As mãos gestualizam a vida com o rigor do bailarino clássico
E o descompromisso da sambista no carnaval.
Os olhos sorriem como redemoinhos
Em chamas de horizontes e ramos de domingos
A boca aterrissa sobre as nuvens
Deixando a palavra missa dissolver-se em promessa nos Andes
O peito irado pela respiração inicia um hino
ao longo das tardes de algum sol peruano
Uma das mãos conversa com a outra
E afaga o rumo que os dedos soletram
A cada rio que as carícias entranham
A cada dia que as unhas atravessam
O ventre se orgulha das nascentes
Que jorram lençóis de água sob os cios
As pernas pendulam como símbolo do tempo que passa
De acordo com o canto dos movimentos de cada passo
O pensamento
– não o pensamento sem corpo,
mas o encantamento, o corpo de cada momento –
Transforma em versos
Este homem que renasce em cada rosto
Agradecendo por ser incenso ao cais de Titicaca
Sonhando por trás do paletó e da gravata de um congresso
Expôs a nudez rude e perfeita da natureza umbilical de Cuzco**
A cada instante, explosão de um único e novo Verso.
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* Poema dedicado a um mestre xamã, de origem peruana, que provou, durante uma palestra sobre Xamanismo, que os símbolos do condor, do puma e da serpente estão presentes em todas as culturas esotéricas da humanidade, com ligeiras variações tal qual na Índia: águia, tigre e cobra. Para ele, o vôo da ave equivale à força do pensamento criativo.; a destreza do felino equivale ao movimento do corpo físico humano.; e o desenho nevrálgico da espinha dorsal equivale às nuances da serpente.