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Poesias-->Gravetos -- 12/07/2006 - 15:14 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
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Prólogo



A poesia em gravetos, irradia chamas de intelecto e fumaça de simplicidade.

O poeta monta seu feixe e arregaça as mangas para carregá-lo através de versos que são os próprios gravetos.

As achas são tiradas do delírio com o uso de uma simples caneta (O machado do poeta).

Faz-se necessário ao leitor, arregaçar as mangas também, e ajudar ao poeta na decifração simbólica e contextual, fragmentada em versos que como gravetos, incendeiam, porém, em seu imaginário.

A absorção da leitura como um fluido inflamável, realça os poemas tal qual uma fogueira em chamas.

O poeta fala em versos toscos, não no sentido de medíocres, mas de simplicidade e sem arroubos de esnobismo.

O poeta consegue singularizar o intelectual à rudeza de uma fogueira para iluminar a noite, e clareia a visão do leitor em um entendimento essencialmente emotivo com intensas fagulhas de razão.

João Felinto Neto deixa-nos pensativos com sua poesia mesclada de amor e ódio, de paz e guerra, e principalmente de fogo e água que jorra da tempestade de ilusões que silencia o crepitar dos versos em nossas almas.



Humberto Gaspar

































Gravetos



De cabeça baixa,

a fraca luz me ilumina.

Os meus próprios versos

são gravetos que atiçam o fogo

que clareia a minha alma.

Nada se compara

aos ruídos noturnos,

nem mesmo o inconfundível crepitar

dos meus versos

em brasa.

Fecho-os num livro

e percebo as chamas

que queimam suas capas.

Gravetos,

não são cavacos soltos,

são um feixe inteiro

de poemas toscos.















Fonte de vida



Eu descobri que ontem

num jardim distante,

ouvia a tua voz

chamar-me pelo nome

e respondi num grito

de alegria e espanto.



Saber que a amo tanto

é a força que conduz

meus passos para a luz

do mundo.



O teu querer profundo

me fez sentir-se um rei.

Nos braços me amparei

enquanto caminhava.

Regavas o meu pranto

com tuas tenras lágrimas,

pois eu também chorei.



Eu nunca me acordei

do mais incrível sonho.

A noite eu acompanho

teus passos pela casa.

E quando estou sozinho,

minha alma cria asa

e voa para o ninho.



O sol vem de mansinho

quebrando a barra.

A tua mão me agarra

para que eu possa ficar.

Nós temos que ocupar,

enquanto a vida passa,

cada um o seu lugar.



Mas tenho que voltar

pra velha estrada.

Sem ter hora marcada,

tento encontrar

o colo que me acalma,

a mão que me embala

e o mais doce olhar.

















O poema de hoje



O poema de hoje

não será sobre mim,

não será sobre o mar,

nem tampouco será

de começo e de fim.



Não seria de ontem,

nem será de amanhã.;

pois de hoje ele é.



Não será sobre fé,

nem contudo será

sobre o amor,

sobre flor

e jardim.



Não seria enfim

sobre coisas alheias,

nem bonitas,

nem feias.

Não seria tão bom,

nem seria ruim.





Chega então ao seu fim

sem falar sobre nada.

Nada sou.

Sendo assim,

o poema de hoje

só falou sobre mim.























Temor



Sob o vigor do telhado,

há uma ceia servida,

sem pudor,

com amor,

numa ilusão esquecida.

Depois de um tempo afastado,

eu volto à casa querida.

Meu coração a temer,

tem um desejo, calado:

que sobre a minha mesa

ainda esteja

o cálice do querer.;

não tenha sido meu sonho

despido.;

nem meu amor,

sepultado.

















Nunca irei embora



A madrugada fala comigo

sobre os auspícios da cidade,

e da sacada onde moro

avisto ao longe minha idade

nos novos prédios que surgiram

e nos antigos que ficaram,

na solidão em que me encontro,

no despertar do sol

lá fora.

Nunca irei embora,

plantei minha vida no concreto

e agüei com gasolina.

Meu esqueleto é de ferro

com os pés firmados numa esquina.

Eu moro aqui,

entre estações da vida toda,

entre calçadas ocupadas

onde não se caminha à toa.

Talvez eu seja um espectro

do emaranhado de pessoas.

Não sei se vivo,

se deliro,

ou se sou patético.





















Peça de tortura



O amor

poderia ser eterno,

não fossem os venenos

destilados pelo tempo,

exaurirem suas forças.

Na promessa do amanhã,

está despido da honra do compromisso.

O amor é cego,

por ser submisso.;

é um feitiço

que desarma o feiticeiro.;

pela mão do curandeiro

é um mal que não se cura.

O amor é sepultura

e se torna obsoleto

quando peça de tortura.

















Crânio exposto



Um crânio exposto na mão.

A dúvida,

minha questão.

Quem serei eu,

um personagem de Deus

ou um ato da evolução?



Sobre meus ombros,

o peso de uma consciência.

Se não sou realidade,

paciência,

devo ser uma ilusão.



Onde está o meu começo?

Não mereço perguntar.

O crânio exposto na mão

tem vontade de chorar.



Sobre meu crânio,

uma pá de pensamentos.

Soterra,o tempo,

a fé que move o coração.





Vence a razão,

ganha o bom senso.

Mas o cérebro cinzento

fica em silêncio,

ante o crânio exposto na mão.



































Não faz muito tempo



Não faz muito tempo

que eu chamava a chuva que caia

para aumentar a sua intensidade.

Tenra idade,

em que o mundo me obedecia.



Na calçada da antiga igreja,

eu falava com as andorinhas.

Com a árvore da casa da esquina,

tanto conversava

que a noite vinha

e eu nem notava.



Pouco tempo,

eu chamava o vento

com um assovio.

Quando vi o mar,

achei encontrar um enorme rio.



Até uma pedra

que eu encontrasse pelo meu caminho,

eu falava rindo:

- Quanto tempo, eu te procurava.



Quantas vezes eu perdi a calma

e gritei com os meus bonecos.

Os meus carros,

eu os desmontava

e não montava certo.



O deserto,

a areia do rio.

O oásis,

a margem arborizada.



Mergulhava para ver um peixe,

perguntava como a água estava.

Nas borbulhas ele respondia:

-A água está fria.

Mas o frio passa.



Eu ouvia o vento que cantava.

Eu contava no céu, as estrelas.

O meu mundo

girava em minha volta.

