As sombras anestesiantes da noite abraçam a cidade grande.O barulho diminui, mas não cessa de todo.
Vítor corre, corre desenfreadamente, corre como uma raposa acuada. Atravessa avenidas como se fosse um fantasma, ignorando todos os perigos.
Por muito pouco não é atropelado e por alguns centímetros, uma bala não lhe atravessa a cabeça conturbada.
O policial que vem atrás,não menos audacioso, atira imprudentemente,ignorando os motoristas e transeuntes.
Vítor atravessa a Paulista e chega na Bela Cintra empurrando muitas sombras, pois nem distingui homem de mulher, velho ou criança.
Em sua mão direita o produto do furto: um lanche do MC Donalds. Vítor mal sabe oque há dentro do pequeno pacote com o logotipo da lanchonete. Só sabe da fome avassaladora que sente há duas semanas!
Que azar! - pensa- E relembra o momento do furto, quando a vítima gritou e o policial surgiu na esquina, a poucos metros.
Vítor chega na rua da Consolação e atravessa-a sem maiores problemas adentrando em seguida a rua Dna Antonia de Queiroz.
Passando pelo banco Itaú, recorda o assalto recente que ali praticou e que não resultou em nada, pior, quase foi preso.
Seguindo pela Itambé em direção à faculdade Mackenzie, Vítor mistura-se aos playboys que estão saindo rumo às suas residências.
Tomando coragem ele olha para trás e não vê o policial. Será que ele desistiu da perseguição? Enquanto isso ainda na Bela Cintra, João Pedro ( o policial ) retorna lentamente, lamentando a imperícia com o revolver.
Vítor finalmente abre o pacote e encontra batatas fritas e o tão desejado Big Mac, que põe-se a comer sofregamente.
Os playboys observam-no curiosos: uns assustados, outros apiedados, e outros, enojados.
O rapaz sente os olhares sobre si e guarda o sanduíche, envergonhado. Vítor mira os tênis caros e as roupas que talvez nunca venha a possuir. Ele fica impressionado com a beleza das meninas e repara que todos ali são brancos. Não há nenhum estudante negro como ele!
Cansado, Vítor senta-se ao lado de um ponto de ônibus e continua a admirar os príncipes e princesas desfilando à sua frente.
Com o passar do tempo, a rua torna-se quase deserta e o rapaz resolve comer, quando surge um pequeno vira-lata tão magro como ele próprio. O animal meio ressabiado fica encarando o lanche.
Vítor tenta assustá-lo batendo os pés na calçada, mas o cão faminto nem se mexe.
Por fim Vítor joga quase metade do alimento para o animal que não se faz de rogado.
Por um segundo, Vítor sente-se feliz observando o cãozinho alimentar-se, mas logo lembra de sua família.
Estariam seus pais e irmãos comendo alguma coisa naquela noite?