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Infantil-->Variações da realidade e evidentes propósitos da fábula -- 20/04/2002 - 08:30 (Elpídio de Toledo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos











A fábula relata uma situação concreta e tem um objetivo bem determinado. Como exemplo temos o

conhecidíssimo escravo frígio “Esopo”, cujas fábulas são inseparáveis do seu modo de vida, fazendo

claras referências à realidade e evidenciando um propósito didático-crítico da fábula. Não existe

prova documental segura sobre se Esopo viveu realmente ou se foi apenas uma corporificação do

fabuloso folclore grego.(8)

Na lendária “Representação dos Esopromances” (9) aparece Esopo como homem de corpo disforme,

dotado de sabedoria e eloquência pela deusa Isis. Provido com tais virtudes transitou Esopo pelas

terras da Ásia Menor e da Grécia, narrando suas fábulas, das quais denunciava publicamente as

injustiças sociais e os desvios de comportamento dos homens da época.

Formulando e pregando espirituosas fábulas, com as quais criticava os feitos condenáveis dos

poderosos, ele tentou influenciar as atitudes com seu ensino.

Por isso, Esopo sempre tomou partido pelos fracos, oprimidos ou maltratados. Seu comportamento

crítico levou-o frequentemente a conflitos com as autoridades. Mesmo quando se encontrava em

situações difíceis exprimia sua crítica sob a proteção das fábulas. Em Delphos, Esopo divergiu

tanto dos sacerdotes que eles temeram sua influência sobre o povo.

Com receio do povo, os sacerdotes planejaram sua prisão em segredo. E camuflaram entre os seus

pertences de viagem uma concha feita de ouro do Templo de Apolo, a fim de caluniá-lo como

sórdido ladrão do templo.

Esopo foi jogado a um cárcere e condenado à morte. No trajeto para o despenhadeiro, de onde

Esopo seria lançado, ele contou a famosa fábula intitulada “O rato e o Sapo” que, de um lado,

tinha a intenção de ilustrar sua própria situação e, de outro lado, advertir os sacerdotes e

dissuadi-los das suas intenções.

(Heinrich Steinhöwel)

Certa vez, Esopo transitava pelas terras gregas e, por toda parte, mostrava seus

conhecimentos, através de suas fábulas, adquirindo a reputação de um homem muito sábio. Por

último, veio para Delphos, a venerável cidade, lugar dos sacerdotes mais sábios. Para ele

acorreram muitos homens, pois eles queriam ouvi-lo; porém, não foi recebido honrosamente pelos

sacerdotes. Por isso, disse Esopo: “Homens de Delphos, vocês são como a madeira que o mar faz

flutuar para a praia. Enquanto está longe parece ser muito grande, mas quando chegam perto,

então, vê-se que na realidade é pequena. Assim também se dá entre nós. Enquanto eu estava

muito longe, distanciado da cidade de vocês, eu pensei que vocês seriam os mais distintos de

todos, mas, agora, perto de vocês, reconheço que vocês não impressionam muito.”

Quando os sacerdotes ouviram tal discurso, comentaram entre si: “Este homem tem muitos adeptos

em outras cidades. Pode acontecer que, diante desses discursos maléficos, nossa reputação sofra

ou, até mesmo, venhamos a perdê-la totalmente. Por isso, temos que nos aconselhar!"

Então, eles debateram sobre qual seria o modo de condená-lo à morte, sob o pretexto de dá-lo

como um malvado ladrão, pois eles não se atreviam a enfrentar o povo, condenando-o abertamente

sem um motivo compreensível.

Assim, prestaram-lhe muita atenção, até no modo como o criado de Esopo preparou sua bagagem

para a partida. Então, pegaram uma concha em ouro do Templo de Apolo e a camuflaram entre os

pertences de Esopo.

Esopo ignorava todas as furtivas maquinações que estavam em curso contra ele e, quando ele

partia para Phokis, os sacerdotes correram em sua direção e o prenderam, em meio a grandes

gritos. E como Esopo perguntou por quê estava sendo preso, ele gritaram: “Você, homem sujo,

você criminoso! Por quê você roubou do Templo de Apolo?”

Como Esopo negava e indignava-se com aquela incriminação, os sacerdotes abriram sua bagagem e

encontraram a concha feita de ouro. E a exibiram a cada um dos presentes e deram Esopo como

um impetuoso ladrão de templos e, fazendo grande alarde, conduziram-no até à prisão.

Esopo não se dera conta ainda de toda a artimanha da conjura que haviam preparado contra ele,

e pediu que o soltassem. Mas eles o vigiaram intensamente e, com maior rigor ainda, [...]

condenaram-no publicamente, por ter sido dado como ladrão de templo, e tiraram-no da prisão, a

fim de que ele fosse lançado de um despenhadeiro.