Meio torta,

era a minha letra,

e só eu a compreendia.

Hoje não entendo,

não faz muito tempo

em que o mundo me obedecia.

Levado ao fracasso



Teria que vencer o tempo,

ultrapassar o vento,

atravessar o mar a nado.



Teria que pular mais alto

que o céu

e como um corcel

atravessar desertos.



Teria que pisar na lua

e misturar da rua,

o asfalto.



Teria que gritar mais alto

que um trovão.

Beber o magma de um vulcão

e não se queimar.



Teria que pedir perdão

ao meu maior inimigo.

E tudo isso

na certa eu faria,

e mesmo assim o amor me venceria.



























O materialista



O mundo

não precisa de alma.;

só precisa de calma

e respeito mútuo.

O espírito

sobrepõe-se à carne

que é a única parte

que sente a vida.

O homem

com sua consciência volátil,

não precisa de templo,

somente de tempo,

de paz

e bom senso.





















Corda bamba



Eu me mantenho são

por ter a ilusão

de que sou normal.

Ainda leio jornal,

procurando o meu nome

inexpressivo.

Não sou indivisível,

sou ambas as partes

de um ser natural.

Uma mente insana

numa corda bamba,

entre o bem e o mal.

























Soneto da iniqüidade



Eu não dividi águas.;

nem multipliquei comida.

Não sigo mandamentos

de uma lei prescrita.



Se eu usei provérbios

para falar da vida,

não vejo condenados,

vejo apenas vítimas.



Em meu barco à deriva,

há homens imortais

da terra prometida.



Dos homens imortais,

havia apenas ossos,

quando aportei no cais.















Apnéia



Já passava da meia-noite,

sua voz então chamou.

O seu grito

na madrugada bradou.



Era um sonho esquisito

do qual não conseguia acordar.

Saí para o meio da rua

e sob uma pesada chuva

ouvia você chorar.



Tentava então lhe encontrar

por entre becos,

sozinho.

O medo guia meus passos,

meus passos perdem o caminho.



Continua a sua voz

num desespero completo.;

o vento bate uma porta,

acho que eu estou mais perto.



Uma casa às escuras,

eu adentro.

Abro os olhos,

ainda tento me acordar.

Continua a me chamar,

o seu lamento.



De repente,

uma janela escancarada

pela fúria de um vento libertário.

Uma boca que se torna iluminada

por um estrondoso raio.



O meu sono é que tirava

o seu rosto da janela.

Eu corria para ela,

pois sabia que esperava.



Quando enfim pude sair

da terrível apnéia,

descobri que suas lágrimas

era a chuva que caía

e seus gritos

só tentavam me acordar.

Eu que tanto procurava lhe salvar

é que estava sendo salvo.















Moça



Chores moça!

Não importa que reparem.

Se eles falam é por inveja.

Moça triste na janela

é a história que contaram.



Vês aquele telhado,

é da casa de farinha.

Não encontra-se sozinha,

há um casal de namorados.



Penteie o teu cabelo.

Olhe o rosto no espelho.

Não esqueças o batom,

sabe que ainda tem o dom

de encantar.



Chega para lá.

Eu preciso descansar.

Deixa eu dormir um pouco.

Não assim,

eu fico louco,

chega um pouco mais pra cá.



Se vais viajar,

eu te dou uma carona.

- Saio já,

logo estou pronta.

Tu disseste pra esperar.



Antes,

foste uma garotinha.

Hoje,

és amante minha,

e se engana com a fúria

de um homem apaixonado.



Eu já dei o meu recado.

Antes que tu esqueças,

posso perder a cabeça

e te olhar atravessado.



Rasgaste o calendário.;

esqueceste que dia é hoje,

eis que é o nosso aniversário.













A cidade desabafa



Sob minhas calçadas,

nas profundezas do solo,

está o negro óleo.

Em meu litoral,

o branco sal.

Não sou capital,

sou do interior.

Já mudei de cor

por diversas vezes,

em meus casarões.

Enfrentei cangaço

vindo dos sertões.

Ouço tantas vozes

entre minhas praças.;

choro incontido,

gritos e gemidos,

boas gargalhadas.

Árvores enfileiradas

separam avenidas.

Roupas coloridas.

Clima tropical.

Há o bem e o mal

dividindo as ruas.



Poucas criaturas

querem me deter.

Mas meu crescimento,

mesmo sendo lento,

vai sobreviver.

























O canto do sabiá



O que eu vejo mesmo

é o grosso termo.;

a dura expressão.;

o escuro da água do barreiro.;

o derradeiro.;

a vida do sertão.



Vejo a cacimba.;

o fundo da caneca.;

à noite, a lua em festa.;

o pio do caçote

na boca da serpente.;

a boa aguardente.;

o fogo da fogueira

que queima

o tempo.



O desatento

que olha para a cabocla

com vestido de noiva.;

os passos da quadrilha.;

a trilha do preá.;

ao dia acordar,

o menino que caça.



o negrume da fumaça.;

coivara que assusta,

à noite, se escuta

o crepitar.



Vejo a velha carroça.;

o boi chamado Bossa,

tão calmo, magro

e atrasado como sempre.;



o tirador de dente,

que vem ao meio-dia,

da velha bicicleta

se apear.;



o algodão

pesado em sacos de arrouba.;

a minha fé que é pouca.;

o sonho do chover.;



o chocalho da vaca

que balança a cabeça.;

o feijão posto à mesa.;

à noite, o jantar.;



espinho de juá

que perfura as alpercatas.;

o estrago do camaleão

nas folhas do Jucá.



Eu posso apostar

no jogo da argola,

no pátio da escola.

É sorte ou azar.



A vida é que me dá

sorriso e simpatia,

os dias de trabalho,

a cabaça no mato

e a hora de voltar,



o urubu que voa

da carniça, espantado,

no tiro da baladeira.

Velame é só poeira.

O marmeleiro cheira,

seu fruto na doceira

que a gente quer provar.



O vento a soprar

o suor do nosso rosto.

Lá no chiqueiro, o porco.

Na cabeça, o chapéu.

O velho olha pro céu

e diz alguma coisa.

O moço diz amém.

Eu digo algo também ,

está difícil de lembrar.



Quando eu me acordar

quero milho de pipoca

para voltar para a roça

e o arado manobrar.



A cerca se alinhava

em torno do pomar.

Vejo um grande quintal.

Há patos e marrecos,

guiné, pombo e galinha.;

a vovó na cozinha

tentando se lembrar.



