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Poesias-->Quadrilátero -- 12/07/2006 - 15:17 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prólogo



Não é questão de vangloriar talento, mas de destacar a inegável disposição de um poeta em absorver-se no mundo dos versos e transporta-lo ao de cada leitor através de linhas tracejadas entre quatro paredes em ângulos retos deste Quadrilátero.

O poeta norte-riograndense, João Felinto Neto, desvencilha-se mais uma vez da subserviência ao esnobismo e volta-se ao prosaico em versos ecléticos que redundam à páginas neste Quadrilátero.

Quadrilátero enaltece os versos como a forma geométrica, os cantos.

São poemas despojados de limítrofes, apesar dos ângulos que definem o Quadrilátero.

Ao buscar a verdade, o poeta submerge em infinitas divagações e obtém sucesso nas palavras certas que caberiam como um encaixe de tábuas a formarem um belo caixão.

Quadrilátero nos faz entender que poesia é um misto de razão e loucura, de amor e ódio, de tristeza e alegria, de belo e feio, é uma dualidade oposta, um paradoxo de si mesma, uma antítese, um eterno vão por onde passam as almas.

As páginas de Quadrilátero são como becos estreitos dos quais dá para observar a imensidão de um edifício, o mar à distância, uma praça, e ao mesmo tempo, os mendigos, os bêbados que neles se encontram.

Encante-se com os versos espalhados pelas páginas como folhas que despencam dessa enorme árvore que é a poesia.; caminhando com seus olhos por esse mundo quadrado que é o livro de título Quadrilátero.



Sebastião Arruda

















Quadrilátero



As cartas

são entregues em silêncio.

A mesa

com seus lados desiguais.

Pela janela,

o dia sopra o vento.

A sala

com seus cantos casuais.

E pela porta

vê-se a mesma forma

na cama

e no espelho emoldurado.

Na capa

de um livro folheado,

lê-se

quadrilátero.















Terra batida



Os meus ombros,

sob minha sede.

O meu riso,

em cima da parede.

Não há nomes, falas e porvir.

Não há nada

além do meu sentir.

Meus segredos,

dentro de um baú.

Os meus braços abertos,

Norte e Sul.

São muitas passadas.

São léguas seladas

sobre ti.

Não procuro mais você aqui.

Um pote de lama.

Esqueleto sobre a cama.

Sob ela,

um prato de costela

pra servir.

Não se come à mesa.

Sobre o chão

a velha esteira.

Sem razão,

eu canto pra ouvir.

O meu canto é pra ferir

vocês.

Uma rede na estaca.

Uma cabra no quintal.

Conto estrelas mais uma vez.

Temporal

de lágrimas,

de varas,

de pó,

de porém.

































Duas metades



Não sou todo alegria,

mas sou sempre pensamento.

Nem sempre venho de dentro,

de fora nunca viria.



Mas de onde então viria

o que vem me completar.

Talvez venha do lugar

de onde vem a poesia.



Não sou eu apenas dia,

nem só noites eu seria,

mesmo sendo um só querer.



Além de mim eu veria:

Uma que eu mesmo seria.;

outra que eu não posso ser.















Gorjeio



Pousa ao acaso

ou talvez escolha.

Movimenta o galho

à toa.

Canta com o vento

a soprar-lhe as penas,

um breve momento,

apenas.

Um eterno silêncio,

faz a natureza.

Se entrega por inteiro.

Agradece ao tempo,

estático,

com um poético

gorjeio.

Abre as suas asas

numa despedida.

Lança-se na vida

para um outro galho.













Absoluto



Minha face

parece estarrecida

com o que vejo.

Fecho

os olhos que lacrimejam

minha vida.

Tantos becos,

portas, janelas e venezianas

sem saída.

Planejo dias

em que realizo sonhos.

Não me deixo morrer

sem correr atrás,

nunca me deixo.

Se você não reage,

reajo pelos demais.

Ser prisioneiro

é o que mais fere.

E o que fere

se torna absoluto

e nos priva

da realidade.















Pano de fundo



Acordei entre tanto barulho,

era o mundo

que me despertava.

Minha vida

é meu pano de fundo.

Meus brinquedos,

uma imagem gravada.



Levantei-me

com o claro do dia.

Caminhões e tratores na estante.

Miniaturas de minha alegria,

que aos meus olhos

se tornam gigantes.



Rabisquei

minhas primeiras letras

nas revistas que meu pai me dava.

Quantas vezes olhei as estrelas,

de pé

na sólida calçada.



Eu me calo

diante da vida.

comovida

uma mão me abençoa.

Não pra ver

o seu filho à toa,

mas por vê-lo

no mundo.



Não sou símbolo,

nem bandeira hasteada.

Sou menino

sem farda, nem glória.

Minha história,

a única arma.

Minha honra,

a minha memória.





















Hostil



Meus dedos tocarem,

é descrença.

Não acredito em milagres,

sem ofensa.

Não penso em demasia,

apenas deliro

em cada poema.

Não desanimo entre verbos,

nem entre versos de amor.

Não me jogue tão rápido,

mesmo que queira.

Pois não estou à beira

de um precipício.

Talvez não tenha motivo

para envelhecer.

Apodreço

sobre meu próprio cadáver.

E mesmo assim

renego

o seu eterno céu.



















