LÁGRIMA ACESA Os fios platinados e dourados fascinavam-me os olhos e empolgavam-me os dedos. Minha Mãe, posta de joelhos, procurava equilibrar o pinheirinho, de pinho verdadeiro, num vaso de barro avermelhado cheio de terra coberta com musgo.
Eu, entretanto, aflito de emoção, desembrulhava, ali e acolá, as prendas que o Menino Jesus, através do Pai Natal, me enviara pela cheminé abaixo até ao meu cambado sapatinho.
- Ena... - esclamava eu pleno de impulsos extasiados enquanto ia rebuscando e tirando os adornos para fora das caixinhas de papelão - Bolas, velinhas, algodão aos caracóis, olha o Menino... Ena... A vaquinha, o Pai Natal, um pastor, uma estrela dourada, uma ovelha, o São José, a Nossa Senhora... Olha o rei mago preto... Olha o burro...
Minha Mãe ia cuidadosamente colocando aquelas magníficas pecinhas na árvore e, na sua base, montava o Presépio.
Enfim, tudo pronto e em ordem, lá saía o óbvio pedido, mortinho por contemplar o todo em sua completa essência.
- Acenda as velinhas, minha Mãe...
- Não, Toninho, só na noite de Natal, quando estivermos a cear...
- Oh... Mãezinha, por favor, acenda só um bocadinho para eu ver...
Minha Mãe, então, com olhar e rosto iluminados de satisfação, tomava os fósforos e acendia as velas uma a uma. Íamos depois os dois para o meio da sala para melhor apreciar a iluminação a sair da árvore.
- Vá, agora - determinava ela - vamos soprar com cuidado para apagar tudo...
"Buf" dali, "buf" dacolá, e eu sequer me apercebia que ainda não tinha altura capaz para colocar o sopro e apagar um só vela, mas tomava-me a sensação de que prestava um valioso serviço a minha querida Mãe... ♥ * ♥ * ♥Chegado aqui, ao cabo de 62 anos, com a ida cena esplendidamente visível em meu cérebro, só porque escrevi este pedacinho de texto relatando em memória breve um dos inesquecíveis momentos dos meus Natais de outrora, uma lágrima deslizou-me pelo rosto. Não a vi, pois, mas ao encostar-lhe os dedos para a limpar, senti-a acesa...
António Torre da Guia |