O gado no curral

fica muito agitado.

Caiu um temporal,

foi chuva para valer.

Disseram na TV,

choveu no Ceará.



Alguém veio avisar

que a sorte era chegada,

a chuva abençoada

já veio para ficar.



Os meses vão passando,

o verde toma conta,

a lua fica tonta,

à noite, ao clarear.



Aos poucos, de mansinho,

o chão fica sozinho.

A seca vem reinar.

Cantando, o Sabiá

lamenta o que vê.

Seu canto quer dizer:

a chuva vai voltar.





















Panorama



Sou formação.

Sou deslumbrado perante a natureza.

Sou Pero Vaz de Caminha

e sou Gandavo.

Sou Gabriel, Anchieta.

Sou Manuel e Cardim.



Eu sou Barroco.

Sou como é.

O que é.

Sou simetrias.

Bento Teixeira,

Gregório e Rocha Pita.

Eu sou Botelho e padre Antônio.



Sou Arcadismo.

Sou Classicismo.

Sou elogio ao campo.

Cláudio, Tomás e Santa Rita Durão.

Eu sou da Gama,

Alvarenga e Peixoto.



Sou romantismo.

Sou patriótico.

Sou misticismo religioso.

Eu sou platonicamente amoroso.

Sou Manoel de Macedo e de Almeida.

Sou Alencar, Taunay e Guimarães.

Sou Franklin Távora,

Gonçalves Dias, Azevedo e Cassimiro.

Eu sou Varela e Castro Alves.



Sou Parnasianismo.

Sou Realismo

e também Naturalismo.

Busco o equilíbrio formal

e me oponho ao romântico.

Eu sou Machado de Assis,

Raul Pompéia, Julio Ribeiro, Aluisio.

Eu sou Olavo Bilac, Vicente e Júlia.



Sou Simbolismo.

Sou musical, sinestésico e oculto.

Sou Cruz e Souza

e Alphonsus de Guimaraens.



Sou pré-Modernismo.

Sou crítico despreocupado com a linguagem.

Eu sou Euclides da Cunha.

Sou o Lobato.

Sou Graça Aranha

e também Lima Barreto.



Sou Modernismo.

Sou ruptura acadêmica.

Sou fracionado.

Sou Oswaldo, Drummond e Mário.

Sou Lins do Rego,

Graciliano e Jorge Amado.

Queiroz, Meireles e Lispector.

Sou Vinicius de Moraes.

Sou poesia concreta.

Sou nada mais

que o anônimo poeta

Felinto Neto.























Debaixo do chão da casa



Era um moleque esperto.

Estava sempre por perto

quando algo acontecia.

Um dia, de um pão que comia,

cai no chão um pedaço.

Sua mãe lhe diz: - Tem cuidado,

tu vais dá gosto ao diabo.

Ele olha assustado e meio desconfiado.

Apanha a sobra e come.

Esse moleque tem nome,

é Tito de Malaquias.

Seu pai como de costume,

chega em casa achando graça.

Vai direto para a garrafa

avizinhada do pote.

Põe da cachaça, uma dose.

Derrama a metade no chão.

Quando Tito diz que não,

Malaquias fala : - É pro santo.

Eis que o moleque já tonto,

pensa: Não entendo nada.

Pois o diabo e o santo

moram juntos

debaixo do chão da casa.

















Arrasto sol e chuva



Por que as árvores resistem ao tempo?

E por que ainda estou aqui?

Se já cresci e dei meus frutos,

envelheci sobre os lutos

de muitos companheiros.

Eu continuo inteiro,

arrasto sol e chuva,

declamo à luz da lua,

os versos da insanidade

que sob à minha idade

se perdem na memória

pelo tempo.

Às vezes,

mexe o vento

com os galhos do passado.;

são toques na lembrança

de uma doce criança

que envelhece num futuro solitário.















Lua e momento



Não passei a vida inteira

sorrindo

para morrer de tristeza.

Eu pus as cartas na mesa

e mesmo assim duvidaste.

Não desejei

que o nosso mundo acabasse

e que a dúvida

nos levasse ao silêncio.

Nós dois sabemos

que o culpado é o tempo

pelo que somos agora.

Fomos outrora,

minha senhora,

Lua e momento.















Sem trinco



Eu deixei meus erros

sob os meus vícios.

Enterrei as súplicas

e o amor.



Degradei-me aos olhos

da humanidade.

Falei a verdade

disfarçada em dor.



Eu juntei pedaços

de ressentimentos.;

Sobre minha vida,

eu os despejei.



Quem sabe, talvez,

procurasse a fuga.

Mas não há saída

onde eu entrei.















Escalada



Todas as razões são impostas,

se alguém não gosta,

é apenas mais um louco.

Algumas montanhas são rochosas,

outras são de ouro.

Nada impede a escalada

simplesmente pela conquista.;

a visão apaixonada

até se perder de vista.

A vitória de um tolo.

A tolice de um morto.

As razões, ninguém explica.

























Hora de visita



São as horas,

dissipadas no silêncio.

O tiquetaquear não me aborrece,

apenas me distrai.

Não importa quantas horas eu espero,

se espero é por que quero

esperar.

Os ponteiros se movimentam

num compasso.

Entre passos dos que passam,

eu percebo que a pressa é corriqueira

e os ponteiros na carreira

se dissipam no espaço.

Meu relógio,

acredito estar quebrado,

ou meu corpo foi lançado

contra o tempo.

Não é meu esse acento

que espera alguém, calado.

Não espero nesse quarto

pela idéia de quem vem.

Abrem a porta,

ainda há tempo,

e de pé, fico esperando

a coragem me levar.

O relógio, paciente,

consciente como as horas,

não me deixa ir embora.

Foi engano, não é ela.;

eu dirijo-me à janela,

vejo a escuridão lá fora,

só assim percebo as horas

que caminham lentamente

sem cessar.

Finalmente,

brilham os olhos à minha frente.

Sei que estou apaixonado,

mas como seu advogado,

não poderei confessar.

























Poesia macabra



Tal qual um pássaro

que tem os olhos perfurados,

o mundo canta,

engaiolado,

sua nudez , sua ganância.;

em uma dança,

mantém seu ritual macabro.



Com suas bruxas e seus magos,

regride o mundo

à ignorância do passado.

Na multidão do cemitério,

na solidão do campanário,

o mundo chora o desencanto

de um futuro condenado.