Canção de adeus



Todos os teus beijos

eram meus,

e só por mim

tu derramaste tantas lágrimas.

Toda a tua saudade

era por minha falta.

Assim todo meu mundo

era teu.

E o teu silêncio foi maior,

foi bem maior que a solidão.

Enquanto eu mudava a voz,

tu mudavas o coração.

E sobre nós

nada mais restou

além dessa triste canção

de adeus.

















Fruto de um sonho



Achava que o mundo em que vivo

era só sonhos.;

que cada um tinha um amigo.;

que ninguém passava fome.;

que era respeitado o sobrenome

independente da cor.;

que todo jardim

tinha flor

e que a vida não tinha fim.;

que o homem sentia dor

diante dos atos seus.;

que adeus,

era apenas espere por mim.



Mas vi a vida chorar

e descobri que para crer

era preciso enxergar.

Enfim eu pude notar

que a vida ficava velha.;

que havia fome e miséria.;

que o homem fazia guerra

e destruía seu lar.;

que nunca mais,

era adeus.;

que o amor

era fruto de um sonho

que a mãe chamava de Deus.



























O pedido



- Eu vou pedir-lhe uma coisa,

disse-me, um dia, um amigo,

deixe a poesia de lado,

ela atrapalha o trabalho,

você não ganha com isso.



Eis um terrível conselho,

alguém pedir para viver

metade e não por inteiro.

Não me peça para parar de escrever,

eu preciso copiar o que vejo.



Você vive só de ganhar.

Já eu vivo só de perder.

Perco a vontade de ser

o que um dia você será.



Cada qual será mais feliz

limpando seu próprio nariz.

Poesia é para mim,

vontade de respirar.



Mesmo que eu perca os cabelos,

o emprego ou a minha esperança,

não me peça jamais para tirar,

a poesia da minha lembrança.





































Gênero feminino



Uma de cada vez

a natureza fez,

na ponta das unhas,

as três:

a vida,

a mulher

e a lucidez.

A vida, a primeira das três,

ela fez para se aproveitar.

A mulher, a segunda da vez,

ela fez para se amar.

E a terceira, ela fez

para as duas saber contornar.























Senhora



Há de ser, senhora,

minha honra.

Um homem não sonha,

sem mulher.

O pouco da força

que o acompanha,

vem de sua fé.



Há de ser, senhora,

minha dona.

Na batalha, tomba,

o homem só.

A sua fraqueza, a distância.

Um laço sem nó.



Há de ser, senhora,

minha sombra.

A história conta

o que a vida é.

Quando o sol desponta,

um homem sem sombra

não sabe quem é.

















Um enigma



Égide do coração,

Soma e subtração.



Temo não poder te dar

Uma única definição.



Mulher,

Um enigma, talvez.

Liberdade ou prisão?

Hoje és dúvida,

E amanhã,

Resposta ou indagação.

























Senhora do mundo



Uma bela forma.

Uma compleição humana.

Dama de beijo ardente.

Mãe de eterna compaixão.

Em teus olhos, sedução.

Em teu útero, a vida.

Tua condição erguida

com a força do querer.

Não se sabe o porquê

dessa insinuante flor

que exala o amor

sobre um pobre jardim

que o homem quer por fim

o domínio e o poder.





















Conflito



Vejo um homem

em conflito

sob os dogmas da fé.



A razão,

não duvido,

a mulher.



Quando pensa,

não a quer.

Quando a quer,

não a aceita.

Mas à força do amor,

se sujeita.



Vejo um homem

perdido

a procura de si mesmo.



Os seus passos seguir

uma ponte estreita.

O seu corpo

eu vejo cair

sob os pés da mulher que o rejeita.

















Ela



Ela me leva,

me engana

e ainda me desafia.



Levou meu corpo

para a cama,

enquanto me distraia.



Deu-me o fruto do pecado,

enquanto Eva,

e compensou com redenção,

quando Maria.



Em Joana Darc

foi Vitória,

também rainha.

Já foi de todos

e só minha.



Ela é pouco e é demais.

Como Helena,

ela foi guerra.

Como Tereza,

ela foi paz.



















Mulher



A beleza

muitas vezes é embaraço.

A inteligência,

de fato,

impõe medo.

A extrema humanidade

soa frágil

numa força

que mantém em segredo.



A vontade de ser mãe

é verdadeira.

A fidelidade

é mais do que respeito.

Na última hora

é sempre a primeira,

onde cada um

reclama o seu direito.



A sedução

em sua mão

vira conquista.

Dona da vida

e de todo coração.

Tem o poder de conquistar

tudo que quer.

Eis a razão

de sempre ser

mulher.



























Soneto à mulher



Não há definição que seja exata.

Não há palavra que possa dizer

o quanto a mulher é necessária

para que um homem suporte viver.



E mesmo aquele que é cego pode ver

o quanto é feliz uma mulher amada.

O homem é um colibri a perecer,

sem a mulher, que é a flor encantada.



Antes que seja tarde para rever

os erros de uma vida solitária,

deixe passar a luz do bem-querer.



Encontre uma mulher para manter

a porta do amor escancarada.

Que belo ser, uma mulher iluminada.















O acólito



Surpreendente o acólito

em sua sepultura.

Em noites obscuras,

andou por entre lápides.

Seus mestres eram padres.

O seu gibi,

a bíblia.