Quando Esopo se deu conta do que estava se passando, disse para eles:

"Nos tempos em que os animais irracionais conviviam em liberdade, um rato afeiçoou-se a uma

rã e convidou-a para um jantar. Juntos foram a uma dispensa de um homem rico, onde encontraram

pão, mel, figos e uma série de guloseimas. Então, disse o rato para a rã:

Agora você vai comer essas comidas que são as mais saborosas! Quando eles se saciaram à

vontade, disse a rã para o rato:

Agora você deve saborear também da minha comida. Venha comigo! Como você não sabe nadar,

apóie seus pés nos meus para que nada te aconteça.

Quando seus pés estavam atados, saltou a rã para a água e mergulhou com o rato. E percebendo o

rato que morreria, começou a gritar e exclamou: Sem culpa, fui vítima de uma terrível perfídia.

Mas você que sobrevive verá que alguém vingará minha morte.

Quando ele acabou de dizer isso, chegou um condor e abocanhou o rato e a rã. Assim, sem culpa

serei morto por vocês, e vocês serão castigados por isso pela vontade da Justiça, pois a

Babilônia e a Grécia vão querer apurar este crime que vocês me imputam."

Apesar de ouví-lo, os sacerdotes não se importaram, e levaram-no ao lugar onde ele deveria ser

morto.

A evolução da fábula é, na situação real, visivelmente análoga. Na realidade são os sacerdotes

que tiram a vida do poeta; na fábula é a rã que prejudica o rato. Notório é que rato e rã estão

atados pelos pés e assim juntos padecem de um mesmo destino. O condor que leva ambos como

presas, torna-se símbolo de uma alta Justiça: ele expia, de imediato, o que para o rato é ato

injusto.

Sob o manto da realidade esta fábula ensina: a Verdade, também, se tornará um grande poder

(neste caso, os povos da Babilônia e da Grécia); os que causaram a morte de Esopo não deixarão

de expiá-la. Assim como os destinos do rato e da rã estão interligados, assim também os sacerdotes

não escaparão dos seus destinos, se matarem Esopo. No caso aqui descrito Esopo luta na fábula

para si mesmo. Em outras oportunidades ele aproveita a fábula na luta pelos oprimidos.

Assim, a literatura popular faz do escravo frígio Esopo um herói, que apreende as reais condições

sociais, os processos políticos ou comportamentos humanos faltosos, criticando-os, esclarecendo

e estimulando a mudança da situação sob a roupagem da fábula.

Outras fábulas de Esopo não objetivam situações concretas de vida, mas trazem uma pregação

geral indiscutível sobre sabedoria de vida; ele expõe elementos mais instrutivos que críticos no

primeiro plano, em que ensinamentos éticos e morais são compartilhados.

Pondera-se que, desde Fedro, quase todos os poetas de fábulas se relacionam com Esopo,

aplicando seus motivos, seu repertório, seus princípios de composição e, freqüentemente, apenas

variando-os, de modo que possam dar esclarecimentos essenciais sobre a intencionalidade e a

causalidade de todas as fábulas poéticas.

Comparando-se as fábulas que se apresentam em diferentes versões, reconhece-se que basta uma

pequena variação para que se aborde uma outra realidade, um outro propósito a ser manifestado.

Por exemplo, a fábula da raposa e o corvo, de Martin Luther, pode ilustrar isso muito bem.

Do corvo e da raposa.

Um corvo roubou um queijo e pousou numa árvore bem alta querendo alimentar-se. Ali, porém, não

se deu o silêncio a seu modo: quando ele comia, ouviu uma raposa, que atraída pelo queijo,

correu para lá e lhe disse:

“Oh, corvo, até hoje, em toda a minha vida, nunca vi um belo pássaro, com penas e formas como

as suas. E se você tivesse também uma bela voz para cantar, então poder-se-ia coroá-lo como o

rei de todos os pássaros.”

O corvo, seduzido por tanto elogio e lisonja, acreditou, e quis que seu belo canto fosse

ouvido. E, quando ele abriu o bico, deixou cair o queijo; a ágil raposa apanhou-o, comeu-o e

riu do tolo corvo.

(Gotthold Ephraim Lessing)

O corvo e a raposa

Um corvo pegou um pedaço de carne envenenada que um irado jardineiro havia jogado para os

gatos dos seus vizinhos, cansado de seus roubos. E, assim, ao querer o corvo em um velho

carvalho alimentar-se, uma raposa se aproximou e lhe disse:

“Abençoe-me, pássaro de Júpiter!”.

“Por quem me tomas?” Perguntou o corvo.

“Por quem lhe tomo?”, revidou a raposa. “ Nâo é você a vigorosa águia que, diariamente,

por direito de Zeus, sobe a este carvalho, meu asilo, para alimentar-me? Por quê você disfarça?

Não é que vejo na vitoriosa garra a implorada dádiva que a mim Deus, através de você, ordenou

encaminhar?"

O corvo espantou-se e alegrou-se profundamente por ser considerado como uma águia. “Não devo",

pensou ele,“desviar a raposa deste engano”. Generosamente o tolo deixou cair sua presa e voou

todo orgulhoso por isso.

Toda sorridente, a raposa pegou a carne e a comeu vorazmente. Logo, logo, seu prazer

transformou-se em um profundo sentimento de dor; o veneno começou a agir e ela vomitou.