Marca seu corpo, fura seus lábios.

O mundo vê-se no espelho,

há um reflexo degradado.

O mundo sente-se abandonado

pelas vontades que o cerca.

O mundo morrerá, na certa,

por culpa de seus próprios atos.



















Confissões de moldura



O meu retrato

era apenas um ornato

retirado de algum lugar do quarto.

Cansado de olhar as atitudes

alheias a mim mesmo

por ser apenas adereço,

não me sentia magoado.

À noite, na penumbra, sombreado,

me perguntava

quanto tempo ainda teria.

De manhã cedo

era apenas um objeto sem valia.;

deixado a esmo,

descuidado.

E na moldura

aprisionado, em silêncio,

sentia o lenço

que me tirava a poeira.

Ontem,

uma vida inteira

sem sorrisos, sem abraços.

Hoje,

uma pequena parte

de um mundo em pedaços.

























Inverso



Não me escondo,

apenas prefiro não ser visto.

Não porque seja um herói

nem tampouco,

um bandido.

Simplesmente,

sou um homem que constrói

num universo de versos,

um pequeno mundo

inverso

ao mundo dos sentidos.

























Nobre lição



Enfado,

eis a palavra que melhor definiria

o meu desconforto.

Eu gostaria de voltar a fazer graça

com o caderno escolar.

Entre as paredes mal caiadas da escola,

eu faria a minha história

diferente.

Eu mudaria o caminho dessa gente.

Transformaria o meu lugar.

Tenho vontade de chorar

diante de tanta tristeza.;

tem gente quando põe a mesa

é uma vela pra rezar.

Não há comida, nunca haverá.

Pois a ajuda é passageira,

tal qual a vida.

E nesse beco sem saída,

o povo tende a lutar.

Mas essa luta não é ganha com a vitória.;

o simples fato de deixar para a história

a reação

que é a mais nobre lição

que seus filhos podem herdar.



















Triste cena



Sinto

o seu pequeno coração

bater dentro de mim.

Vejo

os seus primeiros passos

no jardim.

Um belo adolescente

que me lembra

o garoto que brincava

até a pouco.

Olho seu rosto

banhado de sangue.

Eu grito seu nome,

mas ninguém pode me ouvir.

Duras palavras

que aumentam o meu sofrer.

O meu filho na TV,

um exeqüível ladrão.













Não parece



Nem parece que estamos sóbrios,

por nossas atitudes,

por nossos filhos nus,

nossas sobras no açougue.

Uma fera carnívora

com sua voracidade,

com sua sensualidade

e seu corpo cru.

A amplidão de nosso abraço,

nosso beijo traiçoeiro,

nossos vermes no terreiro,

nosso passo em falso.

Estamos à procura de quê?

Da dor alheia,

do chão que cheira

a sangue derramado

misturado a suor e a lágrimas

de alguém ao lado

do mais forte,

do mais fraco

que precisa escutar nossas ofensas.;

benevolência

de um partido proletário.



Nosso hino de louvor

não é de graça.

Não tem graça

a comédia que fazemos.

Continuamos com as máscaras da peça.

Não me peça

para sorrir o tempo todo,

para chorar

sobre a lápide cinzenta.

O meu cérebro não agüenta,

por ter sede,

por ter fome.

E onde estão todos os filantropos do cortiço?

Meu olhar é submisso,

o meu grito

é silêncio.

E quando estou calado,

o rasgo de minha voz

é ponto de luz,

é crucifixo na parede

que despenca com o barro e o barbeiro.

O amarelo de meu rosto,

o meu coração que cresce,

minha alma que se enfurece.

Eu me precipito

no abismo da revolta.

Numa volta

em meu último modelo,

uma canção lembra seus olhos,

um perfume,

seus cabelos.

Voa triste

quem pousa sobre os vícios.

Dá vontade de injetar-se a si mesmo.

Não suporta

nossas súplicas,

nem atende às injúrias.

Há quem queira pedir perdão,

um afago de mão,

uma bala perdida,

um começo de vida

num pedaço de chão.

Até parece que estou desistindo,

por eu não ser ninguém

ou será que somos nós

mais que um,

um povo,

uma civilização.

Solidão,

eu

só,

somos

nós.





























Balão



No intuito de fugir

do descrédito de meu coração

que diz não,

digo sim.



Simbolicamente,

o amor é como o ar quente

que levanta o balão.

Diminua-o gradativamente,

para por os pés no chão.



Sendo um amor duradouro

ou uma breve paixão,

eu despenco no estouro,

causa da separação.



Nas montanhas,

sobre o mar,

o amor assim viaja.

Sem pensar como pousar,

é um pagão que tem asas.

















Clássica



Quero ver as partituras eloqüentes

entre as folhas amassadas.;

uma música eterna e clássica

de um gênio diferente.



Muitos anos pela frente

num concerto em meio a praça,

a batuta de um regente

traz de volta a sua alma.



Em silêncio, a platéia absorvida,

engrandece a memória de um autor

que negou seu talento quando em vida.



Sua forma enlouquecida de compor

não marcou sua refinada harmonia

e deixou na sua ausência, seu valor.



















Juras de amor



As minhas mãos

não fazem juras.

Minhas juras são

de amor.

O amor não é eterno,

como também não

o sou.

Como vento

no inverno,

sopra minha decisão.;

por mais fria que ela seja,

mais aquece

minhas mãos.

Juro,

que as juras de amor,

sejam elas de quem for,

nunca devem ser

em vão.



















Versos que falam de nós



Sob a linha do tempo,

rabisquei alguns versos que falavam de nós.

Do encontro antigo

que ficamos a sós

para lembrar dos amigos:

“O passado, um dia sentido,

lembrado por eu e você,

que nos fez reviver

os mesmos conhecidos”.



De nossos beijos perdidos

no degrau da escada:

“Quando na madrugada,

os teus lábios toquei

na entrada da casa,

me perdi na estrada

quando a ela voltei”.



Do quintal de sua casa

onde geralmente nós ficávamos escondidos:

“O amor proibido

numa cena ilegal,

entre os galhos floridos

das árvores do quintal”.

Do mais lindo sorriso

que eu presenciei:

“Nem a lua entendia

a luz que a ocultava,

era a mais pura alegria

que tua boca expressava”.



Do mais duradouro amor que encontrei:

“Os bisnetos assinam embaixo

quão sólida é a nossa união.

Nossos corpos no solo plantados,

iremos ser flores da mesma estação”.



