Não era de amigos,

neles via víboras

que seguiam Satanás.

O que diziam os pais,

para ele não valia.

Seus passos só seguiam

a cruz do redentor.

Seus laços de amor

era com gente que morria.

A sua alegria,

era na maioria,

tristeza de alguém.

Pois se sentia bem

quando Deus não atendia

ao pedido de outrem.

Um dia encontrado,

com o dobrar do sino,

seu corpo pequenino

na corda pendurado.

Talvez tenha achado

a graça do destino

e ver lá das alturas

o mundo aqui embaixo.





























O mundo à luz do dia



O poeta senta calado

e observa ao seu lado

o que passa na TV.

O que vê?

Apenas o tédio.

E não vê nenhum remédio

para o mundo que ele vê.

O poeta

só pensa em se esconder

desse mundo imaginário,

tantas peças e cenários

na mesmice do viver.

O poeta

jamais pensou em morrer,

mas morre em seus excessos

de sonhos por tanto escrever.

O poeta tira os olhos da TV.;

olha o mundo que há lá fora,

nada mudou desde outrora,

mesmo assim, quer viver.

E viver, para ele, é poesia.;

é aceitar à luz do dia,

esse mundo que ele vê.

















H2O



Meus pés, sob a água

que escorre pelas pedras,

se consomem me levando

em lágrimas, sangue e suor,

por eu ser predominantemente H2O.

E no mais profundo do que sou,

mergulho em mim.

Agora sou moléculas de água.

Integralizo-me à fonte,

desço do monte

e reflito a imagem da ponte

que sobre mim, estática,

sustenta as pessoas que me olham

e não me percebem.

Não sou outro.

Não sou morto.

Não me encontro só.

Sou universalmente

H2O.















O fruto



Observo o fruto podre.;

nele ainda há vida,

uma lagarta escondida

no seu interior.

Desde quando era flor,

sempre a vida se sustenta,

no vôo do beija-flor,

na ave que se alimenta.

O fruto cai, esquecido,

até que uma mão o pega,

um olho o observa

e lembra a vida que o cercou.

























Os pássaros



Os pássaros,

inquietos entre as telas do viveiro,

deixam-me indignado.

Mas o que tenho eu

com os pássaros presos.

Que estejam presos ou soltos,

são apenas pássaros.

Mas os pássaros estão vivos

e querem voar,

e seu vôo é sua liberdade,

e sua liberdade é de meu interesse,

posto que sou

subjetivamente livre.























Aflição II



Eu parei no tempo,

todo o tempo

do que o tempo todo

eu seria.

Eu voei nos ares

por todos os lugares

junto à ventania

e chorei saudades

pelo que não sei.

Mastiguei sorrisos

na boca doente e vazia,

e menti verdades

que eram na verdade

enormes mentiras.

Eu cuspi palavras

que se misturavam

à minha saliva.

Quem sou no momento?

Não escuto o vento.

Não importa o tempo,

eu sei que jamais

escutar-te-ei.















Espelho ocular



O olho alheio

é o pior espelho,

exigente com a forma que não vejo.

Sua imagem reflete uma opinião,

na maioria das vezes, falsa.



Não importa a imagem espelhada.

No reflexo alheio,

seja belo ou seja feio,

o modelo é uma figura embaçada.



A imagem muitas vezes invertida,

tão perfeita toma a forma desbotada.

Pois quem vê são os olhos do desejo,

um espelho que inveja

a imagem espelhada.



Mas talvez o meu espelho me engane

e eu veja uma forma irreal.

Se eu não sou o que eu vejo,

talvez seja o meu desejo

tudo aquilo que eu vejo

no espelho que é real.



Talvez o pior espelho

seja mesmo o próprio eu.

Engano-me, fascino-me e tenho medo

que tudo aquilo que vejo

seja na verdade eu.



























Guerra ilusória



As atitudes humanas

não me surpreendem mais,

mas não sou alheio a elas.

Não sou alheio às dores desse mundo.

Não sou imundo

para só chorar por fora.

Triste história,

a que estamos escrevendo.

Gente morrendo

numa guerra ilusória.

Que as linhas sejam retas e/ou tortas,

o que importa

é o que nelas escrevemos.

Nossa mesa de acordos é quadrada.

Nossa pacificação é guerra.

Qual será o nosso céu,

se essa é a nossa terra?

















No vão da porta



Eu não sabia

se entrava em casa ou saía

para a rua.

Minha percepção nua e crua

fazia-me sentir tal qual a porta.

Então viro as costas

para a sala.

Agora, a porta em meu lugar,

ou seja, em seu lugar,

percebe meus anseios

que no vão deixei.

Saio à rua

e pelas calçadas vagueio.

Olho as casas fechadas.

As portas resguardando os lares,

e em seus lugares

quantas pessoas ficam

por um instante

de indecisão.;

por uma decisão

que mudaria suas vidas.

Não me coloco entre elas,

porque vivo só.

E ao voltar para casa

passarei pela porta

que não se importa

se eu saio ou entro.

E lá dentro

não há tradições

e nem lições,

apenas emoções ilusórias.





























Oculto



Há muito que não me percebia.

Talvez por que cresci.

No meu tempo passado,

eu não via

que meu pai, ao meu lado,

queria

que eu estivesse ali.;

uma criança que acreditava

no que ele dizia.

