Trinta vezes... Quarenta vezes que subi e desci pelo seu ventre, imaginando renhidos, bem suados e emocionantes duelos contra inimigos fantasmas de capa e máscara negras, tal como exímio espadachim de mil aventuras... Não posso precisar, perdi a conta por considerá-la integralmente minha e de meus irmãos de terra, ditos tripeiros, oriundos do povo que se alimentou dos miúdos intestinais de gado abatido para ceder a carne aos soldados que defendiam a cidade sitiada. Daí a honrosa legenda vinda nas mãos do tempo: Mui Nobre e Leal Cidade Invicta. Daí ainda também, as esplêndias "tripas à moda do Porto", culinária de pedir sempre mais um pouquinho para encerrar o delicioso repasto com sempre mais um copinho.Tem graça que a sensação de vê-la e de sentir sua presença ao vivo não é tão intensa como quando se me depara em fotografia, ne televisão ou no cinema. Para as gentes do Porto, os vocabulantes nortenhos que na pronuncia trocam os "b b" pelos "v v" e vice-versa, o sentimento deve ser idêntico. Nunca me ocorreria ou sequer admitiria, se por força das circunstâncias vida tivesse, por exemplo, de me mudar para Lisboa, trair o íntimo liame que tenho com o meu lugar. Se alguém indagasse e me dissesse: "Então... Abandonaste a tua cidade?"... Jamais lhe responderia que "não tens nada com isso". Explicar-lhe-ia a fundo o motivo que me teria levado a afastar-me. São coisas do coração e da alma que obedecem à honra dos ditâmes que herdamos da condição de ser gente...