Não é mentira, não é mentira, não é mentira! Acreditem em mim, isso aconteceu.
Era uma festa de casamento, linda, regada a vinhos, champanhes, e refrigerantes baratos. Aquelas festas onde você encontra com o manobrista do prédio, com o pedreiro que reformou sua casa, com doceira que fez o bolo com três andares que derreteu “um tiquinho só” por causa do calor que fez no dia. “E sabe né? Esses bolos enormes, não cabem na geladeira, a gente sua para manter o glacê no lugar”.
Mas também tinha a turma endinheirada, que a cidade toda sabe que deve na praça, mas aparece com carro zero – e certamente um carnê de cinqüenta títulos a serem pagos, no porta luvas.
Era um mix de personalidades, no mínimo, antagônicas.
A explicação para tal estava nas diferenças sociais entre família do noivo e da noiva.
Ele, filho de pai bem de vida, ele filha de taxista. Ele formado numa Federal, ela cursando letras numa faculdade particular de Segunda. Apaixonaram-se no Táxi. O pai levava o futuro genro para casa, após pegá-lo no aeroporto e o rapaz se encantou com a foto da filha colada no painel do veículo. Linda! Linda! Uma princesa.
Pegou o cartão do motorista, passou a chamá-lo com freqüência, ficaram camaradas, convidou-o para um churrasco: “Traga a família toda, não se acanhe, o churrasco é para os amigos”.
Chegou o dia, o taxista demorava, o rapaz aflito, o pai do rapaz sem entender a angústia do filho.
Finalmente, o taxi para em frente à casa no condomínio fechado. Demorara pois não fora fácil entrar na portaria. Os guardas não deram mole para aquele taxi cheio de gente.
E no meio daquela gente, ela, a princesa, mais linda do que na foto. Sorria, sorria muito, o tempo todo. Baixava os olhos quando encarada pelo jovem que tanto a esperara.
Apaixonaram-se, é claro. Coisa de novela. Marcaram o casamento para dali à três meses. O pai do noivo deu a casa, os móveis, as plantas, os lustres, as cortinas, enfim, tudo. Os pais da noiva insistiram em dar a festa, questão de honra.
Essa era a festa e lá estava eu produzidíssima, sentada em uma cadeira de armar, dessas com logomarca de cerveja, tomando Tubaína morna. O vinho nem arrisquei, a ressaca poderia ser imensa. Champanhe? Só se fosse doida e varrida.
Apesar da situação exótica, entrei no clima agradável do bate-papo simples da mesa. Fiquei ao lado do cabeleireiro da noiva, trocamos truques de beleza, “embichei-me” total e fiz a minha festa particular.
No final, tudo já era normal e familiar, até o padrinho da noiva usando um terno branco já não me parecia o fim do mundo.
Mas eis que o mais estapafúrdio aconteceu.
Fui ao Toilet, retocar a maquiagem. Na saída, deparei com um sujeito de blazer marrom, calça preta, camisa amarelinha, sem gravata e lavando as mãos no lavabo comum aos banheiros feminino e masculino.
Pois o tal sujeito olha para mim, de cima em baixo, fixa o olhar no meu rosto e pergunta com toda a seriedade do mundo: “Você tem frieira”?
Eu devo ter arregalado muito os olhos, porque cheguei a sentir que o botox já era. Não sabia se respondia, se fazia cara de paisagem e fingia que não era comigo, mas foi inevitável dizer algo. Ele continuava me fitando.
Totalmente sem jeito, me saí com essa: “Não, não tenho, por que?”
Ele, com a maior cara de pau que eu já vi em toda minha vida disparou: “Eu sabia, uma coisa tão linda e perfeita como você não poderia ter frieira”.
Eu subi os degraus da escada que levava ao salão de festas rindo por dentro e ao mesmo tempo com vontade de voltar e dizer alguma coisa que desse sentido àquela situação. Como se isso fosse mesmo possível.
Moral da história: Diferenças sociais pouco importam, os homens são muito ruins de cantada, mesmo.