Jamais queira envenenar o outro com elogios, demônio lisonjeador!
(James Thurber)


A raposa e o corvo

O charme de um corvo em uma árvore ao alimentar-se e o cheiro de queijo que ele trazia no

bico despertaram aguda atenção de uma raposa.

“Se você cantasse tão bem como sua beleza”, disse ela, “ então você seria o melhor trovador,

o que eu nunca vi.”

A raposa aprendeu em algum lugar — e não uma única vez, mas com diferentes poetas, que um

corvo com queijo no bico deixa-o cair e começa logo a cantar, quando alguém elogia sua voz.

Mas no presente caso e com esse corvo, em especial, não aconteceu bem assim.

“Dizem que você é esperta e que você é meio doida”, disse o corvo, depois de cuidadosamente

com as garras do seu pé direito tirar o que estava em seu bico. “Mas, parece-me, que você é

míope demais. Pássaros trovadores têm chapéus coloridos, faustosas (suntuosas, magníficas)

cores e coletes cintilantes, e eles existem às dúzias por aí. Eu, ao contrário, trajo preto

e sou absolutamente impar.”

“Com toda a certeza, você é único”, retrucou a raposa, até mesmo esperto, mas, ora doidão

ora míope.”

“Vendo mais de perto reconheço-lhe como o mais famoso e talentoso de todos os pássaros, e

eu gostaria de ter o prazer de ouvir sobre o que tem a dizer sobre si mesmo. Infelizmente,

estou com fome e não posso ficar muito tempo por aqui."

“Fica mais um pouquinho", pediu o corvo. "Eu lhe dou também um pouco da minha comida”. Com

isso, lançou a maior parte do queijo à astuta e começou a falar sobre si mesmo.

“Sou protagonista de muitas lendas e contos de fadas”, gabou-se ele, "e sou visto como

sábio. Eu sou o pioneiro das viagens aéreas, sou o maior cartógrafo. E, o que é mais

importante, cientista social e erudito, engenheiro e conhecedor da Matemática, o que faz

minha rota de vôo a mais curta distância entre dois pontos".

“Oh, sem dúvida, entre todos os pontos”, disse a raposa esperançosa. “E muito obrigado pela

prenda que você me deu, ainda por cima, a maior parte".

Saciada, ela partiu dali, enquanto o faminto corvo, solitário e abandonado, voltou ao seu

galho.

Moral da estória: O que hoje sabemos, já sabiam Esopo e La Fontaine: Quando você quiser

badalar a si mesmo, ouça primeiro o belo e correto som da campainha.

Na antiga versão de Martinho Lutero, a lisonjeira raposa, simplória, consegue tirar com

artimanha um pedaço do queijo do vaidoso corvo. Lisonja recompensa - o idiota é o corvo,

deixa-se enganar em demasia pela lisonja da raposa. A vaidade e a presunção, também, aqui

são castigadas, ao ver da citada versão.

Na versão de Lessing, porém, o queijo está envenenado. A raposa morre da sua presa.

Enquanto a fábula de Lutero espelha a situação do Feudalismo (triunfa aí o mais

inteligente), a situação em Lessing é outra:

aquele que perde parece, no caso, o mais afortunado. Nesta Terra, o esperto nem sempre

é automaticamente o afortunado, pois ele está também sujeito à Vontade do Destino — e

este se opõe aqui, claramente, ao hipócrita e ao lisonjeador.

A comparação da pequena versão de Lutero, sobre a fábula do corvo e da raposa, com a de

Lessing revela que, muitas vezes, somente uma modificação de um pequeno detalhe é

suficiente para se alcançar uma máxima modificada - e em outras vezes, que a fábula

adequa-se às transformações político-sociais. A direção política e econômica transforma

devagar a aristocracia (a nobreza, a fidalguia) em burguesia. Aqui há um aspecto

intencional superior da fábula poética a examinar: ela destaca o desenvolvimento do

processo social global de modo análogo ao desenvolvimento da literatura da fábula.

O gênero literário, com a ajuda da fábula, é mais fácil de ser apresentado.

Em resumo, constata-se que, à luz da realidade e das declarações objetivas das

fábulas, uma autêntica fábula sempre se relaciona a uma situação concreta (o mesmo se

pode dizer de um poeta). O sentido da fábula constitui-se, portanto, de uma bem

determinada situação, base de um quadro concreto a ser evidenciado, para criticar e

lutar por sua modificação.

A fábula quer evidenciar, repentina e pontualmente, as particularidades humanas, os

modos de pensar, as relações entre os homens, as injustiças sociais e determinados

sinais (marcas, características) dos tempos. Com seu modo de criticar a sociedade e

o modo de vida e com sua teoria básica, ela é a afirmação dos valores sociais e

morais. Neste sentido, a fábula serve para iluminação da inteligência e para a busca

da verdade.

Fonte: www.udoklinger.de

(8) Citações de A. Hausrath, Fábulas de Esopo, Munique, 1940) e H. Österley;

(9)Esopo, de Steinhöwel, Tübingen,1973, p.38)







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