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Poesias-->Cabaz (com frutos do meu delirio) -- 06/03/2005 - 21:24 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dedicatória





Assim como um cesto vai se formando na mão do artesão.

os versos vão,

nos traços do poeta.

E quando a poesia está completa,

tal qual o cesto,

é para outros dedicada.

Os frutos do meu delírio

oferto a você dentro de um cabaz.

Você que quando se alimenta de sonhos se refaz,

absorva-os através da leitura

de versos na doce loucura

de minha poesia.

Jamais

saberá o paladar desses frutos sem antes deles ter provado.

É como querer chegar ao futuro

sem ter vivido um passado.

Desejo que estes frutos a pouco amadurecidos sejam apetecíveis.

Agradeço se deles for servido.

Bom apetite.



















Cabaz



Um cesto envernizado

no qual eu guardo os frutos do meu delírio.

Um livro anunciado

e nunca editado,

intitulado de cabaz.

Um sonho engavetado e esquecido.

A cada dia acrescido de uma página,

uma a uma,

em poemas despertos pela inspiração.

Depois de escritos,

adormecidos no escuro de uma gaveta,

iluminados pela luz da imaginação.

Quem sabe ao amanhecer

possa me surpreender,

e agradar-me o resultado.

As páginas que eram antes separadas, estejam editadas

em um livro encapado.















Auto-retrato



Sou de nascimento,

humano.

De substância,

eterno.

Na poesia,

anônimo.

No comportar-se,

lépido.

De índole,

excessivo.

De convivência,

sentimental.

Na multidão,

passivo.

No aspecto,

normal.

De opinião,

inverso.

De ambição,

um pouco.

Na devoção,

incrédulo.

No pensamento,

um louco.

















Gramatical



Só em letras imprimo minha alma.

Mais do que texto

sou contexto indecifrável.

Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.

Um sujeito indefinido

que é objeto de um erro

gramatical.

Entre modos e tempos,

triste verbo

que ecoa na forma nominal.

Orações que são subordinadas

aos meus vícios de linguagem.

Um início em letras ordenadas

e um fim

numa expressão oral.























Aflora um poeta



Assim se fez um poeta.

Como talhe na madeira

esculpi minha poesia.

De uma maneira fria

infundi minha alma no papel.

Nas costas de um corcel

cavalguei por entre versos.;

muitas vezes sem regresso

o poema me tornei.

De um sono despertei

enquanto escrevia,

da caneta então fluía

as idéias que sonhei.

Quem sabe se eu errei?

Foram mais de trinta anos,

foram tantos desenganos

que poeta me tornei.



















Abstração



Meu paradeiro,

não me pergunte,

é ermo.

Meu erro,

um desengano.

Meu abstrato querer

é verdadeiro.

O meu agora,

é quando.

Por ser em parte,

não sou inteiro.

O meu tinteiro

é preto e branco.

Apenas passo pelo primeiro,

mas sou o último plano.























Imaginação



A metade de mim

é sonho.

Do que sonho,

metade sou.

Eu não sou

metade do sonho

da metade

que não sonhou.























Sou eu



Estou eu no mundo

em um lugar em que ninguém me entende.

Movo os lábios e parece

que ninguém me escuta,

somente um louco que para mim sorri

parece entender o que eu digo.

Ao reconhecer que o único que me entende

é um louco,

aproximo-me um pouco,

maior é meu espanto

ao descobrir que o louco

agora em pranto

sou eu.





























Vivo



Viver

é para mim

distanciar-me

dos que são como eu

distantes.

É não procurar ombro.

É simplesmente chorar

por alguns instantes,

por não ficar.

É querer então estar

em mim presente,

para ver em seus olhos

que não estou ausente

da eterna ilusão

de que vivo.

Viver

é para mim,

seu riso.

















Eu poeta



Eu poeta choro agora

as lágrimas de outrora,

de hoje e de amanhã.



Eu poeta sou inteiro.

Sou último e primeiro

em minha poesia vã.



Eu poeta sou reverso.

Sou verso do anverso

de ilimitadas versões.



Eu poeta sou um homem.

Minhas ambições somem

quando perco as ilusões.



Eu poeta não existo.

Sou um ato fictício

de minha própria criação.















Ingênito



Seguir os passos

a um lugar perdido na distância.;

entrar na dança

de um ritual de acasalamento.;

sentir nas mãos

o instintivo dom

que vem de dentro.;

ouvir o som

de vozes ecoadas.;

e nas entonações

das poesias declamadas,

revelar-se poeta.





























Dimensional



No meu olhar

está o meu desfecho.

Sendo eu meu próprio eixo,

não consigo me deter

no movimento circular

do ser.

Volto a me ver

numa rua sem fim,

numa curva enfim,

volto ao mesmo lugar.

Olho as paredes sólidas,

diviso uma janela,

vejo-me nela

numa visão secular

como figura temporal

traçada no esboço do anormal.

Sou assim,

em mim,

dimensional.















Dor de cabeça



Não consigo decifrar-me no enigma da vida.

Desconheço a mim

no escuro sono inconsciente da noite.

Talvez meus sonhos

tentem revelar-me ao meu próprio eu.

Estou sempre questionando

se são minhas as verdades ou as mentiras.

Descobrir-me

é meu eterno problema,

é minha dor de cabeça.

Serei culpa de um mundo avesso

no qual devemos todos ser direitos.

Posso até estar do lado errado.

Mas qual seria o certo

se errado não houvesse?

Sou uma língua estranha.

Não consigo traduzir-me.



















Versão de mim



Falo de mim,

ao mesmo tempo

diante de mim,

eu me calo.

Meus olhos me vigiam com vagar,

e devagar,

a divagar sobre um princípio

chego ao meu fim.

Começo a me despir de mim,

sem embaraço,

falando que enfim

eu me pareço

com o que eu mesmo sou,

antagonicamente pessoal.

























Amplidão



Meu rosto já não cabe em minhas mãos

por ser meu pranto

bem maior que minha face.

