Usina de Letras
Usina de Letras
12 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63317 )
Cartas ( 21350)
Contos (13304)
Cordel (10362)
Crônicas (22579)
Discursos (3249)
Ensaios - (10709)
Erótico (13595)
Frases (51847)
Humor (20198)
Infantil (5627)
Infanto Juvenil (4965)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141345)
Redação (3358)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2442)
Textos Jurídicos (1968)
Textos Religiosos/Sermões (6366)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Infanto_Juvenil-->FILHO DO VENTO -- 23/03/2004 - 05:47 (Sonia M.Delsin Lencione) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
FILHO DO VENTO

I



Toninho corria da casa da avó à casa da tia. Dava o recado para uma, para outra.
A avó alisava os cabelos lisos e negros do garoto.
─ Vovó. Tia Lucia mandou dizer que o bolo está assando agora.
─ E os brigadeiros?
─ Puxa! Esqueci de falar dos brigadeiros. Vou correr lá.
─ Calma menino! Olha para atravessar a rua...
─ Pode deixar, vó.
Carmela o olhava. Deus! Como crescera! Já estava completando oito anos.
A filha Lucia sabia o quanto ela amava aquele neto. Amava a todos. Mas Toninho era especial.
Cinqüenta e seis anos, cinco filhos. Vivos quatro, e Carminha que se fora daquela forma tão trágica.
Seis netos. Lindos netos, E Toninho, que ela criara como a um filho. Carminha o deixara com seis dias de vida.
A filha amada, a caçula. A gravidez precoce e a morte. Deixara-lhe aquela criança nos braços.
O pai? A menina nunca quisera contar quem era.
Dizia que era o filho do vento.
Ela era só uma pobre viúva sem recursos e colocara os outros filhos a investigar. Aquela pobre criança tinha um pai e este precisava ajudá-la a criá-lo.
Infrutíferas foram todas as tentativas. O caso nunca se esclareceu. Nunca ninguém soube informar nada. Nunca alguém viu Carminha com algum homem. Era um mistério.
Nunca desvendado e os anos passavam. Com a ajuda dos filhos, noras e genros ela o foi criando e o amava mais que a vida.
Era lindo o seu menino. Tinha um sorriso sempre pronto e os pés de vento. Num instante estava cá, no outro lá. Carminha, que não o vira crescer parecia pressentir que seria um menino ligeiro, nos pensamentos e nos atos quando dissera à mãe que ele era o filho do vento.
─ Já de volta?
─ Já. A tia já fez os brigadeiros também. E olha, fez beijinhos também, casadinhos!
Os olhinhos brilhavam e avó o puxou de encontro ao coração. O entusiasmo do neto a contagiava.
─ Vó Carmela, eu estou fazendo oito anos hoje. Não acha que já estou quase um mocinho?
─ Claro que está ─ e acariciando-o nas faces ─ e que mocinho lindo!
─ Eu acho que está na hora de conversar certas coisas com você.
─ Que coisas?
─ Os meninos todos tem pai e mãe. Todos meus amiguinhos, ─ e gesticulando naquele jeitinho tão seu, ─ só o Jorginho que perdeu o pai o ano passado num desastre de ônibus.
─ Certo. E que tem isto?
─ Eu já sei que minha mãe morreu quando parte da casa desabou por causa daquele desmoronamento de terras. Por sorte eu estava no seu quarto. Mas e meu pai? Por que ninguém fala dele, vó?
A velha senhora empalideceu e quase teve um desmaio.
─ Não está na hora de eu ficar sabendo das coisas? Todo mundo tem um pai. Quero saber onde está o meu...
─ Eu não sei...
─ Como não sabe, vovó? Todo mundo tem um...
─ Sua mãe era pouco mais que uma menina. Não tinha ainda completado dezesseis anos...
─ Ela não namorava com o meu pai?
─ Ela nunca contou nada. Um dia apareceu de barriga...
─ Vovó. Mas depois ela contou...
─ Não contou...
─ Então eu tenho que viver assim? Sem saber quem é o meu pai...
Ele quis chorar e Carmela não se agüentou. Derrubou as lágrimas que estava tentando represar.
O menino as secou com as mãos morenas, sentou-se em seu colo e ficou a acariciá-la.
─ Vozinha, é tão pouco ser filho do vento. Eu a amo, amo meus tios e primos, adoro tia Lucia. Mas eu queria um pai para jogar bola comigo, para conversar no final da tarde. O vento passa ligeiro. Eu queria um pai que parasse um pouco, que se sentasse comigo e ficasse me contando como foi o seu dia...
A boa senhora armou-se de toda a coragem que tinha e falou:
─ Filho, você tem a mim e ao pai do céu para conversar com você.
─ Eu falo com ele. Mas ele não me responde. É tão calado.
─ Está enganado. Ele fala sim, procure ouvi-lo.
─ Sabe, eu vou fazer um trato com ele. Eu vou dizer que me comportarei muito bem o ano todo, mas quero algo em troca. Quero meu pai, um pai de carne e ossos. É este o presente que peço no dia de meu aniversário. O meu pai...


