Lívia caminhava seriamente pelas ruas, o salto do sapato a matava, e a bolsa a tiracolo pesava demais.
O dia fora tão cansativo. O chefe de mau humor. As futriqueiras da Maria e da Lu a lhe incomodar com os risinhos.
Um dia ela se livraria delas. Ela fizera o juramento naquela tarde.
A mãe estava tão doente. Ela precisara deixar os estudos. Abandonara o que mais gostava de fazer. A pensão que o pai lhes deixara mal dava para os remédios da mãe. Oscar caíra no mundo e só Deus mesmo podia saber dele.
Não tinha ninguém no mundo a quem recorrer. Precisava trabalhar duro o dia todo naquele escritório, chegar em casa e fazer todo o serviço.
As noites então eram de matar. A mãe, com aquele tosse infernal, e ela só conseguia pegar no sono lá pelas duas da manhã. Levantava-se às seis.
Não iria agüentar por muito tempo aquela vida.
Mal completara dezoito anos e via-se com tantas responsabilidades nas costas.
Tão bonita e cheia de sonhos.
O pai morrera num acidente horrível quando ela completara dezesseis anos. Oscar tinha dezenove.
Ele simplesmente as abandonara. Ninguém sabia dele.
Resolvera esquecer o irmão e tocar a vida em frente. Por sorte a vizinha, uma senhora tão bondosa, fazia companhia à mãe. Dona Elvira não aceitava que ela pagasse por aquelas horas que passava ao lado da pobre Adélia.
─ É um prazer, minha querida. Fazer um pouco de companhia a ela. Faço isto de coração.
Abraçando a vizinha.
─ A senhora é um anjo, dona Elvira.
─ Um anjo é você com estes cabelos loiros lindos de morrer. Eu sou só uma velha que não tem o que fazer.
Ela procurava caminhar apressadamente. A mãe deveria estar com fome àquela hora.
Recordava-se do dia que tivera e um desanimo a queria abater, mas recordava os olhinhos brilhantes da mãe e se armava de coragem.
Prometera a si mesma que venceria. Venceria as adversidades, venceria sim.
Era jovem, inteligente, bonita. Tinha tudo para vencer na vida e venceria com certeza.
Tão compenetrada estava que nem se dera conta que armava um temporal.
Um vento forte desmanchou seus cabelos e Lívia os tentava prender quando alguém passou por ela de carro e a olhou intensamente.
O homem que a olhava deveria ter na faixa de trinta anos e a moça desviou o olhar. Estava cansada de ser cantada pelas ruas.
As pernas cansadas, os pés doloridos não queriam obedecer e só o que ela queria era caminhar mais depressa. O carro a seguia e ela foi ficando assustada. Aquele trecho era deserto e já escurecia.
Ainda faltavam uns oito quarteirões. Ela não podia se dar ao luxo de gastar com transporte.
O carro era de um modelo muito caro. Ela quase não entendia de carros, mas sabia que aquele era dos caros.
O moço era muito bonito e nada dizia, só a olhava muito.
A chuva estava chegando e ela sentia pena da bolsa nova que estava pagando com tanto sacrifício. Mas enfim, não lhe sobrava outra alternativa. A chuva a pegaria mesmo pelo caminho.
Só o que desejava era que o rapaz tocasse o carro e fosse embora.
Estava amedrontada e a rua completamente deserta. O vento castigava seus cabelos e ela já nem se importava mais em prendê-los. Deixava-os a lhe judiar do rosto.
Os primeiros pingos foram chegando e o moço lhe ofereceu uma carona.
─ Não, obrigada. Já estou quase em casa.
Ele insistiu e ela recusou novamente.
O carro a acompanhava e o coração da moça batia descompassado. Agora só lhe faltavam três quarteirões.
De repente se via a rezar, como quando em menina. Perdia-se nas ave-marias. Tentava um pai-nosso, e nada. Pronto. Um quarteirão. Se não fosse o salto poderia correr.
Pronto. Era só encontrar a chave na bolsa.
Pobre bolsa. Tão molhada! Faltavam duas prestações.
O moço ficou a olhá-la a pegar a chave, a abrir o portãozinho, a porta da sala.
Pronto. Trancava a porta por dentro. Droga! Molhara-se toda, molhara o assoalho. Iria dar um trabalho danado deixá-lo bonito de novo.
Pôde ouvir o carro acelerar e sentiu um alívio.
Resolveu não contar nada à mãe para não preocupá-la.
─ Minha querida, molhou-se toda.
─ A chuva me pegou pelo caminho.
─ Por que não se escondeu da chuva e esperou que passasse?
─ Tinha pressa de chegar.
─ Pode pegar um resfriado. Vá tomar um banho quente.
─ Estou indo.
No banho Lívia examinou o corpo bonito. Ela lavou suavemente os cabelos. Enrolou-se na toalha e foi ao quarto trocar-se. A mãe a olhou e perguntou:
─ Aconteceu alguma coisa, minha filha?
─ Nada não, mamãe. O que poderia ter acontecido?
─ Chegou tão pálida.
─ Foi a chuva.
Sentiu que não a convenceu, mas deixou a conversa no ar.
Foi preparar o jantar e logo as duas estavam na mesa jantando e assistindo o noticiário da TV.
─ Como se sentiu hoje?
─ Um pouco melhor.
─ Que bom, mamãe!
As duas conversaram um pouco e a moça foi lavar a louça e limpar o assoalho. Não gostava de vê-lo feio.
Recordou o carro a seguindo. O medo que sentira.
Acordou um pouco atrasada e correu com o serviço da casa para deixar tudo pronto para a mãe. Arrumou-se um pouco e saiu para trabalhar e uma surpresa a aguardava. O carro de luxo estava parando bem próximo de sua casa.