Então meu pai

gritou, um dia:

- Filho, onde estás?

Percebendo o meu fim,

com a voz a sumir,

respondi:

- Estou aqui,

ainda dentro de mim.















Dia santo



É dentro dos jardins,

onde há flores pequenas,

que aprendem, serenas,

a dizer não ou sim.



É bem perto de mim

que se passam as coisas,

que se matam pessoas.

Não percebo meu fim.



Hoje é um dia

como qualquer outro.

Hoje, eu preciso ensinar alguém.



Um dia de cão.

Um dia de louco.

O que faço é pouco,

por isso faça também.



E é assim

que desarmo revólveres.

E hoje

é um dia santo.



Morcegos



À noite

espanto morcegos

na escuridão de meu quarto

mal iluminado.

E no dia seguinte

meus sonhos foram desfeitos.

No chão,

não há marcas de sangue,

nem vestígios de luta.

E com os olhos vermelhos

do pouco que dormi,

vejo no espelho

olheiras de uma noite de vigília.

Não tenho companhia.

Minha amante, nunca a conheci.

Talvez por isso mesmo,

os meus pesadelos sejam tão reais.

Somos animais

e não sonhamos sós.

E na escuridão

espantamos a esmo

nossos próprios morcegos

que se tornam pó

ao amanhecer.

















Pretérito



Ajo

como se nada houvesse,

como se tudo fosse.

E ao mesmo tempo

eu me surpreendo.

De tudo que conheço,

nada sei.

Se nada sei

de tudo que inexiste,

nada me surpreenderia mais,

se tudo houvesse

e nada fosse.





















Primata



O que quero com o meu grito?

Sou apenas um primata esquecido

pelo homem do futuro.

Eu dormia no escuro.

Minha fala era um grunhido.

Hoje falo até demais.

Sou um louco convencido.

Os meus gestos

eram de sobrevivência.

Os meus atos

são agora, violência.

Eu seguia os passos de meus ancestrais,

que para os meus filhos,

são ferozes animais.



















Os sentidos



Um mundo cheio de careta,

na escola,

na tv,

nos desenhos de caneta

que risca tudo que vê.



Um mundo cheio de barulho,

no entulho,

no bueiro,

nos velozes motoqueiros

que atropelam sem querer.



Um mundo com hálito podre,

nos esgotos,

nos açougues,

nos botecos da avenida

onde o povo vai beber.



Um mundo cheio de trombadas,

nas esquinas,

nas ruínas,

nas favelas bem armadas

que tentam sobreviver.



Esse mundo colorido,

com barulho, adormecido,

e com cheiro esquecido,

não faz sentido entender.















































Indecente



Não sou um cavaleiro imaginário,

apenas um vassalo

que caminha.

Pela realidade,

um escravo

que tem a ilusão

que é livre ainda.

Não sou nenhum beato,

nem um cão.

Eu não uso sermão

e nem batina.

Meu rosto

é palidez,

enquanto expiro.

Meu sexo

sem estilo,

estupidez.

























Sob o peso do cansaço



Meus olhos

escondem-se sob as pálpebras.

Talvez já seja hora de dormir.

Meu sono

não esconde minhas mágoas.

Eu falo

e movimento-me sem sentir.

Tentando do meu sonho,

ressurgir,

procuro me acordar do pesadelo.

Ainda sob o peso do cansaço,

no mais vazio espaço,

eu adormeço.























Lições



I

Não comemoro datas expressivas,

odores de carnaval,

luzes de natal, fogos de fim de ano.;

em tudo passo um pano

que apaga os letreiros coloridos.



Um velho homem

em um mundo enlouquecido.

Sobre os fatos que me alvejaram a vida,

nada me comove.

Não movo um único dedo

para mudar o meu medo do novo.



A minha conversa

entre versos rebuscados na memória

se tornou obsoleta entre as mesas

dos meninos que me ouviam.



Nada é mais lúdico

que a diferença de idade,

desde que se respeitem mutuamente.

Eis que o velho muro

não se oculta diante da casa nova.

II



Nem todas as caldeiras estão em brasa.

São contadas as casas com lareira,

mas todos os papais-noéis são velhos

e o livro mais lido

é bem mais antigo que nossos avós.



O velho não da ponto sem nó,

ele sempre tem algo a dizer

a mim, a você, a todos nós.



E mesmo assim,

a maneira de dizer adeus,

adeus meu rosto sem rugas,

minhas costas sem dores,

meu excesso de amores,

minha garra na luta.



Eu me despeço,

enfim despenco

numa cadeira de balanço infinita

numa vida finita,

sonho.



III



Por mais que o vento curve a vara,

ela reage,

volta ao lugar de origem.

Eis que o exemplo é louvável.

Um homem idoso

tem uma vasta sabedoria

e resistência ao tempo e aos temporais.



Exercitar meus membros,

prolongar a vida e não a velhice.

Esquisitice,

ler meu nome nos jornais.

Apesar de sua idade,

superou os seus limites.



O dedo do homem

é bem mais forte

quando aponta suas virtudes.

Uma bela atitude por poucos tomada.

Tomara que apesar do curto tempo,

eu ainda tenha tempo

de sorrir.







IV



O velho inútil

ainda pensa, ainda faz versos.