Eu sou em parte,

parte de mim

que em mim não cabe.;

sou amplidão.

Ponho na mão

o mundo que nela não cabe.

Peço perdão

à parte que ainda cabe em mim,

por meu sorriso,

é por saber que nada sabe.



























Através dos olhos



Inquieto,

meu pensamento

movimenta-se por trás dos olhos fixos.

Compenetrado,

absorto em uma ampla sala,

guarda minhas recordações.

Volta

no piscar dos olhos castanhos claros

e percebe o mundo à sua volta,

desordenado

pela ordem natural do caos.

E torna-se real

no obscuro mundo das idéias,

a síntese de tudo

que sou.























Apelos



O que desejo,

acaba sempre em lágrimas.

Meus beijos,

em despedida.

Ainda não vejo

para minhas mágoas

uma saída.

Os meus apelos,

que o mundo não saiba.

Nunca deixei de amar

por um só dia.

Já que a voz

no tempo em mim se cala,

que minha dor

não dure a minha vida.























Ilusão



Não abdico de quem sou,

não por que sou,

mas por me acostumar a ser.

Esta é a forma que o mundo me ver,

não a maneira de saber quem sou.



Sou por extenso e rubricado.

Sou um grande número cadastrado

em um pequeno pedaço de papel.

Sou uma foto três por quatro

resguardada por um véu

de plástico.



Uma imagem revelada

do negativo de um sobrenome.

Uma figura desbotada

com o passar dos anos.



Sobre as linhas de minhas digitais,

rabisquei demais

meu nome.



Sendo assim,

tornei-me enfim,

a ilusão de acreditar

quem sou.

























Fracos, fortes e loucos



Os fracos se suportam

por serem fracos,

os fortes se sufocam

tentando superar

uns aos outros,

e os loucos

toleram a ambos.

Pois os loucos sabem

que na solidão

a saudade é companhia lúgubre,

as horas se intensificam,

e os amores se distanciam.

Sou um fraco na dor,

sufocar-me-ia sem amor,

sou um louco.























Cores



Foram pedaços de lápis

que pintaram minha vida.

Em preto,

em branco,

pintaram meu pranto.

Em vermelho,

minha ideologia.

Em verde,

o interesse pelo campo.

Em amarelo,

um sol que brilha.

Em azul,

um mundo em céu

com um arco-íris

de utopia.



Em cores vivas,

em cores mortas,

são minhas dores.



Não há borracha

de tempo

que apague

minhas cores.

























Exposto



Eu pedi

que meu sorriso

fosse exposto,

mesmo a contra-gosto,

no caderno de tristeza.



Que servissem à mesa

com o meu cardápio,

mesmo que meu gosto

fosse amargo.



Que meus lábios

fossem lidos

pelos ouvidos

que não me escutam.



E que tudo que pedi

me fosse negado.

















Incompreensão



Pensei encontrar uma brecha,

um buraco,

uma fresta

no lençol de estrelas,

e espiar para fora

dessa redoma de cor.

Rasgar o céu

como uma folha de papel

azul.

Rasgar o véu

para ver a forma

de seu corpo nu,

num branco virginal

de flor.

Iluminando caminhos,

eis-me facho de luz.

Na dor,

sacrificar-me-ei por nós.

Suas datas

são minhas lições de casa.

Suas falas

são meus verbos perdidos.

Na ausência do ser,

não sou.









Improlífico



Pensei poder me repensar

como pessoa,

pensei à toa,

pois não consigo personificar

meu próprio eu.

Às minhas costas

meu ancestral morreu.

No meu presente,

em mim,

um parente distante

sou eu,

a fechar-se

no livro que nos serve aberto.

Não acrescento às páginas

o que decerto

à posteridade serviria,

limitando o meu mundo

entre paredes vazias

de céu,

de mar,

sem a genética luz

de minha essência vulgar.









Rebeldia



Não quero fazer o sinal da cruz.;

não quero luz

para me cegar.;

não quero uma outra vida,

quero a minha vida

e a mesma chance de errar.;

não quero ver

a terra comer

meus próprios olhos.;

não quero ver os meus mortos

entre corpos

decompostos.;

não quero sangue nas mãos

e sim nas veias.;

não quero ver condenadas

almas alheias.;

não quero ser anjo seu.;

mesmo sob os grãos

de areia,

quero ser eu.













Seria



O que seria a vida

que me fez?

Um ponto de luz

num abismo sem fim,

seria o não,

seria o sim,

ou apenas o talvez.

Seria a vida

um colibri

num vôo constante,

parado um instante

em si.

Seria a flor

a se abrir

ao toque do coletor.

Seria a ilusão do amor.;

ou ser,

seria um verbo sem cor

para definir

a matiz do existir.





















Longevo



Essas marcas do tempo

no meu rosto

me revelam

que já vivi demais.

Aliás,

quanto mais será preciso

se estou na idade

de meus pais.

As perguntas

que fiz em minha vida,

sem respostas

ficaram para trás.

Não encontro um porta de saída,

se não saio

me prendo por demais,

e atado à vida

sem sentido,

sem saber que eu vivo,

vivo mais.























Senilidade



Um caminho que andei sozinho,

não é mais caminho,

é a minha estrada.

Essa estrada me trouxe tão longe,

deixou-me na porta de minha morada.

Namorada que deixei chorando,

encontrei sorrindo na porta de casa.

Voltei-me para ver de onde vim,

de onde vim não tem mais importância.

Não tenho lembrança

de quem sou, de quem fui.

Eu não sei se vale mesmo a pena,

nessa grande arena,

ser um vencedor.

























Passagem



As minhas míseras atitudes

são virtudes

no cotidiano alheio.

O reflexo no espelho,

de meus vícios,

é meu cotidiano.

Vivo o limite desse pesadelo

em meus medos.;

o resumo do que sou,

em meus anos.

É minha vida,

uma rápida passagem

a lugar nenhum.

















