Benedito dorme um sono pesado, e demora a despertar, mesmo com a batida insistente em sua porta. Abre os olhos assustados. Está cansado por ter ido dormir tão tarde. Dirige-se a porta, ainda está sem camisa, os olhos pesados. Olha para o relógio e percebe que ainda são nove da manhã. Desde que perdera o emprego, tem acordado sempre depois do meio-dia, aproveitando o sossego provisório do seguro-desemprego. Chega a porta e ainda batem. Grita calma e a abre. Quase desmaia de susto ao ver três viaturas da policia cercando sua casa e uns oito policiais armados o esperando, prontos para invadir a casa.
- Professor Benedito gostaria que o senhor nos acompanhasse, sem termos necessidades de utilizar a força bruta. O senhor tem muitas coisas a explicar. – o detetive Adelmo era uma raridade entre os policiais. Educado, sempre dialogava com os suspeitos. – o delegado tem algumas perguntas a lhe fazer
Benedito estava assustado e sem saber o que fazer. Pediu um minuto para trocar-se. Está apavorado. Em poucos minutos, já está trocado, dentro da viatura, dirigindo-se para a delegacia.
- Posso pelo menos saber o por que disso? – pergunta com a voz tremula.
- Como lhe disse, professor, só umas perguntinhas. – o detetive Adelmo já esta também calmo, mais sua voz amedrontava Benedito.
Chegando na delegacia, ele foi levado imediatamente a sala do delegado, que já o aguardava. Ele pediu que ele se sentasse, e pediu que os guardas saíssem, pois queria interroga-lo a sós.
- Se for sobre o caso do André – Benedito já estava mais calmo, mais ainda tremia ao falar – já disse tudo o que sabia.
- Não me caro. Não é sobre esse caso. – Guilherme começa a percebe o nervosismo de Benedito, e começa a fazer suspense, deixando-o mais nervoso ainda. – somente me responda uma coisa – Guilherme senta-se, abre sua gaveta e pega um objeto embrulhado em um saco plástico - conhece esta carteira?
- Sim, ela me pertence, mais ela estava na minha bolsa de compras...
- Junto com camisas, calças, bermudas, meias e cuecas, não é mesmo?
- Sim, mas não entendo, a sacola está na minha casa, e eu não mexi nela desde ontem.... – Bendito já tremia e mal conseguia falar.
- Onde esteve ontem, senhor Benedito?
- Bem, fui ao shopping. E como não posso deixar a cidade, fiquei a noite em casa ...
- Encontrou alguém de especial no shopping, não é mesmo?
- Sim, eu encontrei com a Valquiria...
- E ameaçou que ia matar ela, não foi?
- Não! Quer dizer, nós discutimos porque ela dizia que eu que matei o André, mas não fui eu, não fui... – Bendito começa a soluçar.
- Senhor Benedito – o delegado começa a andar pela sala, como se falasse sozinho – Valquiria não gostava do senhor por ser o pivô do suicídio de sua prima. O senhor vem para Santa Cecília, e torna-se amigo do namorado dela, mesmo sabendo que ela não gostava do senhor. – Benedito tenta falar, mas Guilherme faz sinal para que ele se cale – Ela o denuncia como pedófilo. O senhor é flagrado abraçado com o namorado dela. Ele aparece morto, e o senhor foi a ultima pessoa que o viu vivo. Três dias depois do crime o senhor encontra a garota num shopping. A esbofeteia e a ameaça. Ela é encontrada morta na banheira com o estomago perfurado por uma faca de cozinha, e sua sacola de compras no quarto dela...
- O que o senhor esta dizendo? A Valquiria esta morta! Mas não pode ser, meu Deus, não pode ser... – Benedito começa a chorar, como se tivesse levado um choque.
- O senhor ficara sob investigação, mas como não foi flagrante e ainda não temos provas, ficara em liberdade. Mas nem ouse sair da cidade. Vai caracterizar fuga e ai sim estará encrencado.
- Mas não fui eu que matei a Valquiria, eu passei a tarde toda em casa. Estava com uma visita...
- Esta pessoa pode comprovar o que está dizendo?
- Sim eu estava oferecendo um jantar para a Sandra, a chefe do núcleo de Educação, e com seu assessor, o Jorge. Ela esta me ajudando a conseguir transferência para outro município.
- E como o senhor explica que sua sacola de compras foi encontrada no quarto da vítima?
- Não sei, deve ser quando nós discutimos no shopping, e como estávamos com sacolas da mesma loja, deve ter acontecido uma troca. Como eu não olhei na sacola quando cheguei em casa, e a joguei dentro do guarda-roupa, deve estar la em casa a sacola dela. Só assim posso explicar minha sacola na casa dela.
- Bem, senhor. Mandarei que um policial te acompanhe até a sua casa, quero que esta sacola aqui. E também vou mandar interrogar a Dona Sandra. Acho bom a história dela bater com a sua. Caso contrário estará encrencado.
Guilherme chamou um policial que acompanhou Benedito e pediu que na volta buscasse Sandra para depor. Recomendou mais uma vez a Benedito que não ousasse sair da cidade até que tudo estivesse esclarecido. Chegando em casa Benedito pediu que o policial esperasse na sala, pois não ficava bem um policial casado no quarto de um gay. O policial, espantado, resolveu espera-lo na porta. Benedito vai até o quarto e procura a sacola, mas percebe algo pesado e grande no fundo. Aproveitando que conseguiu fazer o policial esperar do lado de fora, resolve verificar o que há na sacola. Encontra algumas roupas, e outra sacola plástica menor, com um livro.