E de madrugada

em vez de está dormindo,

escrevo sem parar.



À tarde, o vento faz bater as janelas.

Os cabelos brancos não indicam fragilidade,

mas astúcia e experiência.

O mundo à minha volta,

é um velho conhecido

e não me surpreende mais.



As árvores lá fora

acompanham minha jornada,

a cada caminhada matinal.

O antigo jornal, novinho em folha,

me dá notícias atuais.



Nas minhas mãos, a força de um gigante,

que muito antes de mim, já era eu.;

o eu de agora,

o eu de hoje,

o velho eu de ontem.

V



O relógio antigo

marca as mesmas horas

que o mais moderno.

Essas sim,

são para mim passadas e repassadas,

mas são também as mesmas.



O silêncio não mudou no tempo.

As casas ainda se amontoam na rua.

A lua ainda espelha no luto da noite,

sua tarja amarela e clara.

Você ainda é a mesma,

embora sua face queira assim negar.



VI



Talvez aprendamos com os ossos enterrados sob a argila,

ossos calcinados.

Seres vertebrados que dominaram a terra

e apesar de sua imponência,

pereceram.



Minhas pegadas vão estar entre eles.

Peço que meus ossos não sejam cremados.

O que seria da arqueologia e paleontologia

sem nossos míseros ossos.



E se um cão resolve comê-los.

Subam em seus camelos,

vamos afugentá-los.

Apesar do frio que fez à noite,

o deserto está extremamente quente.

Lembre-se dos pequenos detalhes,

das entrelinhas,

das nuances.



VII



Apesar do amor

e de tanta companhia,

o poeta em sua agonia

ainda se sente só.

O que fazer para ocupar esse vazio?

Aceitar

e só.

Não procuro em demasia o que perdi.

Quando menos esperar, eu encontro.

O acaso é surpreendente,

e o resultado final

é o destino.



A espera é mais cansativa que a luta.

Não importam as armas,

o seu desejo e sua força de vontade

superam as barreiras.

Não me vejo como um lutador,

sou mais um pensador de mundo.



VIII



Os lábios se preparam para mais um beijo,

assim o sol se despede mais uma vez da lua,

o dia da noite,

e eu de você.



Olhe à sua volta,

veja quanta coisa,

tente sentir no ar que tudo transpira poesia.

Nós estamos à toa,

por isso mesmo

a nossa decisão não deve ser irrevogável.



Em cada despedida, o beija-flor se afasta

enquanto a flor se castra

do seu intenso perfume.

As andorinhas se debatem no teto da igreja,

em uma prece

para viverem em paz com os pardais.



Imaginar é mais que antever futuros,

é delirar em sonhos

a essência do mundo racional,

é perfazer no tempo

os desenhos que contornam a ilusão,

e em meio a tudo

está o poder de acreditar.



IX



Não digo que seja minha

a tarefa de ensinar.

Não faço

por uma questão de reconhecimento.

Apenas preciso elucidar meus pensamentos

e para isso

preciso de sua ajuda.



Ainda não sou lápide entre os mortos,

pois sinto dor nas costas.

Quem sabe essas tábuas

sejam grossas o suficiente para me segurar.

Cabelos e unhas permanecem a crescer,

talvez na insistência de viver.



Porque contornar o jardim

se posso pisar a grama,

mas posso machucar alguma flor.

Temeridade

é um ato explícito de bom senso.

Amor e tempo,

duas coisas que não tenho.



Temo surpreender as pessoas

por não temer a Deus e nem ao Diabo.

As pessoas, essas sim, eu temo,

elas podem ferir minha carne.

Nunca é tarde para falar de amor.

Eis o meu conselho:

Ame.



X



Não se curve

pois nenhum rei merece seu suplício.

O que os tornam diferentes

não é o poder,

o poder apenas os distanciam.



As verdades muitas vezes

não estão à vista.

Uma maneira simplista

pode ser a melhor saída para viver.

Se acaso ao mundo não entende,

deixa pra lá,

o mundo não entende você.



Em minha porta

bate um anjo desalmado

e me pede um óbolo.

O que devo fazer,

acostumar uma criança no pecado

ou não dá-la o que comer.



Uma só cruz

é o suficiente para marcar seu túmulo.

Não se preocupe com o monte de areia,

nem com a profundidade da cova.

Não haverá degraus para sair da mesma.

Não há lugar

sob o solo sagrado.

Apenas rama vai brotar

para alimentar o gado.



XI



Vi muito,

aprendi pouco.

Pois todo dia a algo novo para se aprender.

Essas lições

dadas pelo dia-a-dia,

dá-nos tristeza de dia

e alegria ao anoitecer.



Não é difícil

cuspir palavras sobre a cabeça alheia.

Mas é diferente

quando se trata de conscientizar-se de sua

[condição.

Um grão de gente

que não sabe quase nada,

perdido numa pêra que flutua no espaço,

girando

como gira nossas vidas.

Um ancião pensa.

Quando criança, brincava.

Quando adolescente, excedia-se.

Quando adulto, corria.

As lições de casa,

as lições do mundo,

as lições da vida

são lições perdidas,

são lições achadas,

são doces e amargas,

mas são lições.



















Ébrio por amor



Amo

imensuradamente.

Ela,

proibida de me ver.

Para mim,

nada parece tão ilógico.