Liame



Sou livro

intitulado.

Um desabafo.

Sou todo

em parte.

Um lacre violado.

Sou tudo

num nada

dissipado.



És flor

dissecada

na mão aberta

em palma.

És colo e calma

na casa onde cresci.;

moeda encontrada

que perdi.;

o berço

em que nasceu

minh alma.





















O chá



Estou ficando só,

e mais gente me cerca,

na certa

já fiquei para trás.

Eu quero paz,

não quero a porta aberta,

não quero festa

por viver demais.

A última notícia

desespera,

eu serei ela,

não pude escolher.

Fiquei na solidão

e na espera,

apenas o chá na xícara

continua a me acolher.





















O que devemos fazer?



Se ainda estou triste,

talvez seja porque sofro.

Se a felicidade existe,

por que morro?

Minha alma não resiste

ao eterno desconforto

do que vê.

O que aos meus olhos

me dói,

como Tolstói,

o que devemos fazer?



















O mundo não acaba na esquina



Abro a porta

para olhar a lua,

para mim o que importa

é achar uma saída para a rua.



Meus passos numa pressa ilusória

alcançam uma meta pretendida.

Aos olhos uma visão que fascina,

ver que o mundo

não acaba na esquina.



Não posso ser feliz em uma sala

sem ter a fantasia de partir.

Em minhas descobertas perco a fala,

em meu silêncio

o barulho do mundo posso ouvir.

Mesmo sem conhecê-lo ainda,

saber que o mundo não acaba na esquina

me faz sorrir.













Jardim



Histórias.

Cada um com um doce sorriso.

Olhos espertos.

Cada gesto um sobressalto, um grito.

Mais um dia na escola do tempo,

intocável tempo no museu da vida.



Uma flor

questiona seu próprio néctar.

Um pequenino deus.

Um adeus

ao jardim de letras.



























Sem espelho



Ver a si mesmo

não é

meramente olhar-se

num espelho.

Pois meramente ver-se

não é descobrir-se,

é reconhecer a si.

Descobrir-se

é justamente não se olhar,

e sim

ver-se sem espelho.



















Sublimar



Você

é noite e dia

um caminho de céu,

a maciez do véu

que me toca a alma,

a doce calma

do entardecer,

a liturgia

de meu fenecer.



Você

está em mim

numa imagem retida

que não me deixa

desaparecer.



Eu continuo aqui

numa fotografia esquecida

no fim do corredor,

procurando você amor,

na transparente cor

da poesia.



















Sobrenomes



Não somos tão importantes

com as nossas caras

inconstantes,

nossas falas

intercaladas

pelo silêncio.

Somos sobrenomes

que talvez não digam nada,

pois nossa alma

não atende pelo nome.

Somos doce mundo,

triste fundo,

espelho d água,

somos quase tudo,

quase somos nada.



















Quem



Sua mão se perde em sua busca,

sua busca é sua perdição,

os seus olhos são

as suas mágoas

que em lágrimas

derramam sua razão.

Sem razão

se torna indomável,

um carrasco

que chora sua fé,

uma vítima

que adora seu algoz,

uma voz

que não sabe mais

quem é.

















Poetas e profetas



O poeta escreve torto

por linhas certas.

Ao contrário do profeta,

não redime, não condena,

não faz da vida um dilema.

O profeta o futuro vaticina.

Para o poeta o futuro

é um muro,

basta só olhar por cima.

O que está escrito o profeta segue.

O poeta simplesmente escreve.

O profeta é poeta

quando dorme.

O poeta é profeta

quando morre.





















Painel



Um painel

pintado letra a letra.

Meu pincel,

uma caneta.

O cavalete,

minhas pernas cruzadas

sob a prancheta.

A imagem, a mais bonita,

a poesia.

Aos olhos de um artista,

uma figura.

Aos olhos que a lêem,

uma mistura,

não de tintas,

mas de letras.

Aos olhos que a vêem

com calma

na altura dos olhos do poeta,

uma tela

com as cores de sua alma.

















Pecado



Perder-se em vão,

achar-se em mãos erradas,

no devasso pensamento dos castos.

Com cruz no peito a purificar-se.

Pagar de joelhos

ações invertidas

no pecado criado por cabeças de santo.

Encontrar-se sem companhia

numa cama fria

e

partir

sem pecar o amor.

















Percepção



Sentir-se um eixo

no qual giram vidas em torno de si.

Olhando rostos que se movimentam

sem nada sentir.

Ver-se neles,

percebê-los como sendo sua imagem humana

retratada nos espelhos de outros semelhantes.

Reconhecer

que cada um é eixo,

que cada eixo é vida,

que cada vida gira

em torno umas das outras.



















Olhar de garoto



Cada passo

é um regresso no tempo,

sinto aqui dentro

saudade no que mudou.



A cada passo que dou

revivo cada momento,

a sensação é que o vento

que sopra

é meu passado trazendo

de volta

velhas lembranças

que meu presente levou.



A cada passo,

olho meu mundo

de novo,

como um garoto

olhou.















O passado



O braço ainda empoeirado,

poeira antiga de criança.

No movimento do balanço,

hoje, a cadeira é que balança.



Como a pesar num só momento,

dois mundos juntos num só tempo,

em que o abraço de seus netos

traz o carinho dos seus pais,

e ao regressar nos seus afetos

retornam em vidas atuais.



Vento inocente,

assanha os seus cabelos brancos.

São tantos anos

de um passado tão presente.

















O beijo



Suicidar-me em sua boca.

Deixar que sugue minha alma

num beijo doce e com calma,

trocarmos uma pela outra.



Tal como nossos ancestrais,

amor eu quero, até demais,

num ritual antropofágico,

num ato trágico,

consumi-la.



Seria a primeira vez

que um lábio num beijo francês

trocava a morte pela vida.



















O caminho



Saí de casa,

só sonhos levava.

Seguia sempre sozinho

o longo caminho

que nunca acabava.



No caminho encontrei

alguém que chorava.