II


Carmela o olhava a vestir-se.
Dezoito anos. Dez anos se passara desde aquele dia. O pai nunca aparecera. Toninho receberia o diploma do curso médio naquele final de ano. Os cabelos tão bonitos e os olhos tristes a tocavam. Ele nunca mais perguntara do pai. Nunca mais tocara no assunto. Comportara-se bem não só naquele ano, mas em todos os anos subseqüentes. Era um menino de ouro.
Ele ajeitava a gravata na frente do espelho. Há muito tempo ele já não corria da casa da tia à casa da avó. A tia havia se mudado de cidade. Mas neste dia ela chegaria para festejar seu aniversário.
Ele arranjara um trabalho e estudava a noite. Era um moço exemplar.
A avó o olhava e perguntava-se onde andaria aquele pai. Será que nunca tomara conhecimento daquele filho?
Ela dera o melhor de si, mas sabia que era insuficiente. O menino guardava a dor de não ter tido um pai e ela lia isto em seus olhos a todo instante. Ela sabia que ele sentia falta das conversas sonhadas e nunca concretizadas. Ela sabia que ele só queria um homem que lhe pusesse os braços nos ombros e dissesse:
─ Meu filho! Vamos bater uma bola? Como foi o seu dia hoje? Vou lhe contar como foi o meu.
Este vazio ninguém preencheria. A ausência da mãe a avó havia suprido, mas a sua natureza pedia uma presença masculina forte, o amor do pai. E Carmela sabia disto.
Os primos e tios o adoravam, o agradavam. Ele correspondia com igual afeto, mas havia em seu olhar a busca por um homem que em algum canto do mundo devia existir.
─ Toninho, vai trazer a Marcela para comemorar seu aniversário também?
─ Vó, ela é só uma amiga. Não me olhe com estes olhinhos arteiros não. Ela não é minha namorada. Ainda não tenho namorada. Somos amigos.
─ Não estou dizendo nada. Gosto da menina.
─ Eu também gosto. Ela também cresceu sem pai. Os pais se separaram e ele casou-se com outra mulher.
Os dois ficaram conversando e a avó sentia desejos de estreitá-lo ao peito. Era um homem diante do espelho a se arrumar para a festa de seus dezoito anos. Um homem feito, bonito. Um homem que guardava dentro do coração um sonho que nunca se realizara. Um homem que fizera um ninho no peito e esperara anos a fio que o pai viesse nele pousar.
Ele já possuía asas, voaria por certo pelo mundo. Encontraria uma mulher, teria uma família, mas guardava dentro de si uma tristeza que o mundo não curaria jamais.
Ela sentia que estava se despedindo do mundo. Mais um ano ou dois e partiria. Seu coração avisava. Nunca quisera se afastar daquele neto. Nem por um dia. Quando operara das varizes ansiava por deixar logo o hospital e ficar ao lado de Toninho. Era sua razão de viver.
Nos últimos anos ficava o dia todo a esperar que o entardecer chegasse para vê-lo vindo com sua roupa de trabalho. Esperava-o no portão e ele aparecia na esquina. Sempre caminhando lentamente. Não era mais o mesmo menino de pés ligeiros. Tão cansado parecia, mas abria um sorriso para a avó e beijava-a efusivamente.
Tomava um banho, comia algo rápido e ia para a escola. Pedia que o esperasse. Ela esperava-o vendo TV. Cochilava no sofá e o aguardava.
As vinte e duas horas ele chegava. Jogava a mochila no sofá. Abraçava a velha avó e a acariciava. Depois ia procurar algo para comer na cozinha. Trazia para a sala e comia de prato na mão. Quietamente comia e ela o olhava com os olhos carregados de amor.