- Vaca! Este livro deve ser o que estava com o André e que ele estava tão preocupado. Tinha certeza de que ela estava envolvida com o assassinato dele. Este livro fica comigo.
Bendito colocou o livro na gaveta do armário, e foi levar a sacola para o policial. Quando este o interrogou o porque da demora, disse que precisou ir no banheiro. O policial pegou o pacote e saiu. Bendito correu para o quarto e começou a folhear o livro. Estava em latim. Lembrou-se de que Sandra fora educada em um internato de freiras em Jacarezinho, onde a conhecera há alguns anos, e que aprendera o latim, e que poderia dar-lhe uma mão, tentando entender o que André estava procurando com um livro tão antigo e em latim. Do pouco que Benedito pode entender, era de que se tratava de um livro sobre santos, pois algumas palavras e alguns nomes ele reconhecera. Estranhara mais ainda que o amigo ateu tenha pegado este livro. Tentou ligar para Sandra, mas ela não está. A secretária informa Benedito que Sandra e Jorge foram à delegacia, prestar depoimentos. Pesando melhor, Benedito chega a conclusão que não seria bom para ele se encontrassem aquele livro em sua casa. E decide que vai entrega-lo Sandra, dizendo que o comprou há muito tempo, pois o achara bonito, e agora o encontrou enquanto preparava as malas para ir embora, e como ela sabia um pouco de latim, podia tentar entender do que se tratava. Liga para a casa dela, e a secretária eletrônica que atende. Ele diz que estava com um livro antigo em latim, e pergunta se ela pode tentar traduzir para ele.
À noite Benedito vai à casa de Sandra, e não a encontra. Resolve então ir à casa de Jorge, o jovem assessor de Sandra, e que foi com ela no jantar a sua casa na véspera do assassinato de Valquiria. Jorge Salas, filos de um peruano e uma brasileira, morava em Santa Cecília, na Pensão dos Estudantes desde que começara o curso de Pedagogia, há três anos. Desde então, trabalhava com Sandra no Núcleo de Educação. Ao ver Benedito a sua porta, ficou receoso e com medo.
- O que você deseja? - pergunta abrindo somente a parte de vidro, ficando assim protegido pela grade da porta.
- Pô Jorge, você também vai ter medo de mim? Você estava em casa ontem, sabe que não fui eu que matei a Valquiria? Sabe onde a Sandra está?
- Ela teve que viajar para a capital logo depois do depoimento, para... – Jorge parecia ainda com medo de Benedito, mas já estava mais calmo - para prestar esclarecimento sobre o seu caso.
- Que caso?- Pergunta Benedito com ar ameaçador, fazendo Jorge recuar.
- Aquela denuncia. Do assédio a aluno...
- Mas ficou tudo provado que era mentira! - Benedito já estava exaltando
- Sim, mas eles pediram que ela fosse pessoalmente esclarecer o caso. Mas ela estará de volta em uns dois dias. É urgente o que você queria com ela?
- Bem, acho que você pode me ajudar. Não sei se ainda estarei na cidade quando ela voltar. Gostaria de que você entregasse isto para ela – ele estende um volume para Jorge, que recua assustado – Calma. É só um livro. E como sei que ela estudou latim com as freiras do internato, gostaria que ela tentasse traduzir para mim. Depois eu ligo para ela perguntando. Será que poderia fazer isto por mim
Jorge olhou para o pacote. Sentiu um pouco de medo, mas consentiu com cabeça. Despediu-se com um aceno de Benedito e fechou a porta. Benedito desceu as escadas do prédio lembrando-se de André. fora ali que ele o viu pela ultima vez. Mesmo se conhecendo há pouco tempo, pois estava ainda nos primeiros meses de aula, era o único amigo que conseguira na Faculdade. Os outros até conversavam com ele, mas notou que de certa forma o evitavam. Entrou no carro, colocou uma musica e desejou nunca ter vindo para esta cidade. Estava revivendo seu passado tudo de novo, quando foi acusado de provocar um suicídio. Agora estava pior. Era envolvido até o pescoço com dois homicídios. Pensou consigo mesmo o que poderia acontecer de pior. Chegou em casa, sentindo um forte dor de cabeça, dando sinal de que uma gripe o havia atacado. Colocou um pouco de água no fogo, para fazer um chá, e deitou-se no sofá, para descansar um pouco, pensando o que faria se fosse preso. Não agüentaria muito tempo. Ouve alguém batendo à sua porta. Tenta fingir que não está, mas continuam batendo. Levanta-se, e vai até a porta.
- Oi, queria mesmo falar com você, mas não esperara que viesse tão logo a minha casa. Mas não podemos deixar para conversar amanhã? Hoje não estou bem, e estava indo deitar-me. - Benedito está para fechar a porta, - Como? Água, há sim! Me desculpe, mas estou realmente cansado. Mas um pouco de água não posso negar.
Benedito pede que o visitante entre que ele vai a cozinha pegar a água.
- Desculpe-me os modos, mas estou muito abalado com todos esses acontecimentos. Quer gelada ou sem gelo?
Ele ainda fala quando sente um golpe o acertando na cabeça...