Troquei os meus sonhos

por um punhado de lágrimas.

Continuei no caminho.

No caminho encontrei

alguém que cantava.

Troquei por suas melodias

o punhado de lágrimas.

Continuei no caminho

por dezenas de dias.

No caminho encontrei

alguém que corria.

Troquei por seus passos

minhas melodias.

Continuei no caminho.

No caminho encontrei

alguém de braços cruzados.

Troquei os meus passos

pelo seu abraço.

Continuei no caminho,

caminho sem volta.

No caminho encontrei

alguém sem amigos.

Dei-lhe meu abraço,

não quis nada em troca.

Continuei no caminho.

No caminho encontrei

alguém que versos fazia.

Troquei minha vida

por sua poesia.



Continuo no caminho.

Agora sou poeta.

Eu choro, eu caminho,

eu canto, eu corro,

de braços cruzados

eu abraço,

eu morro.



















Onde está o poeta



Onde está

o poeta que não cansa de falar,

que está ficando rouco,

o poeta quase louco

que não pára de pensar?

Talvez rabiscando caminhos

em papiros, pergaminhos,

dentro de velhos moinhos,

ou mesmo em qualquer lugar.

Alguém pode perguntar

se é antigo, se é novo,

se está vivo ou se está morto.;

sendo antigo ou sendo novo,

vivo ou morto,

não importa,

a mais certa das respostas

é simplesmente

o poeta não está.

















Outono



Corro por entre árvores

que se desfolham,

folhas secas se acumulam no caminho.

Gotas de orvalho que me molham

ao som do vento que diz baixinho,

é outono.



Corro entre as pessoas no parque

que não se olham.

Sou mais um entre todos, e sozinho.

Gotas de lágrimas que me molham.

Soa estranho

a voz do vento que me diz baixinho,

és humano.



Corro em direção ao fim

e não me encontro.

Estação sem ano.

Outono em mim.















O trio



O livro, o relógio e a chave,

objetos arrumados nessa ordem.

O livro, um amigo inseparável.

O relógio, minhas horas não devolve.



A chave abre e fecha minha vida,

as portas de entrada e saída.

O livro me transporta pelo mundo.

O relógio marca tudo por segundo.



O livro leva e traz meu pensamento.

O relógio continua no seu tempo.

A chave esquecida não reclama.

Um trio que a vida inteira me acompanha.



Fecho o livro, fecho as asas.

Olho as horas, ponho o relógio no bolso.

É a chave que me traz à realidade,

que saudade,

estou de volta em casa.

















O Louva-a-deus



A minha forma é imperfeição.

Perfeita ação da natureza.

Um Louva-a-deus

que não louva a Deus.

Sou Louva-a-deus pela magreza.



As dores que há no coração

são de tanto dar adeus.

Adeus que dou com minhas mãos

imperfeitas como eu.



As minhas calejadas mãos

são por lutar contra a incerteza.

É mais uma perfeita ação

de um predador na natureza.



As minhas asas sempre vão

aonde não leva a correnteza,

dessa corrente de ilusão

com elos feitos de tristeza.



As minhas pernas aonde irão,

se não caminho com os meus?

Eu sigo em outra direção.

Um solitário Louva-a-deus.















Vicioso



Tinto degustado em minha boca,

compunção louca.

Chego a ser sóbrio,

no alcoólico sou normal.

Sou cálice inquebrável de cristal.

És trinca viva

que se abre em mim

esvaziando-me

do líquido moral.























Vôo



Cercado por corpos

num trigal sem rostos

estou.

Tela original

da qual

o autor sou eu.

Num vôo rasante

ao paraíso dos corvos

voei.

Em minha própria criação

eternizei

meu vôo.



















Volúpia



Minhas noites são poucas

em seus braços,

num compasso de pernas

entre coxas,

no contorno da língua

pelos lábios,

com malícia em sua inguinal.

És nas cócegas do desejo,

um lacrau

que caminha sozinho, obsceno.

E com pinças mortíferas

de orgasmo

me inocula o veneno

do silêncio.

















Venezianas



A vida

com sua ingratidão.

O tempo

acaricia meus cabelos

com o branco de sua mão.

Uma estranha sensação

de estar revendo meus pais

pelas venezianas da janela.

Quem é ele?

Quem é ela.?

Os meus olhos me transportam

aos meus ancestrais,

desalojam o meu ser

entre quimeras

do que eu era

a muito tempo atrás.

















Ver



Ver o silêncio

de um louco isolado,

grito abafado

pelo excesso de razão,

enquanto uma mão

inocula o veneno,

a outra

tranqüiliza com afago.

Ver os dois pratos

da balança no desejo,

desequilíbrio

que eleva o mais fraco,

enquanto desce o mais forte

pelo peso.

Ver a si mesmo

num retrato desbotado.

















Um te amo



Beijo, amor e pensamentos

são motivos para seguir em frente,

são motivos para voltar aqui,

e dizer te amo

em um grito permanente.

Um te amo às costas

se estás envergonhada.;

um te amo de joelhos

para a reconciliação.;

um te amo à noite,

o mais verdadeiro.

No aconchego,

o te amo é paciente.;

de manhã cedo,

o te amo é café quente.

Um te amo refaz o corpo inteiro,

nos prepara para enfrentar o novo dia.

Um te amo sorrindo

é alegria.

Um te amo chorando

é para sempre.

Muito embora eu te ame loucamente,

repetir que te amo

é poesia.

















Um passeio



As ruas cheias, em movimento.;

as pessoas em suas casas.;

no centro,

as lojas fechadas

no vazio momento,

um paradoxo.



Pela janela do ônibus

uma visão de luar.;

mais um aceno,

o acento ao meu lado

agora ocupado.;

continuo ocupado com minhas visões.;

um bar,

suas mesas, os casais,

a bebida aquece as paixões.;

os sinais,

as mesmas direções.



Calçadas, calçadas e não calçadas,

intermináveis cadeiras

separadas

por pessoas desiguais.;

mais uma parada,

uma a mais.

