BOLA E CARAMBOLA, 2 - Leandra.
(Continuação das aventuras de Bola e Carambola 1)
Leandra tinha uma sensibilidade acurada em muitos sentidos. Inteligente e muito esperta. Era amenina dos olhos dos pais, como fora dos avós, e usufruía dessa magia de agradar a todos que com ela convivesse.
Mas havia uma coisa que Léa, como era chamada, não conseguia se aplicar: As suas coisas não eram lá muito organizadas. Esse talvez, fosse o único ponto de um pequeno atrito que tivesse com a mãe. Por mais que ouvisse, não conseguia deixar as coisas arrumadas. Bem que ela se esforçava, mas não conseguia mesmo. E por isso mesmo perdia constantemente seus objetos, ainda que os mais estimados, e para não ficar totalmente envergonhada, superava isso gracejando que guardava tudo muito bem guardado. Mas quando precisava de um caderno por exemplo, não conseguia achar. Também pudera, quando chegava em casa, ia deixando as coisas pelo chão desde a entrada, até os lugares mais remotos e impróprios. Os livros, por exemplo, poderiam ser deixados nos banheiros, e as roupas na estante. Seu quarto então, era o exemplo mais vivo da desordem do mundo. Prometia todos os dias à mãe que deixaria tudo em ordem, mas o descumprimento dessa promessa, era o principal motivo de todos os castigos que teve que amargar.
Um dia, ela gelou quando dona Nice, sua mãe, perguntou de chofre, onde é que ela tinha guardado os porquinhos que tinha ganhado dos avós. Com a maior naturalidade ela disse que estavam guardados, mas não disse que não sabia onde. A mãe já conhecia a história, e porque conhecia não exigiu que fosse buscar na hora, mas avisou que queria vê-los no dia seguinte.
Nessa noite Léa foi para o quarto mais cedo. Tentava organizar suas idéias para lembrar-se onde é que tinha guardado os bichinhos. Foi abrindo gavetas e portas de armários, e jogando tudo para fora, aumentando a bagunça que já era grande.
*
No fundo de uma gaveta, Bola e Carambola permaneciam a meses naquelas mais incômodas posições que haviam-lhes jogado: Um de bruços, e o outro, de cabeça para baixo, com metade do corpo enterrado em umas peças de roupas.
Acordaram de um pesadelo de muito tempo, quando ouviram um barulho nervoso que se aproximava.
_ Carambola, você está me ouvindo?
_ Estou sim Bola. Que lugar horrível é esse que estamos?
_ É uma gaveta, você não se lembra?
_ Me lembro sim que fomos trancados nela desde que mudamos para essa casa...
_ Que tal falar agora as palavras mágicas?...
_ Mas nem sabemos se é dia ou noite, e também sabemos que é um pouco perigoso desencantar quando tiver estranhos por perto.
O barulho chegou mais perto. E logo ouviram que enfiavam uma chave na fechadura da gaveta. E mais um instante seus olhos acostumados com escuro, foram ofuscados pela luz que entrou de repente. Então se viram nas mãos da menina que pulava de alegria por tê-los encontrado.
_ Eu sabia que vocês estavam muito bem guardados. Vou colocar vocês na estante. É pena que ela esteja tão bagunçada... Ah, se pudessem me ajudar nisso!... Eu seria a pessoa mais feliz do mundo!... – Disse a menina mais para si mesma que para os brinquedos.
Os bichos foram colocados na estante. Prestaram atenção e viram que a menina tentava arrumar toda a desordem que não era pequena, porque ao procurá-los, tinha jogado tudo para o chão, aumentando em muito a tarefa que para ela já era impossível.
E como era previsível, ela desanimou logo. Ligou a televisão, e em pouco tempo, se esqueceu do que estivera empenhada a pouco.
*
Mais tarde, quando todos estavam dormindo, os porquinhos viram a menina deitada em cima da cama cheia de roupas, e Bola disse:
_ Caramba, Carambola, que bagunça!...
O amigo já se mexeu rindo:
_ Ei, você já disse as palavras mágicas!...
_ Tenho uma idéia!...
_ Arrumar essa bagunça, - o outro completou.
_ Isso mesmo. Arrumar tudo!...
Desceram correndo muito rápidos da estante, e como essa rapidez própria de porquinhos encantados, começaram pelo banheiro... E quando a menina se levantou no meio da noite, para entrar nele, e esse foi o tempo que os dois que eram rápidos como raios, precisaram para arrumaram a cama. Ela estava tão sonolenta que nem percebeu a diferença nem no banheiro, nem na cama. E antes de amanhecer o dia, os dois já tinham arrumado e limpado tudo, e passado desinfetante... O banheiro cheirava limpeza, o chão do quarto, as roupas do armário, as gavetas, os livros e brinquedos nas estantes...
Eles ainda deram uma olhada satisfeitos, antes de se instalarem nos seus lugares, e fazerem uma das suas brincadeiras favoritas desde o tempo dos avós da menina: Entrar nos sonhos de quem eles gostavam, e tinham como missão fazer com que eles felizes.
E Léa sonhou que os porquinhos desciam da estante, e arrumavam tão bem seu quarto, que até sentia o cheiro da limpeza. No sonho ouvia ainda uma música muito linda e alegre que eles cantavam enquanto faziam a tarefa, e ela rodopiava alegre a sorrir para eles. Achava os seus amigos de sonho muito divertidos, e a todo instante gargalhava alto.
E foi rindo assim que acordou. Esfregou os olhos sem querer abri-los, na esperança de que o sonho continuasse. Pensou consigo mesma que seria mesmo um sonho se pudesse ter tudo arrumado. Ficou com os olhos fechados mais um pouco por não querer encarar a bagunça que tinha feito na noite anterior procurando os enfeites no quarto. Mas não conseguiria dormir mais. Estava preocupada com a bronca que levaria da mãe por causa da desordem. Mas pelo menos tinha achado os porquinhos do vovô, como os chamava.
Foi então que assustada se lembrou deles. Esfregou novamente os olhos, e virou-se para certificar-se que estavam na estante. E quando olhou, viu que estavam. Mas não só estavam como tinha algo diferente. Pensou por um momento que ainda estava sonhando. Mas logo viu que não. Estava acordada, tinha certeza. Olhou incrédula todo o quarto. Estava tudo tão em ordem como jamais tinha visto em sua vida. Olhou sua cama, e estava limpa e arrumada, apesar de ter dormido nela. Correu para o banheiro, e estava limpíssimo e cheirando... Olhou os armários, os brinquedos, os livros, as gavetas... e quase gritou de susto. Não entendia o que era que estava acontecendo.
Lembrou-se então que viu os amigos arrumando tudo no sonho. Mas não era possível que isso fosse verdade... Mas só tinha essa explicação, pensou. Bem que seu avô dizia que eles eram mágicos. Mas quem é que poderia acreditar numa história dessas?!...
Olhou novamente os porquinhos, e estavam do mesmo jeito que ela havia colocado. Mas chegou um pouco mais perto, e percebeu que ele tinha um ar de riso...
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Adelmario Sampaio