Esta é a minha versão traduzida, da lenda do lobo italiano, domesticado por Francisco de Assis.
Esta estória eu contei na semana passada para minha sobrinha Sofia. Na versão que eu fiz pra ela, o lobo também fala.
Atenta e curiosa, ela nem piscava ouvindo o relato. Só no final é que ela fez-me perguntas, e surpreendeu-me dizendo: “Eu posso comer o irmão ovo de páscoa?” Ao que aproveitei para ensiná-la: O “imão ovo de páscoa” só pode ser comido depois que você comer a “irmã salada de cenoura e alface”.
É nisto que reside meu prazer em contar histórias pra Ela.
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Houve um tempo, muito distante, acredito que tenha sido na Idade Média. Naquele tempo o povo não tomava banho e todo mundo vestia roupas de cor cinza ou marrom, pra esconder o sujo das roupas e do corpo. Dizem até que naquele tempo o arco-íris não aparecia. A vida não tinha cores.
(Agora tente imaginar a cara da Sofia que adora o banho e brincadeiras com água, ouvindo uma coisa assim)
Naquele tempo, um jovem muito rico decidiu que não queria mais ser rico. Então ele convidou seus amigos também riquinhos, pra uma vida de contemplação e oração.
Deus gostou muito da iniciativa daquele jovem, cujo nome era Francesco. Mas como estamos no Brasil, vamos chamá-lo de Francisco.
Francisco realmente foi fiel aos princípios nos quais acreditava. Logo se destacou entre seus colegas de irmandade.
O Francisco tinha uma mania muito engraçada. Ele chamava a tudo e a todos de “irmão” ou “irmã”.
E todos gostavam dele, porque ele tinha uma luz diferente.
Mas ocorreu que no lugar onde o Francisco foi morar havia um lobo muito mau. Toda a região vivia apavorada com os ataques daquele lobo que matava e feria animais e pessoas. Ninguém mais saia de casa sem levar consigo uma arma, para defender-se da fera.
Ninguém conseguia matar o lobo, ele é que matava as pessoas.
Havia até quem acreditasse que o lobo era o capeta. As pessoas faziam o sinal da cruz quando falavam nele.
Toda a região da Umbria sabia que o Francisco conversava com os animais. Então, uma comissão de moradores do pequeno burgo de nome Gubbio, foi procurá-lo pra pedir sua ajuda.
Compadecido, San Francisco foi procurar o famigerado lobo mau. Alguns camponeses acompanharam de longe o encontro, pois queriam ver o que ia acontecer.
Francisco encontrou o terrível lobo que, ao ver o santo, abriu a boca enorme e rosnou ferozmente.
Francisco ignorou o rosnado e fez o sinal da cruz em direção do lobo.
Depois, se aproximando mais ainda, o chamou pra perto e disse assim:
_Vem até aqui, irmão lobo, eu te ordeno da parte de Jesus Cristo que tu não faças mal nem a mim nem a nenhuma pessoa!
No momento em que Francisco fez o sinal da santa cruz o terrível lobo fechou a bocarra e ficou parado e, em obediência à ordem de Francisco, veio mansamente como um carneiro, sentar-se aos pés de Francisco.
E Francisco continuou a lhe falar:
_ Irmão lobo, tu causastes muitos danos nesta região. Tu fizeste grandes malefícios ferindo e matando as criaturas de Deus, sem Sua licença. E não somente matastes e devorastes os animais, mas também matastes os homens feitos à imagem e semelhança de Deus; por isto tu és merecedor da forca como ladrão e homicida;
O povo grita e murmura contra ti e toda esta terra é tua inimiga.
Mas eu quero, irmão lobo, fazer as pazes entre ti e aqueles a quem ofendestes, desde que tu não lhes ofendas mais. E que eles perdoem suas passadas ofensas. Assim sendo, nem os homens, nem seus cachorros te perseguirão mais.
E ditas essa palavras, o lobo abaixou a cauda imensa e as grandes orelhas.
E com um inclinar de cabeça, mostrou que aceitava tudo o que San Francisco havia dito, como a prometer observar suas vontades.