Não luto para esquecê-la

quando estou sóbrio,

por isso tenho que beber.



Amargo a minha vida,

sem a ter.

Nos braços de outrem,

o amor é mórbido.

Não luto para esquecê-la

quando estou sóbrio,

por isso tenho que beber.



Sofrendo

ainda em pranto,

por perder.

O meu amor,

para todos tornou-se óbvio.

Não luto para esquecê-la

quando estou sóbrio,

por isso tenho que beber.



No chão

que um dia há de me comer,

em pouco tempo

serei apenas ossos.

Não luto para esquecê-la

quando estou sóbrio,

por isso tenho que beber.





























Corrida contra o tempo



Ah, vida!

Que corre diante de meus passos.

Por mais que eu corra,

não te alcanço.

Não queres que eu morra,

por enquanto.

Enquanto eu corro,

o que faço?



Ah, tempo!

Que corre diante dessa vida.

Apenas espera o momento

para eu perder a corrida.

Correr contra o tempo,

correr contra a vida

é perda de tempo,

é meta perdida.

Isso se chama

viver.











Entrelaçado



Como o gato de Erwin

estou preso na caixa,

entre a vida e a morte,

só dependo que olhem

para mim.

Minha caixa é no fim,

esse mundo de mágica.

Sou enfim um fantasma

numa dança ritual,

entrelaçado no espaço

com uma cópia de mim.























Poema sólido



Palavras escritas

sobre um papel em branco,

tão significativas

e misteriosamente silenciosas.

Argumentos sólidos

sobre a aquosidade da vida

na sua relação infinita

com as horas.

Poemas estóicos

em contrapartida, o lamento.

Dores no tempo,

trazidas de volta.

Concisão na escrita

de um dúbio pensamento:

descrever por dentro

o que se vê

por fora.















Coisas perdidas



Abstração,

eis o significado

dos bons resultados

de seus pensamentos.

Idéias criativas

são como coisas perdidas

dentro de casa,

quando não as procuramos

elas nos iluminam

com a sua presença.

Eis o que o poeta faz,

ele se abstrai

e os versos vêm aos borbotões.

Sua esferográfica

corre apressada

procurando acompanhar a sua atuação.

Tudo aparece tão claro

que ele chega a acreditar

em inspiração.















Convencionais



Estamos em constante sofrimento

por querermos ser

normais.

Enquanto estampamos nossos traumas,

nossas caras de dementes,

nas colunas sociais.

Há para cada um dos convidados

um pouco de tabaco

e de alcoolismo.

São belos artifícios

as drogas aprovadas e legais.

Estamos entre corpos,

florescendo,

são húmus emergentes

da miséria.

As traduções alheias

deturpam nossas mentes,

desejam nossas almas por demais.

As tradições

são seguidas friamente.

Os pais estão ausentes,

os filhos são escravos

de normas convencionais.





























A volta



Meu medo

é esquecer que estou de volta

e me surpreender morrendo.

Sobre a inércia da alcova,

a pálida figura

assemelha-se a mim.

Eu continuo ali,

olhando para o meu retrato

que é mais real

que eu.

E de repente

vejo entre rostos que circundam,

a me perscrutarem,

o seu,

que parece não acreditar

que estou de volta.

Mas jamais eu partiria

sem vê-la outra vez.



















Cobaia



As nuvens

desmancharam-se em lágrimas

e a terra encharcada

fez meu corpo afundar.

Sob a lama,

os destroços da cabana

não me davam mais abrigo.

O sol

que surgia inibido,

torna o solo endurecido

e me prende no escuro.

Sou pisado e repisado.

O solo é escavado.

Eis que um homem

do passado

é cobaia no futuro.

















Nunca morre



O amor que é puro

nunca morre.

O ingênuo choro,

o rompante do sorriso

são megalitos

que sustentam a minha vida.

Outras formas de amor

são conhecidas.

Outros versos mais bonitos,

declamados.

Mas nenhuma boca

gritou tão forte:

- O amor que é puro

nunca morre.





















Lúbrico



Foi o meu peso

retirado com brandura.

Sob o vão da sepultura,

meus desejos

enterrados.



Se havia alma,

libertou-se no momento.

Entre rogos e lamentos

tive a mesma condenada.



Pelos amores

que eu tive quando em vida

(tantas roupas coloridas

espalhadas pelo chão)

meu coração

insensível e bandoleiro

pôs na mão de um barqueiro

minha alma sem perdão.





















Ouvir o mundo



À noite

olho pela janela

a escuridão lá fora.

Minha percepção do mundo

é aquela.

Um vazio

no qual há sons estranhos.;

criaturas minúsculas

que se comunicam

para se reproduzirem.

Formas bizarras,

insetos nocivos

além do silêncio profundo.

Não é tão bom assim

ouvir o mundo.



















No altar



E sob estatuetas,

morta estava a borboleta.

A flor que alimentava

sua glória

murchou sobre as hóstias.

O líquido vermelho

derramado

por falta de cuidado,

manchou a toalha branca.

A borboleta tonta,

tentou assim voar,

morreu envenenada

no altar.























O sobrado



Mosaicos

estampados na parede

de uma antigüidade desmedida.

No teto o telhado em si confirma

que ambos devem ter a mesma idade.

Traços espalhados pelo velho sobrado

(Características de artistas

que revelam a beleza do passado).