Empalhado



As paredes me enquadram

em um tom monocromático,

mantêm o meu mundo estático

na forma quadrangular.



Há no teto, uma lâmpada

num movimento pendular

e no piso minha sombra

a me assombrar.



Sou apenas um objeto

colocado em tom estético

para enfeitar o ambiente

ou um cérebro doente

que desconhece a razão.



Um animal empalhado

que se sente enquadrado

na cela de uma prisão.



















Racionalismo



A minha existência

é uma breve coincidência

entre acasos.

Nas costas,

já não mais carrego Eva.

No barro

em que estou atolado,

não reconheço Adão.

Eu vejo

a humanidade afogada

em um mar de ilusões.

Com certeza nessa hora

não há arca

que lhe sirva como tábua

de salvação.

Eu lavo as minhas mãos

por não ter culpa.

Talvez sua desculpa

foi morrer.

Não haverá regresso de seus ossos.

Meus olhos decompostos

jamais poderão ver.

















Mendigo



Não que eu tenha

que sublinhar meus méritos

por ter passado

boa parte de minha vida

mendigando pelas ruas,

caminhando sobre calçadas

que por força de raízes

tinham suas pedras arrancadas.

Vi pessoas infelizes.

Dormi em banco de praça.

As maiores cicatrizes

não são marcas,

são um cancro

que mina a nossa alma em silêncio.

Nada encontrei lá fora.

Tudo estava o tempo todo aqui dentro.

Porém no mundo,

aprendi muito

do que realmente sou,

um mendigo de sonhos.



















Madrugada



Passei a noite em claro

no escuro do meu quarto

com o corpo mal coberto,

o pensamento deserto,

sem oásis.

Algumas vozes distantes.

Um barulho no telhado

(Patas que não me incomodam mais).

O ar frio que vem da madrugada

não consola,

porém me deixa aconchegado.

Há um mundo alucinado,

porta a fora,

que explorei no meu passado.

Encontro-me com o que o tempo

não conseguiu destruir,

a minha paz,

que mora aqui

nesse quarto abandonado.

















Excepcional



Habilitem-me, sonhos,

para a realidade.

Já que a minha idade

não reconhece os anos.



A minha estatura física

é estranhamente calma

diante de minha

puerícia de alma.



Vivo apenas

o que posso lembrar,

um pedaço de sol,

uma gota de mar.



Minha pessoa

para o mundo é absurdo.;

uma eterna criança

em um corpo de adulto.

















Cúpido



Tardes aleatórias

que nos levam ao delírio

da cupidez.

Tudo pode ocorrer à nossa volta.

Numa torpe embriaguez

sou apenas um,

somos mais que dois,

somos três.

































Anônimos



O melhor dos enganos

são os planos

de amor.

Ramalhete de flor

sem cartão.

Um aperto de mão

com pudor.

Um decote

que chama a atenção,

mas diz: - não,

por favor!

Um olhar

que disfarça o querer.

Camiseta com definição.

A mentira

como sedução.

Estes são

dois anônimos

que querem se ter.



















Estranhos



Sob a penumbra,

parecemos iguais.

Na claridade,

os mais estranhos mortais.

Meus pensamentos,

afligem.

Os seus atos,

comovem,

quando não assustam.

E na escuridão

silenciamo-nos.



































Ao meu alcance



Tudo que estava ao meu alcance

eram escassas flores

que simbolizavam os amores

que sobreviveram

entre as ervas

que brotavam.



Na imensa solidão de meu jardim,

as folhas amarelavam

sob o escaldante sol da quietude.

Com o ancinho da lembrança

juntei todos os amores ressentidos

espalhados pelo vento.



Sentar no banco empoeirado

não restituiu meus sonhos,

mas acalentou-me a dor.

Saber que não restava um só amor

em um jardim que foi florado

era demasiadamente frustrador.





















Resignar-se



Bela dama

que tem a face

entre minhas mãos,

implora o beijo negado.



Por quantas vezes

a olhei calado,

tal qual um menino levado

que sofre uma repreensão.



Eu sempre disse que não,

enquanto não percebia

que nada no mundo poderia

ir contra uma paixão.



Na eterna liturgia do amor,

fugir como lutar seria em vão,

numa batalha que o único vencedor

é o inexorável coração.



Eu a beijo para ser feliz ou não.

Não importa o desfecho nem o autor.

Numa peça que é regida pelo amor,

o ponto culminante é a emoção.



















A manchete



No jornal matinal,

uma manchete estampada:

uma criança fora

eletrocutada.

O poeta lê, se pergunta

e fala.

Onde estava a mãe?

Ela trabalhava.

Onde estava o pai?

Também trabalhava.

A criança então,

com quem ela estava?

Com a empregada.

O que ela fazia?

Ela namorava.

De quem é a culpa?

Do filho da puta

com quem ela estava.



















O jornaleiro imoral



E o que diria

o homem que vende jornal

na esquina,

que sonha com a quina,

da sua bela atendente

que trabalha no hospital.



Se fala bem ou fala mal,

numa conversa entre amigos

sobre artigos antigos

de uma edição especial.



Cara de pau,

os pormenores da sua vida

são tratados com o mundo.

Esse mundo imoral

quanto o desfecho final

do mesmo assunto.



Ele gostava, afinal,

dessa conversa banal,

quanto essa vida,

que tem medida

mas que mede muito mal.

Um acidente fatal.

Noite agitada.

Uma atendente que corre

desesperada.

Seu homem vira notícia

depois que morre.

O jornaleiro imoral.































Em qualquer lugar que vou



Não importa

os lugares aonde vou,

o céu continua o mesmo.

Apenas entre opostos

eu me acordo

ou simplesmente adormeço.

Uma árvore

protege-me sob a copa,

do sol que eleva o calor.

Do outro lado,

a lua deixa exposta

a antiga rua onde estou.

As pessoas

agem sempre da mesma forma,

não importa

sua língua, sua crença ou sua cor.

Os seus gestos e atitudes,

sejam eles

na infância, na velhice ou juventude,

são os mesmos

em qualquer lugar que vou.





















Poema de quem ama



Para a flor,

o jardim não seria

o mais belo lugar.



As estrelas

não seriam guia

para o barco

perdido no mar.



Não teria valor,

o brinquedo

que a criança

ainda sonha ganhar.



Nem seria o amor,

poesia,

sem os versos

de quem sabe amar.













