldo (que, diga-se de passagem, por muitos anos se preparou apenas para este momento). “Valeu a pena não esmorecer!”, ele pensa.
O solo começa... Elizeldo cheio de fogo, parecendo um pingüim assanhado. Ele planejou tudo nos mínimos detalhes...
Ousando a princípio algumas variações sobre o tema principal, ele parte agora pro improviso puro e descarado, ‘ad libitum’, jurando a si mesmo que aquelas notas epiléticas lhe vêm diretamente dos deuses. O maestro sorri amarelo, fingindo-se soberano e senhor da situação. O locutor:
“Elizeldo pensa que está revolucionando o mundo da música neste momento.” E ameaça: “Mas isto não é nada perto dos efeitos de ONLY ME!!
É quando que entra em cena o verdadeiro herói deste anúncio: o violinista mané, transformado pela ‘pílula’ num cabra dichavadaço!.. cheio de caras e bocas... e olhares, digamos assim, carismáticos. Ele entra no páreo, confiante, fazendo contraponto ao solo de Elizeldo. Depois _ obsequioso _ põe-se a entrecortá-lo com uma série de inspirados ornamentos... O duelo entre os dois violinos vai recrudescendo aos poucos... cada vez mais.
O suor escorre pelo rosto de Elizeldo! Seus olhares em direção à câmera _ até a pouco, um tanto melífluos _ transformaram-se num esgar paroxísmico de agonia! Ele toca como nunca jamais imaginou tocar!.. mas o outro, sem fazer muita força, ofusca-o completamente... A câmera focaliza alternadamente os dois rivais numa luta frenética pela primazia. A velocidade chega ao limite.
Enfim, atarantado pelos milhares de acciacaturas, staccatos, mordentes, rubatos, apojaturas, trinados, trêmulos, grupetos, vibratos e furuquifuques com que lhe bombardeia o violonista X, Elizeldo deixa cair os braços e explode num pranto convulsionado... Como se diz, seu mundo caiu.
Enquanto isto, o violonista X continua _ soberbo! _ arrebatando a todos com uma verve jamais vista. O locutor, suspirante:
“ONLY ME... Justifica tudo!.. e mais um pouco!..”
X se levanta e começa a zanzar por entre os músicos, cheio de palhaçadas, pulinhos, sorrisinhos _ como essas bichonas cabeludas que se dizem roqueiros da pesada (tipo Bon Jon Bovi).
A platéia está contagiada. “Bravo!” “Tuchê!” “Aaaaarriégua!” ... Os músicos (também dominados pelo incrível talento deste gênio) seguem-lhe docilmente, num entrosamento perfeito. Pura magia! O maestro já se mandou, faz tempo.
X saltita e rodopia, rebolativo, até o ponto mais alto do palco. A sinfonia já virou uma congada. Locutor:
“Powerfull moments... Only Me!!!”
Nosso amigo X tá a mil _ chutando o balde! _, tocando com o violino atrás da nuca... entre as pernas... nas costas... cheio de gracinhas.
Como aqueles atletas de ginástica aeróbica, ele fica exibindo um sorrisinho exultante, enquanto executa movimentos que exigiriam uma boa careta de qualquer ser humano normal, quando não uma bela lesão ortopédica...
E a congada já virou maracatu, e depois, ponto de macumba... O teatro tá vindo abaixo. Vibração, desbunde total!
O locutor, com voz compassada:
“Surpreenda seus sentidos... ONLY ME... Ultrapassando fronteiras!”
E o ponto de macumba já virou balalaica. X pula de uma perna pra outra, como um bailarino russo, agachado, tocando, tocando e tocando _ cada vez mais louco.
Neste momento a imagem congela, mostrando X do peito pra cima _ descabelado, sem camisa, suado, dentes à mostra banhados de saliva, olhos esbugalhados, bêbado de glória e felicidade. Há um delicioso silencio. O locutor arremata, grave e insinuante:
“Às vezes, pra se encontrar, um homem precisa se perder...”