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(cliente: Rosh Indústrias Químicas e Farmacêuticas S. A.)
- veículo: TV
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A câmera vai percorrendo as paredes do quarto. Fundo musical: Ella Fitzgerald, deliciosa em “Under the Moonlight”. Ouvem-se gemidos de prazer. A câmera continua a deslizar languidamente, trôpega, enfocando detalhes casuais do aposento. Um porta-retratos, onde se vê um casal abraçado, na proa dum saveiro... um laptop... uma garrafa de Barack Pálinka, brandy de abricó húngaro... um vidro de perfume derrubado, gotejando no tapete... um par de castanholas e umas nozes espalhadas sobre um libreto de ópera, ao pé de uma espineta... um mapa náutico... uma caneta tinteiro espetada numa maçã... Às vezes a câmera avança um pouco sobre a cama, mostrando um par de pés nervosos, em flashes rápidos... Um martelinho de cabeça arredondada... um cinzel de escultor... um astrolábio... uma tabaqueira inglesa... uma luneta sobre um tripé de alumínio... um troféu de turfe... a capa do único disco de Johnny and Lopez, onde se vê os dois intrépidos rapazes num Corvette 54, modelo do ano, voando em direção à Lua... Gemidos... exclamações ofegantes... Um relógio de bolso... uma rosa pousada sobre a coronha dum mosquetão espanhol... uma balancinha de fiel... uma pistola Lugger sobre um par de luvas pretas... um fotômetro... uma máquina de escrever Remmington pesadona, anos 60, onde se vê um texto ainda em andamento, encabeçado pelo singelo título: A Critical Study of Human Story... Suspiros... risinhos... ai-ai-ais, ui-ui-uis... Um fole de lareira... um dobrão português... uma bengala com castão prateado em forma de serpente marinha, recostada numa mesinha estilo Império... um violino... uma gravura erótica maia... um pequeno ventilador cor de oliva de formas arredondadas, anos 50... uma lupa ao lado dum álbum de selos... um espremedor de frutas de design pretensioso, em inox, semelhante a um vírus de caxumba ampliado... Gemidos cada vez mais tesudos... E um telefone de ebonite... a espessa cortina ocre... um cartão postal de Viena... umas peças de xadrez em entalhe rústico... uma garrafa de Coca-Cola antiga... o livro Marimbondos de Fogo, do inesquecível intelectual José Sarney... um quadro do século XVII, mostrando um almofadinha pálido e empetecado barganhando a compra dum ameríndio vesgo com um mercador holandês com cara de sacana...
O clima é de charme e aconchego. Dá quase pra sentir o cheiro do ambiente, o calor que emana das sofisticadas texturas... a classe... o requinte. Os badulaques exibidos no lento passeio da câmera pelo quarto, dão a entender que o dono da casa deva ser um esteta, um cidadão do mundo, enfim, um cara cheio de sacanagem.
Até que, afinal, desvendando o mistério, aparece, visto de cima e frontalmente, um sujeito se contorcendo sozinho na cama, entre lençóis, travesseiros e um ursinho de pelúcia. Ele está enlouquecido por si mesmo, beijando-se, alisando-se, lambendo-se, desmanchando-se _ aparentemente a troco de nada. Não há masturbação. É como se ele estivesse sendo chupado por uma entidade invisível... Os gemidos tornam-se quase gritos. Ele crispa as mãos junto ao rosto, mordendo os nós dos dedos. Um espasmo delicioso o joga de bruços, ofegante. Ele arqueja por alguns momentos, os olhos virados, já quase exausto. De repente, a voluptuosa visão de sua mão esquerda o traz de volta à realidade. Ele dá um bote sobre a própria mão e começa a beijá-la, desvairadamente, rolando na cama. As ondas de prazer vão aumentando, e ele começa a se debater como um louco, a gritar, a espernear, a se esganar, a socar o colchão, a fazer uma bagunça danada com a roupa de cama _ tudo em câmera lenta. Por fim, fulminado pelo extravagante orgasmo, ele rola lentamente o corpo e aparece, com olhos de peixe morto, satisfeito, babando relaxadão, uma perna do ursinho dentro da boca (de onde escorrega lentamente, indo quicar no tapete).
A partir da metade final do comercial, o locutor já acompanhava o desenrolar da cena, com uma voz coquete e pausada:
“O mundo mudou. As idéias mudaram. Você mudou! E pra melhor, é claro...