Uma praça,

alguém que corre, uma rotina.;

na esquina uma mulher calada.

Uma pequena viagem

terminada.



Chego em casa

na remota cidade onde moro,

que poderia ser em qualquer lugar do mundo,

uma outra língua,

um outro rumo.

Mesmo assim,

eu continuaria a ver

um curto passeio noturno,

como a vida,

uma viagem poética

que finda.

















Vós



O que buscais vós?

Porque eu busco fugir de mim mesmo.

Vivo em constante fuga de minha capacidade de terror.



O que temeis vós?

Porque eu temo o vencedor da luta dos que habitam em mim,

o que sana e o que fere.



O que sentis vós?

Porque eu sinto medo

diante de sentimentos tão grandes e tão contraditórios.



O que vedes vós?

Porque eu vejo,

com vista embaçada

por lágrimas derramadas pelo sofrimento do outro,

o brilho do olho sedento de ódio.



O que dizeis vós?

Porque eu digo

que vós sois eu,

que não sei quem sou.















O parque



Sons desconcertantes.

Não temos idade.

Roda que nos faz gigantes.

Vemos ao longe as luzes da cidade.



Mãos que ainda mais se unem

no entrelaçado de seus dedos.

Risos e gritos se confundem

nas artimanhas dos brinquedos.



O doce do algodão colorido

que é repartido entre as pessoas,

como o sorvete que saiu do líquido,

é derretido em suas bocas.



Canoa que procura o céu,

movimenta-se no mesmo lugar.

Cavalo alado preso ao carrossel,

mesmo com asas não pode voar.



Chegada a hora de ir para casa,

nossa alegria se desfez em parte.

Na solidão da rua mal calçada,

sentimos falta do velho parque.















Trecho



Todos os outros.

Somos os outros.

Somos todos.

Ainda assim

somos nós.

Todos no fim,

estamos enfim,

Sós.

















Teoria



Adormecida entre braços,

deixei

minha velha vida.

Em minha nova vida,

sonho

com o molde do passado.

Assim vejo minhas mãos

com os olhos do filósofo,

também à minha alma.

Como uma idéia fixa,

já de costas para a sombra,

extasiado diante de minha verdadeira forma,

desperto

para o mundo.



















Tela de amor



Recobri com lápis

todo o seu contorno.

Repintei seu rosto

antes de dormir.

Contornei sua boca

com o tom do gosto.

Seu amor exposto

colori pra mim.

Usei todo o espaço

de uma velha tela.

Refiz seu abraço

usando aquarela.

Terminei seus traços

com tinta nanquim.

Fiquei fascinado

com a imagem bela,

obra tão perfeita,

terminada enfim.

















Desfazer-se



Vê desfazer-se

seu rosto,

papel na água.

Desfazer-se

em lágrimas

a carta que lê.;

tinta borrada

já não diz nada

do que tinha a dizer.

Vê desfazer-se

seu gosto

no dissabor de perder.

Vê desfazer-se

sua alma.;

vê desfazer-se

a si mesma

em você.















Degelo



Manto de neve

que cobre a paisagem,

uma bela imagem

sentida pela pele,

e com saudade dos dias de inverno,

rios de lágrimas

escorrem nas encostas,

são as montanhas que choram no degelo,

num triste grito

se despem em avalanches.



Domar o medo

diante do perigo

de um inimigo

que olha pelas costas,

fica o silêncio

e o mesmo olhar perdido

de uma criança

que fica sem resposta.















Afeição



Os degraus da escadaria

que lhes unia,

eram as dobras do papel

das cartas de amor.

Entre as pétalas da flor,

desfeita

no movimento da mão,

mal-me-quer,

bem-me-quer,

um resumo do querer num todo.

Não seria em vão,

amar ou não

um ao outro.



















Aquário



A inquietude dos peixes no aquário

é um fato

para minha consciência.

Talvez a minha enorme cabeça

para eles estabeleça

sua própria existência.



Duas vidas,

duas figuras geométricas

nos mantém aprisionados.

Os peixes,

nas estéticas

linhas de um quadrado,

e a mim,

na esférica

forma do planeta.





















Assim seja



Um vento forte,

um galho quebrado,

um ninho no chão

de uma árvore com espinhos.

Embrião no ovo.

Cascas separadas.

Apenas uma fatalidade,

uma casualidade na existência universal dos 00000000000000000000000acontecimentos.

Haveria outra forma,

outro desfecho.

Se não fosse o vento,

se não fosse o galho,

se não fosse ovo,

se batesse as asas,

seria um dia

vítima enclausurada,

com um triste canto,

num canto da casa

morreria de tristeza.

Foi melhor assim.

















A pesca



Um arremesso.

Uma vida pendurada

por uma vara

numa linha que nos une.

Medindo forças

está presa pela boca.

Minha vitória,

sua sorte foi selada.

Provável morte

como sempre do mais fraco.

Quando esportiva, que tolice,

a presa é solta.

Quando por fome

tem o nome de cadeia

alimentar,

meu caro peixe,

alimentar.



















Finalidade



Para riscar o céu

com o bico da caneta.;

para rasgar o papel

deixando cair as estrelas.;

para apagar os erros

com a mesma mão que falha.;

para viver de sonhos.;

para superar meus medos.;

sou poeta.



Sou poeta

para beber meu riso

e chorar,

depois me afogar

em minhas lágrimas.;

para me acordar

no céu,

no purgatório

ou no inferno,

quem me dera,

como dantes

Dante o fizera.

















Feto



Encontre-se mãe

antes da morte chegar

até a mim,

e minha essência em feto

ao mundo vir.

Não há engano,

eu preciso encontrar

a luz que há na vida.

Vejo a saída,

só preciso de uma ajuda,

mas apenas no momento certo.

Empurra-me para o ar,

preciso respirar

o mundo.

















Folheado



Folhas verdes, amareladas e secas,

costuradas entre galhos.