Ela foi se aproximando e Fernando a chamou:
─ Estava assustada ontem, e com razão. Quero me apresentar. Fernando.
─ Não se aborda alguém assim na rua.
─ Eu sei. Mas senti atração por você. Seus cabelos são magníficos. Por que não os solta?
─ Estou apressada, senhor Fernando. Entro no escritório às oito.
─ Posso levá-la.
─ Agradeço, mas não vou aceitar.
─ Desculpe se a incomodo. Poderia me dizer seu nome?
─ Lívia.
─ É muito bonita. Não gostaria de ser modelo?
─ Não posso me dar a estes luxos. Tenho uma mãe doente. O trabalho me aguarda.
─ Pode arrumar a sua vida. Eu conheço alguém que procura alguém exatamente como você. É para um comercial de shampoo.
─ Fala sério?
─ Falo.
Ela diz ao moço que infelizmente não pode aceitar, porque não pode faltar do serviço.
─ Não está acreditando em mim? Posso levá-la lá agora.
Lívia resolve dar uma chance a si mesma de se aventurar.
Quem sabe não está aí a sua grande oportunidade. Resolve entrar no carro de Fernando e educadamente ele se encaminha até a casa do amigo Olavo.
─ Olavo. Encontrei a pessoa que você procurava. Olhe os cabelos desta moça ─ e dirigindo-se à moça ─ solte os cabelos Lívia.
Olavo examinou atentamente a cabeleira loira e se encantou.
─ Como a descobriu Fernando?
─ Foi o vento. Ele desmanchou os cabelos desta menina quando ela voltava do trabalho e eu recordei que você estava louco a procura de alguém que tivesse cabelos lindíssimos e naturalmente loiros.
─ Puxa! Você é um amigão. Foi ótimo eu ter comentado com você. E dirigindo-se à moça:
─ Saiba que pagarei um bom cachê e tem outra coisa. Não são só os seus cabelos que são bonitos. Você tem tudo para se tornar uma top model.
─ Eu sou uma moça simples.
─ É muito bonita. Vai aparecer na TV e tenho certeza que logo, logo mesmo estará em todas as capas de revistas famosas.
Ela o olhava desconfiada. Quando a esmola é demais até o santo desconfia.
─ Por que estão fazendo isto por mim?
─ Deixa disto menina. É linda, tem tudo para ser modelo profissional. Tem cabelos magníficos. E tenho certeza que Fernando está interessado em você.
Lívia o olhou e o moço sorriu ingenuamente.
─ Não sou eu a dizer nada. É Olavo a dizer...
─ Aceita?
─ Já fiz uma loucura. Já perdi o dia de serviço.
─ É assim que se fala mocinha. Vamos ao trabalho.
A moça sorria para as câmeras, deixava que o vento do ventilador brincasse com seus cabelos.
De longe Fernando a observava quietamente.
Ela posou durante horas e de nada reclamou. Era muito melhor fazer pose do que agüentar o chato do chefe e aquelas maritacas do escritório.
Puxa! Nunca agira tão impensadamente. Nada dissera à mãe. Nunca fizera nada sem a consultar. Mas era por uma boa causa. Pelo seu futuro, para dar uma vida mais confortável à mãe.
Fernando a deixou com Olavo alegando compromissos e ela ficou um pouco receosa.
─ Não tem com o que se preocupar. Olavo é como um irmão. Eu volto para pegá-la mais tarde e a levo até sua casa. Posso conversar com sua mãe.
─ Não, eu mesma explico tudo a ela.
─ É assim que se fala. Gosto de pessoas decididas.
Fernando a beija no rosto e a boca muito próxima a atrai. Dele desprende um perfume gostoso e ela pensa como seria bom se ele a tomasse nos braços como via nas novelas.
O namoradinho que tivera aos quinze anos não a agradara tanto e depois da morte do pai nunca mais se interessara por ninguém.
Da porta ele manda um beijo e logo a seguir chegam duas moças e assim o dia transcorre em meio a muito serviço.
Fernando vem buscá-la como prometera e Lívia volta com ele de carro para casa muito quieta.
─ Gostou?
─ Sim, muito. Estou muito agradecida. Já acertei de trabalhar com Olavo. Também vou fazer um curso para modelo. Vou conversar com mamãe e sei que ela vai entender. Por que me fez isto por mim?
─ Porque achei você bonita. Achei que tinha cara de top model ─ falou enquanto sorria.
─ Na verdade você me atraiu. Gostei quando não aceitou minha carona, quando enfrentou a chuva, o vento. Mostrou ser uma pessoa digna. E quis ajudá-la. Você é muito bonita. A verdade é que me encantei com você...
Ela o olhou um pouco apreensiva. De repente ele poderia agarrá-la.
─ Não precisa se assustar. Eu não farei nada que não queira.
A moça suspirou e viu com alívio ele se aproximar de sua casa.
─ Chegamos. Obrigada por tudo Fernando. Você é um cara muito legal. Não vou esquecer...
─ Quer uma carona amanhã?
Ele foi beijá-la no rosto e os lábios se aproximaram demais da boca dela e quando deram por si estavam trocando um beijo prolongado.
─ Tchau Fernando...
─ Tchau... venho buscá-la. Que horas combinou mesmo com Olavo?
─ Às nove.
─ Estarei aqui oito e meia.
Ela estendeu a mão.
─ Combinado.
Ele a puxou para si e trocaram outro beijo.
─ Acredita em amor a primeira vista?
Ela o olhou intensamente nos olhos e perguntou:
─ Não está brincando comigo?
─ Gata arisca! Não estou ─ falou beijando-a delicadamente.