- Mas quem é ela?
- Uma escritora famosa, você nem imagina!
- Ela escreveu alguma coisa para criança?
- Claro! Uma porção de historinhas infantis.
- Cite uma só.
- Ah, são tantas! Depois vejo para você, tá?
- E hoje, ela escreve ainda?
- Hummmm. Entendi, espertinha! Ela não escreve mais, porque já morreu. Era “isso” que queria saber, não era?
- Coitada!
- Ih, mas morreu faz tanto tempo!
- Quanto tempo?
- Uns vinte anos!
- Coitada!
- Que coitada! Ela conseguiu tudo o que queria na vida, assim como num conto de fadas.
- Mas no conto de fadas a princesa não morre.
- É mesmo, você está certa. Esta a diferença: tudo no conto de fadas é para sempre, e na vida real as coisas se movem, sabe? Nada é eterno. E a história da nossa escritora não termina na morte, na verdade sua história permanece viva, em tudo o que ela escreveu. Prova disso é que estamos falando da escritora agora.
- Estamos falando que ela morreu.
- Mas primeiro me conte: como nossa heroína apareceu na conversa?
- Que heroína?
- A escritora.
- Claro que ela apareceu por causa do filme que a gente estava vendo, isso eu sei!
- E o filme, de que falava?
- Da “vida” dela, não da morte.
- Sei, mas o bom disso tudo é que ela escreveu o que sentia e, melhor ainda, conseguiu publicar tudinho, esse o final feliz!
- Coitada! Mas se ela morreu!
- Além do mais, já conversamos sobre isso. Lembra-se da vovó? Tudo bem, não está mais com a gente, mas as lembranças que temos dela, hem? E as histórias de capeta que vivo lhe contando, hem, hem? Acha que eu tenho cabeça para inventar tanto demônio?
- Coitada da vovó!
- Sem contar as aulas de ciências, lembra-se do ciclo vital? Ah, sim, o caranguejo! Lembra-se do caranguejo, que, depois de tanta luta, acaba enganado pelo polvo, e é por ele devorado? O caranguejo, desta forma, deu ao polvo mais algum tempo de vida, até a próxima caçada, e sabe lá se dessa vez o alimento não escapará do pobre do polvo? Já pensou se tivéssemos de caçar nosso próprio alimento, hem?
- Acho que eu morreria de fome! E eu não quero morrer. Nunca.
- Bobagem, nem pense. Por isso é que lhe digo: tudo tem sua hora, nós não somos eternos. Assim é a lei da natureza! Tudo “tem” mesmo que acabar um dia, esta a graça do mundo.
- Eu não achei graça nenhuma. E a moça dos livros?
- Se ela achou graça?
- Não, boba. Ela morreu e...
- ... e permanece eterna na obra imensa que escreveu.
- É, mas, mesmo assim, coitada e coitada!