Janelas com sacadas

onde outrora

a bela moça, hoje senhora,

retribuía à galanteios

com sorriso embaraçado.

A porta de entrada do sobrado

tinha entalhes destacados na madeira.

No abre e fecha de uma vida inteira

guardou em si história.;

agora,

um patrimônio que é lembrado

por ter ficado registrado

na memória.





















Sobre árvores



Minha mão se diverte

ao acompanhar a esferográfica

que corre atrás do pensamento

em linhas horizontais,

soltando versos,

criados e relidos por meus olhos.



A composição poética,

verticalmente

vai se tornando um poema

que em sua forma

assemelha-se a uma enorme árvore

que me faz olhar pro céu

numa pretensão de alçar vôo.



Mas a realidade me arrebata

e me põe de volta ao chão.

O poema tal como a árvore

é a ilusão

de que não me encontro

só.



















Fotografias



São árvores mortas.

Putrefação noturna.

Na água, submersos,

galhos e folhas.



Rio caudaloso.

As margens se alargaram,

alcançaram a curva.

A inundação invade os canteiros

e ainda chove o dia todo.



Uma beleza avassaladora,

nada controla a sua fúria.

Corpos de animais que bóiam.

As estacas na cerca, mal se vê.

Tudo registrado na lente de uma

[observadora.



Fotografias espalhadas nas paredes

deixam transparecer

o sentimento estampado dos olhos de quem [as revelou.

Na galeria, o tema Água e sede.

















Finado



Eu,

primeiro pediria muito

e por último

não quereria nada.

Nem as flores no meu túmulo ,

nem seu luto,

nem meus olhos no escuro

ou o tumulto

em minha sala.

Eu,

primeiro pediria tudo

e por último...nada.

























Insígnias



Se eu

desacato a minha própria lei,

qual de vocês

cumpriria a minha pena?

Entre emblemas

e insígnias pessoais,

quem manda mais,

manda que tema.

Corro perigo

em meio a oficiais.

Matar é vicio.

Dependente, é quem ordena.

Nossos moleques

chacinados nos quintais,

habituais

pontos-de-venda.

A minha cara

estampada nos jornais

em preto e branco,

eis a chave do problema.















Síndrome



O que me fez

a bela natureza?

Um erro

que me custaria caro.

Na sua perfeição

mostrou-se leiga,

na cega devoção

ao torpe acaso.



Na capa,

o mais fino acabamento.

No conteúdo,

linhas mal traçadas.

As letras

arrastadas pelo vento

como pétalas

espalhadas.



A síndrome

é um fato.

Um vencedor vencido.

Diante de uma doce ingenuidade

nada impede o meu sorriso.

















Bactéria



Abriga-se

nas profundezas da terra

e pacientemente

procura a superfície.

Ao sair

arrasta-se lentamente pelo chão.

Aprende a andar de quatro

e com esforço,

passo a passo, caminha.

Começa a correr

em direção a um lugar mais alto.

De lá

dá um salto

e voa em direção às nuvens,

atravessa o céu

e orbita o meu planeta azul.

À velocidade da luz,

viaja pelo universo comigo.

Um microorganismo

com o mesmo propósito:

perpetuação.

















Cartas alheias



As belas palavras são raras,

as raras palavras

são minhas.

Assim escrevo

cartas de amor alheias.

Entre flores desenhadas,

retocadas em silêncio,

escuto vozes além do pensamento.

Encontro gente calada,

outros que falam demais.

Na minha mão,

o equilíbrio.

No coração,

um sentimento de paz.

O amor viaja em letras,

carregado pelo vento.

Eu deixei o meu talento

aberto em cartas alheias.



















Os anjos



Os anjos

estão no poder.

No céu

é bem melhor de se ver

o que há no inferno:

criança que morre de fome

sem ter tempo para crer.

Os demônios não têm nome,

se abrigam em cavernas.

Olhem os anjos,

não são donos dessa terra,

nem da vida de ninguém.

Os anjos

estão no poder.

Todos têm que obedecer

quando os anjos

dizem amém.















Gira-sol



Uma nuvem

que tende a enganar,

por trás, a lua apagada.

Uma flor

que fechou-se ao luar,

permanece parada,

gira em busca do sol

quando largo o lençol

a caminho da sala.

É manhã.





























Intimidade



O dia está amanhecendo,

enquanto nós

dormimos.



Entre as delícias do café,

sorrimos.



A cama ainda por fazer.

Tua voz, do quarto, diz querer,

estou indo.



A tarde aquece ainda mais,

lá fora o mundo se distrai,

ouvimos.



O sol se esconde pra dizer

que a lua pode aparecer,

enquanto nos tornamos

íntimos.



















Exagero



Alargaria a rua

para a tua

passagem.

Teu corpo refletido

pela lua.

A tua sombra nua,

que miragem.

Tão doce criatura,

a tua formosura

estreitaria a rua

e esconderia a lua,

a tua imagem.

























O eleito



Eu sinto nos pulsos

a carga de um trabalho pesado.

Meu coração desolado

com o que vê:

que há gente

com as mãos abanando

do outro lado,

sabendo que há tanto

a se fazer.

O meu povo

não vê o que há de errado,

muito menos

em quem deve crer.

Dia-a-dia

está sendo enganado

por aquele que foi bem votado

e abusa

do cargo e do poder.



