Cores diversas,

como as cores dos retalhos

dos vestidos das bonecas.

Cores vivas,

não tão vivas como as flores,

seguem os passos das meninas,

das bonecas aos amores.

Folhas que caem,

amores que vão,

cores que desbotam

com a própria solidão.

Vida renovada e colorida,

fruto de uma nova geração.

Vento que carrega uma folha despercebida

nos braços da recordação.

















Filósofo



Nas pontas dos dedos

a criança aflora.;

descobre-se a cada hora

um mundo de cor.

No canto da sala,

o poeta chora,

no fim do poema

que não terminou.

A dúvida mora

no olhar do filósofo.;

mas como a criança,

vasculha o lugar

e tenta encontrar o último verso.

Enfim é poeta ao admirar,

ao não desvendar,

seu próprio universo.















Espaço teatral



O teatro sem aplausos,

altívago,

ressoa

na solidão infinita.

Imaginada platéia de estrelas.

Uma plêiade

que atua a milênios,

uma nova

que brilha tão recente,

um planeta perdido

que cochila

na enésima fila

do infinito,

uma anã branca

que pede autógrafo

a um velho

sol,

que reina absoluto

na fantástica esfera

teatral

do universo.















Gigantes



Não sei quem sou ao certo.

E de certo não seria

quem sou

se de certeza soubesse.



Talvez não seja eu

melhor e nem igual

a ninguém.

Apenas sei que sou

individual.



Não sou um indivíduo a sós.

Sou bem maior que meu querer,

por ser em parte

um gigantesco ser,

que somos nós.



E nesse nós,

Não somos só plural.

Somos cada um,

um singular,

essencial.















Gotas



Gotas, em gotas

que se filtram num funil,

a multidão se escoa

numa seqüência infinita

de gotas

de lágrimas,

de suor.

Gotas em nó

de garganta.

Gotas de almoço,

de janta.

Gotas para sobreviver.

Gotas de sono,

de encontros.;

em conta-gotas de sonho,

contam-se as gotas

do viver.















Hipótese



Homem que caminha hoje

passos de bilhões de anos.

Revoaste pelos ares,

rastejaste pelos pântanos.

Tua matéria estelar

em átomos ainda existe.

Foste na terra e no mar

coisas que nem mesmo viste,

da mais simples forma viva

a ti, ápice da evolução,

também das formas não vivas,

do universo em expansão.

Por que quer explicação,

se acredita no poder

de sua própria invenção

da possível compreensão

do mundo.



















Hipotermia



Sentei-me só

na solitária noite.

Uma neblina me cristalizou

na escadaria de um antigo albergue.

Alguém abriu a porta

e falou.

Eu já não o escutava.

Um vento frio soprava em minha cara

duras palavras

fazendo-me tremer.

Sois vós que vades morrer.

Sois vós,

sois,

sois.

Num arrepio de morte,

então me diz por que

é indubitável a minha triste sorte.



















Infortúnio



Se eu plantasse sua alma num jardim

e regasse com todo o meu querer,

eu veria seu corpo renascer,

exalando um cheiro de jasmim.



Sei que a vida não funciona assim,

pois nem tudo é uma questão de escolha.

Ao acaso o vento leva folha,

dessa forma levou você de mim.



Ainda escuto sua voz dizendo sim.

Por meu punho agora eu confesso,

gostaria de ver o seu regresso

não apenas num poema que tem fim.



















Ingenuidade



A inocência

é o reflexo da alma livre,

a supressão do ódio,

a liberdade do amor.

Se assim não fosse

não haveria diferença em ser criança.

Enquanto a dança

é a representação da infância na arte,

em parte,

todo adulto é lembrança

de ingenuidade que parte.















Luto



A morte

é o empalidecer de um dia

observado do umbral da janela.;

é a saliência

entre linhas rabiscadas,

entre páginas dobradas

em silêncio.;

é o descortinar despercebido

da fumaça,

em uma nuvem que passa

deixando o céu se impor

azul.;

é a noite de insônia prolongada,

na qual o dia esperado

tarda amanhecer.;

é a fotografia preferida

a se desdobrar em vida,

em seu eterno lugar,

para manter presente

quem se ausentou.;

é a maior das saudades.;

é dor.

















Liberdade



Sofro

com uma ferida na asa da liberdade.

Meu vôo foi interrompido com ardor,

pelo furor da glória

de um caçador sem sonhos.

Minha visão se turva,

igual poeira levantada no deserto,

pelos cascos do cavalo ao vento.

E o calor

de um sol quente e abrasador

queima-me a alma.

Encarcerados

continuam meus dias.

Mas não há prisão

que apague a chama

de sonhar-me livre.





















Meu reflexo



Melhor que tu

não sou,

pois és de mim

a melhor parte,

e vendo-te crescer,

estou

em parte, entristecido

por que partes

na direção inversa

aonde vou.;

enquanto vais à festa,

eu volto na lembrança

ao jardim de infância.

















Melancolia



O mundo é tão melancólico

quanto o ar que eu respiro.

As lágrimas que transpiro

circundam o meu coração,

que é uma pequena porção

melancólica do mundo.



No pêndulo do meu relógio

todas as horas são melancólicas

e infinitamente duradouras.

Em uma trajetória metódica,

as horas dimensionam minha vida

que é mensurável pelo tempo

de horas de melancolia.



No solo do meu pensamento,

um relevo de melancolia.

Do cume onde sopra o vento

ao eterno abismo de todo dia,

junto a mim a terra gira,

gira em si,

gira em mim,

melancólico movimento.



Triste verso que invento,

como sombra que me guia

pela luz que vem da lua

cheia de melancolia,

melancólico movimento,

melancólica poesia.















Musa



Em meu verso encimado

és a rima,

és ainda

em meu poema

o toque de inspiração.

Não sabes tu

que és o azul

em minha poesia.;

a mesma cor

do céu,

do mar,

da tinta que me guia

pelos caminhos

da imaginação.