Então San Francisco disse:
_Irmão lobo, porque te agradas em fazer e ter esta atitude de paz, eu te prometo que farei com que as pessoas assumam a tua subsistência.
Enquanto tu viveres, os homens desta terra não te deixarão passar fome. Estou consciente de que foi pela fome que tu fizestes tanto mal.
Mas porque te concedo esta graça, eu quero, irmão lobo, que tu me prometas que não ferirás mais a nenhuma pessoa ou animal. Prometes-me isto?
E o lobo, inclinando a cabeça fez um claro sinal de que prometia. E San Francisco lhe disse:
_Irmão lobo, eu quero que tu faças uma aliança comigo desta promessa, para que eu possa confiar em ti.
Os camponeses viram San Francisco estender a mão ao lobo para o cumprimento daquela aliança, então o lobo levantou a pata direita e a colocou sobre a mão de Francisco. E foi assim firmada a aliança entre o santo e o lobo.
Então Francisco falou:
_Irmão lobo, eu te ordeno no nome de Jesus Cristo, que tu venhas agora comigo, sem duvidar de nada. Vamos assinar esta paz, em nome de Deus.
E o lobo obediente o acompanhou como um cordeiro manso.
A vila e os cidadãos viram maravilhados a entrada de Francisco e do terrível lobo, na praça. Todos vieram ver a grande novidade. Logo toda a terra ficou sabendo do acontecido.
Homens e mulheres, grandes e pequenos, jovens e velhos, venham à praça ver o lobo com Francisco, o monge de Assis! Gritava o arauto.
E San Francisco orou e ouviu as orações do povo. E pediu-lhes que perdoassem o lobo, pois afinal todos pecam neste mundo. E lhes disse:
_Vós não deveis temer a boca de um pequeno animal, antes deveis temer as chamas da boca do inferno. Tornem ao Senhor Deus, queridos. Façam penitencia dos vossos pecados e Deus vus livrará do lobo no presente e, no futuro, do fogo do inferno.
Dito isto, Francisco acrescentou:
_Ouvis irmãos meus! O irmão lobo que está aqui diante de vós, me prometeu e até firmamos aliança, de fazer a paz com vós e de não ofender-vos nunca, em coisa alguma. E vós deveis prometer de dar a ele as coisas de que necessita para viver.
Então todo o povo prometeu alimentar o lobo enquanto vida ele tivesse.
E San Francisco, ali diante do povo, disse ao lobo:
_E tu, irmão lobo, prometes observar este pacto de paz, que não ofenderás nem aos homens, nem aos animais, nem a nenhuma criatura?
E o lobo ajoelhou-se e inclinou a cabeça num ato de aceitação. E abanou o rabo e moveu as orelhas, demonstrando a todos que estava disposto a cumprir o pacto.
Mas Francisco continuou:
_Irmão lobo, eu desejo que tu me dês prova desta promessa, como fizestes lá no campo, fora das portas desta vila. Assim, diante deste povo, me faças prova desta aliança. Proves que tu não me enganarás.
Então o lobo novamente levantou a pata direita e a colocou sobre a mão de Francisco.
E o povo da vila alegrou-se muito. E fez muita festa louvando e bendizendo a Deus, o qual havia mandado San Francisco para livrá-los da crueldade do ex- lobo mau.
E desde aquele dia o lobo passou a conviver mansamente entre os camponeses. Ele entrava e saia das casas, brincava com as crianças e nunca nenhum cachorro sequer latiu pra ele.
E assim ele viveu sendo alimentado pelos camponeses até sua morte. E todos se entristeceram, pois haviam aprendido a amar o velho lobo.
(Hull de La Fuente)
Nota: Eu gosto de contar esta estória mostrando as fotos da pequena e linda cidade de Gubbio, onde a lenda é contada como verdadeira. Recordo-me que almocei num restaurante localizado num pequeno castelo, onde o garçom fez questão de nos contar esta lenda. Ele acrescentou que nos fundos do castelo havia um lugar, onde o lobo vinha sempre comer.
Gubbio não fica muito longe de Assis, a cidade onde está a basílica de San Francisco.