O herói maluco



Nas andanças das histórias,

sou o herói

que valsa e chora,

que é cético,

e ao ver

diz que é ilusória,

a mais real criatura.

O meu corpo

é esquelético

e não tenho muita altura.

Uma espada não perfura

o meu elmo.

À procura da princesa

que mantém uma chama acesa

na masmorra de um castelo,

eu cavalgo dia e noite,

uso versos como açoite

em meu cavalo Fantasia.

Eu descanso muito pouco

declamando como um louco

a mais triste poesia.



























Uma escola especial



A construção ainda intacta

com suas telhas em declive.

Suas paredes brancas,

suas enormes salas

com portas azuis.

Grades de ferro nas janelas.

Um enorme pé de cajarana

na entrada.

Um pequeno parque de madeira

com as cores amarela e vermelha.

Um mato que precisa de um corte.

A alegria das crianças que percorrem

os grandes corredores.

Novas e antigas lições.

Pessoas que amam o que fazem.

O que as crianças trazem,

energia e impaciência.

É um mundo de ciências,

de sonhos e ilusões.























Modernas



As horas são efêmeras

como muitas mulheres de agora.

Senhora,

dona de seu novo nariz,

é mais feliz

com o silicone comprado.

Seu corpo coberto de outrora,

é o tempo todo mostrado

de forma um tanto banal.

O seu botoque

não é mais um adorno facial.



As horas

não são submissas aos homens,

são como algumas mulheres de agora.

Não querem ser Victor.

Vitória é sua bandeira moral.

Não mandam,

só querem respeito.

Ter peito não é sensual,

é mais que o devido direito,

é um ideal.



O que são os homens,

senão,

um antigo relógio enguiçado.

O toque do velho pecado,

sua única salvação.

A elas pertence o porvir.

Senhoras,

sem horas,

estamos condenados

a não existir.





















Mancha de tinta



Em um rascunho final,

sobra de tinta.

Queimei o sol

que o meu corpo detinha,

projetando minha sombra num paiol.

Fiz labaredas,

com o mesmo pincel

pintei o céu

e a terra fria,

e lancei poeira

que o vento volvia do chão.

Mancha de tinta sobre o velho calção.

Fogueira extinta.

Um tom de cinza

no antigo galpão.

Com minha mão anuvio o céu.

Com um pequeno pincel

pingo a chuva.

Engrosso a tinta,

ponho uma luva,

dou uma estranha versão

à aquarela,

uma ilusão de que ela

está sem cor.





















Pseudônimo



Tento olvidar

meu pseudônimo

escrevendo o seu último poema.

Para assumir minha existência,

deixarei de ser

anônimo.

Minha tradução

não é lingüística,

é filosófica e existencial.

Talvez eu seja o falso

e o meu pseudo,

o real.

Serei eu o homônimo

do autor dos versos meus.

O meu nome

foi tudo que me restou.

Mas não haverá vocábulo

que defina

quem verdadeiramente eu sou.























Elétrica



Um pássaro

pousou no fio de alta tensão,

sem pretensão.

Bica o fio abaixo de si.

Um barulho.

Um torrão.

Isso aconteceu

em um trecho inacabado de uma rodovia.

Em que lugar?

Em qual época?

Não importa.

Era apenas um pássaro

e a distribuição de energia elétrica.























Com exceção do telhado



Entre os coqueiros,

o vôo da andorinha

que plana sob os pingos da chuva

que cai

sobre o telhado da casa

que está

sobre a areia macia

da praia

que sob o céu azul

parece um imenso espelho

que inspira esse poema

sobre um pequeno quadro

pintado pela mão

da natureza.





















Namoro



Não foi por zelo

ou por compreendê-la,

nem a plena certeza

de que a queria.;

foi a piedade de teus lábios

que me permitiram

beijá-la,

que da noite pro dia,

a vida

a tornou minha namorada.



Não foi excesso de sonhos,

nem de palavras,

nem a intimidade de nossos corpos,

foi a precisão de nossos passos

em direção um ao outro

que concretizaram em aliança

o nosso eterno namoro.





















Poema de parede



De uma antiga casa

abandonada,

restava

uma parede de pé,

como o último resquício da fé

de um homem condenado.

O poeta

que não era observado,

rabiscou no reboco envelhecido

alguns versos que ficaram conhecidos

por poema da parede:

Megalito

da tristeza e do sorriso,

sustentei em um dos lados

sua rede.

Em criança, punha o braço

e em mim chorava

e me acariciava

por sobre a foto pendurada

em um prego cravejado no meu peito.

Quantas vezes a pintura foi mudada.

Nas reformas

fui poupada.

As histórias

que contava aos seus netos,

eu estava ali,

tão perto,

que podia escutá-las.

Mas um dia

você partiu

e consigo a família.

Nada mais me restaria.

Com o teto descoberto,

toda a casa desabava.

Eu continuei erguida

para me tornar poesia

de um poeta que passava.





























Por ciúme



Na praça,

num movimento angular,

apenas nos distanciávamos um do outro.

Nada reconstituiria esse amor.

Talvez não fosse tão forte

quanto nossa decisão.

Meu álibi seria inovação.

Meu cálice cheio de despedida,

uma bebida amarga,

um brinde

a nenhum de nós dois.

Mãos trêmulas,

choro contido

nas pálpebras borradas de ciúme.





















A morta



Aura da chama

de uma vela apagada.

Sua voz se cala

sob o peso da areia.

A lua cheia

ilumina a nossa cama.

O amor me engana,

vendo a alma que passeia.

O sol clareia,

desfazendo a sua imagem.

Volto a ser parte

de uma vida em solidão.

Entre meus braços,

só me resta uma vontade:

que essa realidade

seja apenas ilusão.

























Soneto do verdadeiro amor



Abdiquei de tua companhia

e desejei tua felicidade.

Se assim não fosse, eu não teria

no peito a mais nobre qualidade.



Restou-me a solidão no dia-a-dia,

também a poesia e a liberdade.

Se para mim, meu coração mentia,

o meu amor dizia a verdade.



O egoísmo que em mim crescia

era o ciúme disfarçado em lealdade.;

venceu o amor, em forma de amizade.



Talvez amar assim seja utopia.

De outra forma só seria vaidade.

O verdadeiro amor tem hombridade.

















Sem definição



Não serei porquê,

resposta ou sim.

Não serei o que

já sei de mim.

Não serei para mim,

o que é você.

Não serei ninguém.

O que hei de ser?