O homem vive um momento de reflexão... De sua relação com o mundo à relação consigo mesmo... Do quanto ele tem feito pela sociedade ao quanto ele tem feito por si mesmo. De seu papel como profissional a seu papel de amante da farra. De seu papel como consumidor a seu papel de crítico da sociedade de consumo. De seu papel no engajamento ecológico, a seu papel de apreciador de carne de anta, tatu e capivara...
Tudo está sendo revisto!..
Foi pensando neste homem que nós criamos ONLY ME, a pílula do orgasmo solitário.
Entregue-se a esta emoção!
Você vai estrebuchar de prazer! Você vai ficar com-ple-ta-men-te louco! Você viajará, como Ganímedes, nas asas do mais desvairado êxtase. Serás transportado, em transe, ao reino das mais luxuriosas fábulas. Muito além do infinito!
Amigo, sejamos bem francos; sejamos práticos. Chega daquela melequeira! Chega daquela medonha gosmeira genital. Chega daqueles sustos com camisinha furada. Chega daquela lambeção nojenta. Chega de envolvimentos pegajosos! Chega de ser escravo do tesão alheio! Chega de gastar dinheiro com mulher! Chega!
Aleluia, irmãos! [sem gritaria, falando.] ONLY ME é simplesmente o paraíso na Terra!.. a cristalina e democrática alegria ao seu alcance na farmácia mais próxima... o carnaval fisiológico automático e prolongado! E sem ressaca!
Esqueça o seu medo de amar! Com ONLY ME, o amor, o tesão e a felicidade estarão sempre a seu lado, na gavetinha do criado mudo; é só tomar com meio copo d’água!..
Se você é um cara tímido, escroto e boca-aberta... se você não consegue comer nem a vagabunda mais rameira aí do seu pedaço... se você acha que nada funciona com você... _ não se preocupe! Nem os seus mais tenebrosos complexos de inferioridade conseguirão deter os efeitos de ONLY ME em seu corpo. Por vinte minutos você será mais livre, auto-suficiente e feliz do que nenhum rei jamais o foi em toda a história da humanidade!
Mas... se você é dos nossos, melhor ainda... pois ONLY ME foi feito realmente pra você: o monossexual sarado da nova era!
Orgasmo além da imaginação e assepsia total... só mesmo com ONLY ME _ a última fronteira do amor...
Também em versão bastonete, ONLY ME é o supositório do HOMEM QUE É MUITO MAIS ELE MESMO!!”
[ O sujeito a esta altura já teve o seu orgasmo medicamentoso e se mostra tomado de um desfalecimento muito fofo. As luzes se apagam com um som grave e seco, como o bater de um carimbo. Sobre o fundo negro aparece apenas o nome do produto. A voz do locutor abandona seu tom comercial, tornando-se sóbria e objetiva _ como que apresentando um editorial acerca duma relevante questão ética. É a direção das Indústrias Rosh falando agora, abrindo o jogo de uma forma muito bacana e madura com o consumidor... ]
“As Indústrias Rosh acreditam que só uma postura responsável por parte de cada um de nós poderá salvar o mundo do esgotamento final de seus recursos. Está provado que o monossexualismo é, de fato, a grande solução para o milênio. O motivo é óbvio: além de muito mais prático e moderno, a esta altura do campeonato cada criança que nasce é uma verdadeira catástrofe pra natureza, pois cada uma delas, com as exigências naturais do consumo humano, demandará a derrubada de 1850 árvores, em média, até o final de sua vida. A extinção de espécies vegetais e animais está se dando, literalmente, em ritmo de chacina. O patrimônio genético da biosfera está sendo impiedosamente pisoteado por esta gentalha que não pára de nascer. O que a humanidade antigamente levava trezentos mil anos pra consumir e poluir, hoje é feito num só dia.
O fato é que a galinhagem desenfreada estava levando o mundo a um colapso iminente. Felizmente, agora com ONLY ME, a sexualidade humana atingiu uma dignidade realmente humana: a antiga e obsoleta “trepada” fica agora apenas pros animais incônscios de si... e pras bestas semi-humanas da ralé.
O homem moderno pode agora olhar confiante para o futuro... Um futuro de promessas brilhantes. Um futuro de prazer ilimitado. Um futuro de novos desafios interiores.
... E a Rosh quer estar com você nesta aventura!
[ Entra um fundo musical: “Only You”, do The Platters. Letra adaptada: “Ooonly Meeeeeeeeeee can make all this change in me / O-oonly me-eee make me feel so light and bright ...” - Vão deslizando na tela os créditos pela produção do comercial _ iluminação, figurino, agradecimentos etc. - No último segundo, passa um letreiro com caracteres minúsculos, rapidinho: “Não nos responsabilizamos pela integridade física e mental do consumidor, em caso de overdose.” ]