Tem um indivíduo que de vez em quando me envia e-mails dizendo não ser poesia o que escrevo por faltar métrica, e rima certa... É isso mesmo: tem muito de anti-poesia... Ele está certo. Eu também.
Reclama de meu descuido com a gramática, com a sintaxe, falta de pontuação... Eu reajo e tiro todas as vírgulas...
Tem um outro que é mais exigente e não aceita que eu despoetise o mundo referindo-me a coisas desagradáveis, usando palavras grosseiras, temas cruéis.
Os dois vão ficar chocados com este poema. Vão me deletar. A Internet é fantástica porque é invasiva, interativa, quase instantânea nas relações virtuais. Às vezes recebo comentários minutos depois de distribuir os meus textos. A tempo de reagir e de rever os meus escritos, corrigindo falhas, acrescentando, cortando, seguindo as reações dos interlocutores quando considero oportunas.
O que eu mais adoro no sítio www.usinadeletras.com.br (onde eu primeiro publico meus textos) é que a edição é instantânea. Não há censura, revisão, seleção. Lê quem quer, apaga quem não gosta. O lixo e o luxo, tudo junto, numa usina, na moagem... Você é um entre milhares... A quantidade pode levar à quantidade, ainda que residualmente. Às vezes, minutos depois de publicar um poema, ele é visitado, lido. E, não raro, eu reedito, conserto, acrescento, apago versos... É tudo tão provisório na onipresença da web... É isso mesmo.
Você acerta, você apaga, joga para o espaço. Vai criando e desfazendo relações. No relativo anonimato, as pessoas são menos formais, mais autênticas: xingam, expressam admiração, apropriam-se de, desfazem-se sem maiores constrangimentos.
André Lemos, referindo-se à cibercultura, hasteia-se no coreano Nom June Park, e afirma que “não existe verdade, pois não existe aquilo que podemos afirmar ser o real. Tudo não passa de pura invenção e rearranjos sucessivos.”
Lemos refere-se à vídeo-arte mas poderia também referir-se à palavra, ao texto, cada vez menos referentes ao “fundamento figurativo, naturalista, representativo”. Cada vez somos mais alegóricos.
O poema acima parece figurativo, descritivo... mas não existe o original, não se refere a lugar algum, a nenhum momento específico. 1957, Rio de Janeiro e os Arcos da Lapa são referências concretas... o resto é simulação, no lugar do real. Por isso é que é real, só que em outra dimensão – na quarta dimensão em que vive o artista e seu público!
“O mundo ao qual esse “ciber-artista” se refere não é mais o mundo real dos fenômenos, mas o mundo virtual dos simulacros”. Conclui André Lemos. Assino em baixo.
Antonio Miranda
Em tempo:
Ao prefaciar o livro coletivo de poesia escrito por três alunos meus, recortei trechos de cada um deles e “formei” um poema “coletivo”. Ficaram perplexos... Havia inter-relação e sentido entre os versos e compunham um poema...
Fiz o mesmo no prefácio do livro Alucinaciones, do poeta Francisco Alarcón, que acaba de ser publicado na Venezuela. Recortei com uma tesoura virtual (control C + control V) versos de vários poemas e montei um poema-mosaico. Pensei que ele ia rejeitar o prefácio. Ele gostou e publicou e assumiu o poema... É assim mesmo que a gente produz os próprios textos, fazendo montagens, colagens, justaposições, confrontos, contradições... A ordem dos fatores altera o produto.