Magia



Refletir-se

no espelho d água.

Expandir-se

pelo universo

de um mundo inverso.

Resumir-se

no caderno do tempo,

de conteúdo infinito,

de linhas traçadas pelo acaso.

Enquanto obra de um gênio mudo

que é princípio e fim,

enfim,

com a agonia de um ser

que tem na fantasia

a magia da fé.















Meu coração



Meu coração é tolo.

Ele concorda com os outros

e discorda de si mesmo.

Meu coração não é começo,

é meio e fim.

Meu coração é grande e pequeno.

A grandeza,

é que sente muito

pelos males do mundo.

A pequenez,

é que talvez

não sinta nada por mim.

















Noturno



Suaves

seus passos dentro de casa

no silêncio da noite.

Pés com meias,

meias-voltas pelo quarto.

Falta de sono,

excesso de sonhos

descritos em versos

nos papéis amassados jogados fora.

Lá fora continua o silêncio.

Cá dentro

os passos suaves.

Ainda durmo,

que sono,

sonhos...

















Enganando-me



Meus pensamentos são ambíguos,

umas vezes dignos,

outras vezes perdidos

num estado de demência.

Com ausência de escrúpulos e consciência,

são pensamentos sofridos

que me levam ao exílio

de mim mesmo,

por opor-me ao que sinto e digo

numa viagem de instantes,

imensamente distante de mim.

E quando volto a ter comigo

olhando a meu próprio eu

trajado de inimigo,

outra vez a mim repito,

e me pergunto,

será que sou eu esse inimigo,

enganando-me e sorrindo,

e a mim mesmo iludindo

por pensar

que eu

sou eu.

















Engano



Pátria!

Pensa consigo mesma

não poder se libertar

do labirinto de miséria em que se encontra.

Pela janela da lembrança

põe-se a olhar

suas crianças no quintal.

Então consegue compreender que sonha.

Na verdade

não há mais criança,

não há mais quintal.

Mas resta a esperança

que ainda haja flores.

















Antagônicos



Enquanto procuramos

vozes nas pedras

e sentimentos nas rosas,

enlouquecemos

ou apenas filosofamos.



Somos pedras com voz

que não se falam.

Somos rosas sensíveis

que se maltratam.

Temos um coração de pedra.

Desejamos um mar de rosas.

Nos apedrejamos com as mesmas pedras

que sustentam o jardim.

Pedras ou rosas,

o que somos?



















Empírico



Viver é uma farsa,

uma vontade que passa

quando paro de pensar.



Posso tocar

em meu próprio pensamento.

Sou apenas um invento,

uma vaga idéia de ser.



Não há fim, não há começo.;

sou um círculo perfeito

que não pára de girar.



O concreto é minha sombra,

o abstrato é meu eu.;

vivo em minha criação,

a mais real ilusão

é ser eu.



Sou um louco

nessa vida temporal.;

estou sendo racional

por um momento.



Ao morrer eu volto a ser

o que sempre fui,

um pensamento.



Contagem regressiva



Um homem passaria a vida

contando seus dias nos dedos,

não fosse o medo de perder a conta.



O dia não faz conta

do medo do homem

perder sua vida

na perda do próprio dia.



O dedo que aponta o caminho

anula o destino fazendo que não,

aperta o gatilho,

evita o aperto de mão.



A vida levará os dias

do homem que não leva a vida

por medo da vida levá-lo.















Meu ser



O meu ser enfadado de pensar,

por andar entre linhas rabiscadas

por estradas que não pode pisar,

não descansa de suas caminhadas

pelas páginas impressas entre capas,

arrancando as entranhas do saber.



O meu ser habita a minha mente,

pelos olhos registra o que ver,

pelas mãos escreve o que sente,

nas palavras procura compreender

o imenso vazio à sua frente.



O meu ser tão pouco sabe ler

os enigmas que lhe expõe o mundo.;

questiona o vale mais profundo,

a consciência do próprio existir.



O meu ser procura não ouvir

os murmúrios de um mundo tão ferido.

Em meu crânio mantém-se escondido

esperando a hora de sair

para um mundo que parece tão real,

já que é parte de um mundo fictício.















Confissão



Sou apenas um ato desumano,

entre tantos outros,

de um desejo insano

de consumo,

em uma dimensão limitada

do poder de possuir.

Já não se pode redimir

o santo homem na estrada

que o leva ao desejo de ter posse de tudo,

enquanto pisa o chão

onde há túmulos de inocentes

que tão diferentes

não puderam consumir o pão.















Comparação



Entre pétalas perfumadas

viraste flor.

Eu deliro amor,

não escuto a razão.

Em tuas coloridas mãos

vejo um pouco do que sou.

Nesse jardim

que plantei comparação,

as gotas de orvalho

são pingos de suor

que tornam bem maior

a minha solidão.















Castiçal



Fujo de mim,

meu chão se abre.

Paredes que se fecham

e me isolam.

Sombras e credos.

Releio meus versos:



"Num bocejo abro

a boca que me engole.

Gole de ti veneno.

Gola que sufoca-me.

Velho casaco

a me matar de frio.

Vozearia,

alguém que canta

e encanta-se.

Reapareceste dona,

em um lugar que não é meu.

Na minha cama,

alguém morreu.

Pergunto quem chama,

uma voz acalma,

um pedido de alma,

acender a chama de um castiçal”.

















Condenados



As partidas

nos deixam em pedaços

no abandono da ida

sem regresso.

Despedida envolta nos abraços

de uma vida

perdida em mistério.

É tão cedo

para dizer o que é verdade,

a verdade

não sabemos o que é.

Sendo Deus

o nosso desespero e desamparo,

estamos condenados

a ter fé.

















Cotidiano



Os dias,

passamos por eles.

A vida

já não nos pertence.

No mundo

do qual fazemos parte,

vivemos por posse.

Nos expomos na vitrine

do cotidiano

para nos vendermos,

para nos comprarmos.

Passamos a vida

a nos olharmos

sem nos percebermos.

Somos meramente

manequins que sonham.















Caminhada noturna



Enfileiradas luzes

que deleitam minha sombra pelo chão.

Tão solitária rua

em que caminho na contra-mão

do destino.;

somente um vento perdido

a me assoprar aos ouvidos,

a me dizer:

-Tendes razão,

sois só,

sois multidão.

Em minha ânsia de ser ouvido

me perco em meu próprio grito

num eco sem dimensão:

-João, João, João ...

















Cemitério



Corpos semeados em covas

demarcadas por cruzes.

Restos de velas.

Odor nauseante de morte.

Desconhecidos que observam

de seus túmulos

através de fotografias desbotadas.

Lábios trêmulos

que murmuram ladainhas.

Ao calor do sol,

por entre lápides,

há olhos em pranto.

Ao pudor da lua,

sob a terra,

há homens que descansam

na única e eterna

paz.



















Última morada



Na casa do teu desterro

um fecho cerra a entrada.

Não há cortina à janela

para ocultar os teus medos.

Há um espelho quebrado,

pedaços de quem se olhar.

Num quarto de lua partida,

uma mortalha em retalho.

Não há bem vindo na porta.

Não tem sala de visita.

Há sempre uma rede armada

como armadilha perdida.

















Sepultamento



Os meus olhos pregados

no infinito

como os pregos nas tábuas

cravejados,

e de pontas viradas,

redobrados,

sustentados e fixos

numa curva.

No aconchego da madeira macia,

minhas costas

nos ossos da bacia

consolam meu corpo

tão curvado.

Pelo tempo que tenho acumulado,

a ferrugem do mundo

me comeu,

e a tampa que pregam

me prendeu

para sempre num rito consumado.

Por debaixo da terra

condenado

a ser parte da mesma

e não ser eu.

















Poema póstumo



Eu quero ser uma velha lembrança no cardápio.;

que o meu melhor retrato

fique exposto às visitas.;

algumas flores e declamações poéticas

em meu túmulo,

nada de rezas

nem de missas.

Não quero escândalo,

apenas lágrimas reservadas.;

deixar saudades

é o intuito de quem morre,

não seja forte,

apenas viva.















Fases



Eu lembro que via,

sentado no acostamento da rodovia,

as rodas dos caminhões

que giravam

como as vidas

em torno de suas cargas.



Agora me sento

no banco quebrado da praça,

observando os rostos das pessoas

em suas caminhadas

matinais,

dóceis animais

de carga.



Os mesmos rostos,

repetitivos,

mas por mim esquecidos,

são como novos,

nunca os vi.



Vejo o jornal de hoje,

amanhã o verei como de ontem,

e digo: - Já o li.

Há uma notícia de um homem que foge,

uma foto com a cara do infeliz,

feliz.



Eu me encorajo

e acho

que ainda posso andar sozinho.

Perco-me no caminho

por desistir de encontrá-lo.



Quase que perco a fala

pelo tanto que perguntei.

Quem tem boca

chega em casa,

sem saliva, mas cheguei.



Na lua enfim espiei

que quatro fases havia,

se havia São Jorge,

não sei,

que era cheia eu sabia.



Na cidade ajunta gente.

No campo há junta de bois.

Parece que a lua nasceu no campo

e foi pra cidade depois.



Assim como a lua

também temos fases.

Somos minguantes, crescentes.

Quando novos, cheios de nós.

Em quartos, somos dois.

Quatro pontos sei que havia.

O meu pai me dizia que eram cardeais.

Cardeais eram homens da igreja,

dizia minha mãe.

Quem dá mais?

Leiloou suas virgens.



De brincar, ir à escola,

de namorar e casar,

sentar no canto da sala

e ver o tempo passar,

são muitos dias,

mas passam tão depressa

que não é preciso pressa.



Talvez a lembrança

seja a maior companheira,

a cada dia traz de volta o dia-a-dia

que ficou para trás na poeira,

ou talvez não seja.

A lembrança nos persegue sem pudor,

é tortura permanente na saudade.



Da distante idade

que eu tinha

a idade que no instante tenho,

há um imenso espaço de vida,

há um pequeno espaço de tempo.

Viver nunca é demais.



Os cenários

acompanham o calendário.

Vejo do berço

os desenhos na parede,

no meu quarto de solteiro

vejo formas nuas,

dessa cama de casal

só fotos suas.

Olhando o punho dessa rede

eu balanço nossas recordações.



Numa massa inconsistente

as emoções moldam minha face,

e no espelho da vida

meu olhar se expressa diferente.

Minhas fases se revelam

em face ao olhar

alheio.



Última fase.

Descanse em paz.

O nome por completo,

aqui jaz,

João Felinto Neto.

















Carbono



No carbono eu vejo

o avesso

d’aquilo que escrevo.

Assim não me esqueço

dos versos que fiz.

E no inverso,

eu leio a mim

no carbono que diz:

És um traçado

em forma espiral

num universo

de linhas elípticas.;

és imortal

no natural

carbono da vida.

















Dama negra



Eu sempre fui levado a temê-la,

dama negra,

meu fim,

minha alma presa

na profunda escuridão.

Um dia por acaso a encontrei,

a vi sem disfarce,

eis-me a mais bela face,

tão próxima,

que aos seus lábios me entreguei.

À morte eu amei,

um bom tempo fui amado.

Mas de alguma forma eu deixei aquela cama,

havia saído do coma

onde estava aprisionado.

Mas à bela dama negra eu jamais esquecerei.





















As cartas



Queixo-me talvez,

quando através de minha letra,

pois a escrita não espelha

a minha timidez.

Também confesso

o quanto quero vê-la outra vez.

As cartas

são para mim uma saída.

Aprisionados em minha voz

estão meus pensamentos.

Como é estróina

essa forma de me confessar.

Não foi à toa

que escreveu Pessoa,

que são ridículas

todas as cartas de quem diz amar.







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