Eu serei palavra

feita por giz

que se apaga

ao passar a mão.

Serei frase solta

que me diz:

és uma pessoa

sem definição.























Lambuzadela



Meus vasos não são sangüíneos,

são de barro,

para acomodar minhas raízes

que não precisam de estrume,

pois são minha língua

que não lambe, fala,

e são meus costumes

que não morrem

por serem lembrados.



Seus lábios,

grandes e pequenos,

não me beijam,

porém fecham o meu esporo hereditário em seu interior reprodutivo.



Meu fruto

é amadurecido

na imensa árvore genealógica.

Meus membros

são da família,

primatas modernamente instintivos.

Entre fauna e flora,

sou mamífero vegetariano.



























Alcouce



Bela senhora

que me espera na sacada.

Ao chegar,

logo indaga:

- Veio me ver?

- Quem sou eu, sem ver você.

Vim vê-la sim.

Em minhas mãos,

uma rosa a pouco regada.

- A colhi em seu jardim.

- É para mim?

Muito obrigada.

- Não há de que

minha senhora.

Foi colhida para você.

Sinto no ar um perfume

que agora me confunde

se é da rosa ou de você.

Sua face ruboriza.

Estende a mão e indica

o caminho para a entrada.

Abre a porta,

eu adentro.

Subimos ao mesmo tempo

pro maior quarto da casa.

No corredor,

movimento,

finjo não ver e disfarço.

Semi nudez.

Outra vez,

um casal desenrolado.

Sussurros, gemidos e risos.

Eles parecem felizes.

Sob a pele, cicatrizes

que elas preferem ocultar.

- Beije-me.

Tento falar,

mas seus lábios não me deixam,

enquanto os meus

não se queixam.

Ela é a dona do lugar.























Na cabeceira



A quantas horas,

os anúncios e as vozes.

O sono me embala

com baladas.

O chiado e as vozes engraçadas,

aparenta está mal sintonizado.

Na madrugada,

uma companhia que ignora o silêncio.

Em meu sonho ando por dentro

do transistor.

Com a cabeça

sobre o macio travesseiro,

escuto o meu companheiro

que estava fora do ar.

Fora de mim,

personalizei o objeto

e em meu próprio universo

fui notícias vagas

em ondas sonoras.

Sinto estar de volta.

Sua voz me acorda

ao desejar

bom-dia.

























Simplesmente gente



Não importa quanto tempo faz,

nada me trará de volta,

a não ser, suas lembranças.

Não tenha revolta.

Mantenha as esperanças,

eis o dom de viver.

Siga a sua vida,

só assim descanso em paz.

Não me queira mais

do que já me teve.

Para você é um mistério

do começo ao fim.

Para mim

é um pequeno segredo.

Nunca tive a pretensão de ver Deus.

Deus estava em todas as coisas

e eu jamais o enxerguei.

No sorriso das crianças,

no abraço dos amigos,

na compreensão dos que amam.

Mas em minha imperfeição

em um poço de emoção

mergulhei profundamente.

Eu fui simplesmente gente.

Não um anjo desgarrado

ou um diabo inocente.

Estas palavras

é para quem fizer sentido.

Se o dedo de um espírito

poder tocar seu coração,

que seja o meu.





















Eco da cova



Partiu bruscamente

a alguns anos.

Nossas recordações o mantém vivo.

Continuemos a vida

e louvemos sua memória.

Sua história

é a de um homem comedido.

Por ser humano,

era passível de erro.

Mas seus defeitos

não importam agora.

A sua estada

na terra acabou-se

e lá no cosmo

abriu-se uma porta.

Para os que amava,

deixou o silêncio.

Porém sua voz

ainda ecoa da cova:

- Sigam o amor.

Sejam livres.

São as palavras

que Deus nos evoca.





















Ampulheta



Ainda sinto o vento

que apaga

a chama em mim acesa.

Meu copo

emborcado sobre a mesa,

ampulheta

que o meu tempo

marca.

Há grãos de areia

no silêncio,

espalhados pela casa.

São anos cremados,

em cinzas.

Não me resta nada,

além de minha

ampulheta.

















Refrão



Andei só,

além do meu limite.

Nunca desiste,

um coração que ama.

Poucas noites,

suporto a nossa cama,

sem sua companhia.

Acompanho,

dos ponteiros, o movimento.

Conto as horas

como um velho passatempo.

Nada importa,

enquanto em nossa porta,

sua mão não bate.

Quando invade

meu ser, a solidão.;

meus olhos

começam a chorar,

meus lábios

repetem o refrão:

ela vai voltar.

























Na estrada



Ainda quero de ti,

benevolência.

A solidão é extensa

na estrada tempestuosa.

Uma curva tão sinuosa

que faz tardar.

Nas margens pude encontrar

diversas rosas.;

nenhuma delas

conseguiu me consolar.

Havia água

no extenso talude.

Um grande açude

começava a se formar.

Entre as lágrimas de meu pranto,

eu via a chuva,

a estrada, a curva

e o seu avejão

a acenar.

























Absconso



Rabisquei versos

que falavam pouco.

Rabisquei outros

que nada diziam.

O que seriam?

Versos mudos,

roucos,

ou versos soltos

que não me serviam.



Rabisquei versos

em um livro morto.

De um jeito torto,

versos diferentes.;

distantes, sempre,

dos que pensam novo.

São versos toscos,

loucos e descrentes.































Evidencio



Só imagino o que estás fazendo,

revendo um pouco do meu coração.

Alguém diria que é ilusão.

Até parece ser, assim dizendo.



A solidão, mesmo que em pouco tempo,

move seus braços e procura mais.

Assim é a falta que você me faz,

a mesma ausência quando abraço o vento.



Escuto a voz que em mim silencio.

Tal qual moinho destrói a amêndoa,

eu piso o seixo que atravessa a senda.



Fecho meus olhos para tê-la presente

diante do imenso sol poente,

o nosso amor assim evidencio.















Delirante



O tredo terreno arenoso

prende meu pé, pesando o meu corpo

no arrastar de velhas alparcatas.

Já próximo do lago

avisto a tranqüila água

tal qual o leite coalhado

na panela de barro.

Arrastando-me, esbarro

nas árvores ribeirinhas.

Descanso na sombra

que há pouco, sozinha,

servia de descanso a algumas rolinhas

que voaram para os galhos.



Entre folhas e ninhos,

eu diviso o céu

num azul de pincel

esfregado na tela.

Volto a água tão bela,

olhos quase a fechar

pelo sol que está

por lentes ocultas

a procura da lua

no mais profundo mar.

Submersas minhas mãos em concha,

trazem-me à face tonta,

uma clarividência.;

quando os olhos que na água trêmula,

fitam distorcidos

o meu eu perdido

na própria ciência.

A tarde foge.

A noite se insinua.

No iluminado lago

surge a imensa lua

e não distorce o meu eu molhado.































Dobraduras



Carta relida

em silêncio,

vinca por dentro

numa dor aguda.

A mesma carta

que se dobra

e guarda

sob o livro

que a gaveta

oculta.





























O pajem



Apenas me situo entre eles.;

os que desprezam as peças

da artilharia.

Eu morreria ante a guerra,

com um olho eu não faria

pontaria.

Quem em um corcel

não correria

quando sua montaria

era apenas nuvem e céu.

Antes de perder-me

nesta ilusão,

fiz uma alusão a um grande herói.

Quantas selas pus sobre meus ombros.

Uma veste suja me enxugava.

Não esporearia o meu desgosto

nem o corpo do ferido animal.

Minha lança

não faria mal

ao arcabouço defensor.

Um extenso reino

desabou

e entre os escombros

surge o povo.

Reina absoluto sem heróis.

Sendo pajem,

sendo vagem

para alimentar a todos nós.















































Fantasia de um plebeu



Eu faria do sol, anel dourado.

Colocaria em teu dedo, como aliança.

Na mão direita reluziria esperança.

Eis que seria o mais belo noivado.



O céu em minha cabeça, coroado.

Faria do mar gelado, salão de dança.

Em seu cabelo molhado, uma trança.

Com os cometas, um tapete desfiado.



O casamento marcado há um ano luz,

seria então consumado no céu,

com as estrelas em forma de cruz.



O mundo inteiro faria o seu véu.

A tudo isso, a verdade reduz

à realidade de nossa lua-de-mel.



















Longe



Longe de cada beijo,

de cada abraço.

Distante um passo,

de mim mesmo.

Longe, acordo cedo

e em mim descarto

a última chance.;

desespero.

Longe, também me calo.

Já não me vejo.

Sou ela

e não me trajo.

Sou eu,

não a desejo.





















Precoce



Envelheci mais anos

nessa cadeira

que envelheceria

a vida inteira.

O resto de meus dias

envelheceria

nesta sala vazia.

Envelheci mais cedo

por não acordar

para ver no espelho

que eu não iria parar

de envelhecer.

























Torneio



Sob tétricas notícias,

encosto o jornal.

O cansaço é natural.;

a espera é cansativa.

Em nossa despedida

tudo foi tão mal,

numa pressa imprevista.

Ante o olhar alheio

nos tornamos veio

de degradação.

Do suposto torneio,

houve perdedores,

nenhum campeão.























Carne



Carne minha

que sobre a terra caminha

sem descanso

à procura de uma saída.

Dentro de ti,

tem vida.

Fora de ti,

engano.



Casas soberbas em ruínas.

Enquanto caminha

minha carne,

sinto que arde,

os olhos que perscrutam

meus anos passados.



Carne de pouca duração

que já não mais

caminha.

Carne em putrefação

que já sem mim,

germina.



























Inveterado



Baiúca que consola o meu pranto,

meu riso tonto,

minha doce embriaguez.

Em copos mal lavados,

tiro um trago.

Nos velhos dados,

aposto minha vez.



A cada gole,

esmero e bom trato.

Torno-me de fato

um áulico, um burguês.

No meu cotidiano instituo:

não há recuo

diante da escassez.



Meus lábios ressecados pela sede,

levantam-me da rede,

é preciso me inspirar.

Assim vou encontrar,

entre conversas,

os amigos que na pressa,

esqueceram de avisar.



Quem sabe sepultá-los é destino.

E sobre copos,

o tempo todo, rimos

da nossa mais feliz e nobre graça.

A toda hora nós mesmos nos servimos

do mais doce e fino vinho

e da mais pura cachaça.



As brigas são remotas.;

o vício nos comporta,

nos matem sempre em contenda.

Espero meu amor,

que um dia entenda.

Não a substituo,

apenas a divido com a boêmia.



Às vezes, chego em casa, amparado.;

mantenho o brio.

Mal fecho a porta

começa o desafio.

Mas nada nessa vida me importa

se eu tenho a boresca

ao meu lado.



A meretriz que olha de soslaio.;

o velho papagaio

pede a conta.;

na mesa alguém aponta

para a rua,

uma negra semi-nua

que passava.



Saímos todos juntos

pra calçada.

Um copo e uma garrafa,

as nossas companhias.

Agora que o dia

amanhecia,

há tempos que a gente esperava.



Não sei se é teimosia

ou obstinação.

Diz minha sogra em casa:

é o diabo, é tentação.

E diz isso com raiva.

Talvez tenha razão.

Pois essa maçangana é endiabrada.



Em minha inópia,

não de cabedal, mas de alma,

cheguei a abjeção de minha carne.

Em parte estou sujeito

à morte ingrata.;

um merecido escarmento

de minha parte.



Não foi de dia.

Foi numa noite clara.

Olhei pra lua

e prometi a mim:

Jamais verei a vida da sacada.;

sempre estarei na rua

em frente ao botequim.



De compleição mortuosa,

sou um sequioso centenário

que mesmo à beira da cova

não esquece o calendário

e se entrega à dengosa

em seu último aniversário

e apifa bêbedo.

























Meu irmão



E talvez,

seja assim meu irmão:

Entre o peito

e a razão,

seja a dor.;

de um galho de flor,

seja espinho.;

de um ninho,

seja seu abandono.;

de um casebre sem dono,

o telhado.;

de um velho curvado,

seja as costas.;

da encosta,

seja o mar revoltado.;

e calado,

a tristeza e a lógica.



















Flor bela



Doce princesa,

nasceu como flor.

Buquê de amor

que não se põe na mesa.

Talvez seu sangue não tenha nobreza,

mas tem a sua letra em versos, valor.



Tão bela flor,

criou a natureza.

Enquanto a mesma

em si, desabrochou.

A irmã que amou

acima da certeza.

Tanta tristeza

que a flor em si murchou.



Os seus polens espalhados pela areia,

são a sua poesia

que ainda hoje semeia

seu olor.

Bela flor,

entre páginas,

és a chama que clareia

o amor.









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