Logo ia para o quarto e nos finais de semana batia uma bola com os amigos, dormia ou estudava.
─ Vovó, hoje eu vi um homem que poderia ser o meu pai...
Carmela o olhou espantada.
─ Por que diz isso?
─ Apareceu um homem lá na loja com cabelos escorridos. Os cabelos escuros, mas já ficando grisalhos. Ele tinha umas mãos incrivelmente parecidas com as minhas. A cor da pele também. Ele me olhou e eu o olhei. Trocamos olhares por alguns minutos. Ele me perguntou algo e sua voz era muito parecida com a minha voz.
─ Ele me perguntou se eu era filho do dono da loja e eu lhe disse que não. Num ímpeto lhe falei que não conhecera meu pai e que minha mãe havia apenas me informado que eu era filho do vento.
A avó nada dizia. Só o olhava.
─ Ele me perguntou se eu me dava bem com minha mãe e eu lhe disse que não a conheci. Que ela morreu quando eu era um bebê e que você havia me criado. Ele perguntou então o nome de minha mãe. Eu lhe disse e ele empalideceu. Saiu da loja sem nada mais me dizer. Não comprou nada. Entrou num carro e saiu como louco.
─ E então? ─ Perguntou a avó aflita.
─ Eu o vi saindo e nem pude anotar a placa do veículo. Nada mais sei. Só posso dizer que nunca o vi por estes lados e que ele tinha algo que me fez recordar de mim mesmo e a voz era idêntica. Posso estar fantasiando. Mas por que saiu correndo daquele jeito?
─ Esqueça querido. Vamos comemorar seu aniversário. Você sempre quis tanto encontrar seu pai. Deve ser isto.
Ele comentou simplesmente:
─ Pode ser...
A festa estava uma beleza quando a campainha tocou e Toninho mesmo foi atender. Todos os convidados estavam presentes. Quem poderia ser?
Abriu a porta e deu de cara com o homem que estivera na loja.
Este se jogou em seus braços e falou roucamente:
─ Meu filho! Será capaz de me perdoar um dia?
O moço o afastou um pouco de si, o encarou nos olhos e falou:
─ O que significa isto? Você é meu pai? De verdade?
─ Perdão filho. Eu sempre tive vontade de me aproximar de você, acompanhei sua vida de longe. Era um homem casado quando conheci sua mãe. Eu me apaixonei por ela, mas fui covarde. Não tive coragem de assumir o que sentia. Quando ela me contou que esperava um filho meu fiquei maluco. Ela me falou que nunca ninguém saberia. Que nada queria de mim. As pessoas podem ser tão fracas. Eu fui. Me mudei, mas volta e meia eu sondava como estava sua vida.
─ Eu nunca imaginei que lhe fizera tanto mal. Quando me disse hoje que era o filho do vento eu desejei morrer e devia mesmo ter morrido para não ter que encará-lo, mas este é o gesto de um pai desesperado que só quer uma coisa no mundo. Que o filho o perdoe. Que o filho saiba que ele também guardou dentro de si um amor imenso e nunca soube entregar.
Toninho o olhou penalizado. O homem cheirava a álcool.
Recordou um dia distante. O dia que pediu ao pai do céu que lhe trouxesse um homem de carne e ossos, e ao ver à sua frente aquele ser infeliz e fraco sentiu um desejo louco de desconsiderar o pedido feito.
Chegava-lhe não o pai que ele idealizara, mas uma realidade inaceitável.
O queria longe de si. Que amor era este que aquele homem dizia ter guardado no peito se assistira de longe o crescimento do filho? O privara de cuidados, de carinhos, de suprir necessidades básicas.
Não o queria no ninho que tão bem montara. Aquele ninho estava melhor preenchido com vento mesmo.




Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui