Becicleta
Becicleta. Foi assim que grafei a palavra
no meu exame de admissão ao ginásio. Acho que nunca a houvera escrito
antes, embora andasse em minha boca e na de tantos garotos, loucos por
uma Monark ou uma Calói.
Havia também aquelas estrangeiras, importadas cujas marcas não se pronunciava e muito menos se escrevia, mas babar à meninada fazia. Raleigh, Gulliver, Merckswiss...
Mas
a minha becicleta por pouco me deixa fora da reta, pois a prova de
português, a língua pátria do primário, era eliminatória e naquele embate
poderia significar o fim da minha história, ou pelo menos confiná-la a
uma segunda edição, uma terceira, e não sei mais não.
E o pior é que não foi uma única vez que incidi no erro: pois a prova, além de constar de várias perguntas, tinha também a composição, que por sua vez consistia na descrição de uma gravura. E justamente ali, um menino com sua becicleta, e um ramalhete de flores.
Sabia
como começar, pois algum mestre ou mestra já teria ensinado: descrição
começa-se por dizer, vejo nesta gravura... e o resto é literatura. Se o
aplicador do exame mais atura.
Chegando em casa, ainda arfante
daquela experiência ciclística no papel, perguntei ao meu pai pela
grafia em dúvida, buscando assegurar-me do que podia vir pela frente.
Bê, i, foi dizendo ele... Pronto, tou perdido, disse comigo mesmo, engolindo aquele amargo entrave, quatro ou cinco vezes repetido, no papel.
Mudei
de dúvida, para ver se me aliviava: qual o plural de qualquer?
Quaisquer, ora. Nossinhora, tava eu mesmo por fora. Havia escrito
qualqueres...E agora?
Quando anunciaram os resultados, consegui
um 5,8. A iminente tragédia havia virado com média. Que mérdia? E dali
pra frente tudo foi diferente e o Roberto, já bem perto, nem incomodava a
gente. |