Retorno



As casas

que me olham no caminho

são simplesmente

barro e estacas.

Para elas

sou apenas um estranho

e a vida, muito ingrata.



Há cercas

que separam seus quintais.

Na sombra de uma árvore,

o galinheiro.

Eu admiro os tetos desiguais

pelas falhas do palheiro.



A terra,

pela seca embrutecida,

meu velho teima

em cavar.;

através da poeira,

dá para olhar

a estrada esquecida.





Vejo parte de uma vida

que eu havia enterrado.

No espelho do meu carro,

o que veria?

Emergir do chão do meu passado,

um garoto que partia.

























A dúvida



Com um canto lamuriento,

tal qual gemido

de quem chora,

acompanhei meu pai

à sinagoga

enquanto minha mãe

ia à mesquita.

Não quita

a sua morte,

o meu perdão.

Meu aperto de mão

não foi em vão,

na paz querida.

Na falta de memória,

a nossa história

deixou uma enorme dúvida:

Usar a força bruta

de uma forma desmedida

é página esquecida de razão

ou é a fé perdida?

















A árvore



Uma enorme copa

brilha verdejante

sob a chuva fina que a molha.

A raiz suporta

o peso constante

da árvore majestosa.



Sustenta entre seus galhos

uma diversidade de vida.

Por ser um vegetal,

desconhece a força natural

que a arrasaria.



Vem a seca e o vento,

levam suas folhas.

Entre muitas outras,

solidão.



Ainda resiste ao tempo

com seus galhos secos

como dedos de uma mão

exposta em direção ao céu

a pedir perdão.



Um dia qualquer



O sol emerge à minha vista.;

às pedras,

acaricia com seu fulgor.;

ameniza a minha dor

ante essa vida.

Sinto o fragor

das folhas aquecidas

e do dissipar do orvalho.

Fecho os meus olhos

no final do dia,

agradecendo ao belo cenário.

Meu peito ilhado

por tamanha harmonia

por ver o pôr-do-sol

se dispersar no advir

da noite fria.

















Desabrochada



Fútil desejo

é tê-la em meus braços

outra vez.

Eis a razão que fez

a vida amarga.

Teu corpo escorregava

em meu suor,

mas nunca estávamos só,

e acompanhada

deixava-se levar por outro alguém.

Dama levada,

a tua fidelidade

é flor desabrochada

que na mais leve brisa,

como os sonhos

de um amor primeiro,

tem as pétalas

dispersadas no jardim alheio.



















Corte e costura



A mão desliza

num corte em viés.

Pelo avesso,

as partes dobradas.

Tal qual uma peça ensaiada,

movimenta os pés

um pedal de ferro,

de verão a inverno.

Há um barulho constante.

O carretel se desfaz

lentamente.

Vejo o tecido de cores diferentes

mudar de forma

a todo instante.





















Che



Não era um bandido

que vivia escondido.

Mas sim,

o herói da revolta.



Observou numa volta

pelo que lutaria.

Não fazia por glória,

mas por senso de justiça.



Ao chegar a sua hora,

o doutor não sabia

que o seu nome

ficaria na história.



A cena que o povo revia,

causava um desgosto profundo.

O seu sangue jorrou na Bolívia.

O seu ideal

espalhou-se no mundo.





















Alucinação



Pelo mesmo tamanho

eu mediria,

sem o salto

ou o degrau da catedral,

uma dama

no alto pedestal,

que eu não conhecia.



A beleza

que dela irradia,

ilumina a missa

que é campal.

E os sinos que dobram

no natal,

como um anjo

que avisa.



Não escuto o sermão,

me paralisa

a beleza pungente.

Vejo a lua crescente

se esconder por detrás

da nuvem fria.



De repente,

perde-se à minha vista.

A procuro calado.

Na capela vazia

eu a vejo num quadro,

se encontra ao seu lado,

Santa Virgem Maria.

























Comunhão



Eu poderia ser

o garoto atrás da bola

ou aquele com a sacola

pelas casas a mendigar.



Eu poderia andar

com o tênis mais bonito

ou ter os meus pés feridos

sem ter nada para calçar.



Eu poderia morar

num enorme condomínio

ou ser aquele menino

que se esconde na favela.



Ter o meu barco a vela

ou não saber nem nadar.



Eu poderia comer

da mais fina iguaria

ou viver na agonia,

com a fome a incomodar.



Eu poderia olhar

para os meus pais

e dizer quero,

ou apenas: - eu espero.

E jamais poder comprar.



Eu poderia ter menos

e ainda estar bem

ou ser o que nada tem

e com pouco melhorar.



Nada mais justo

igualar.

Não quero andar

sobre os outros

nem pelo chão rastejar.



Eu sou real, não sou louco.

Quero apenas um pouco

de comunhão.















Promessas



Prometi aos que ditam

que me tornaria um opositor.

Ao opositor,

que discordaria de mim mesmo

e a mim,

que jamais venceria.



Prometi aos grilhões

que me tornaria escravo.

Ao escravo,

que acreditaria em liberdade

e à liberdade,

que não a encontraria.



Prometi à suástica

que me tornaria um plebeu.

Ao plebeu,

que acreditaria em Deus

e a Deus

que me mataria.



Prometi aos sonhos

que seria real

e à realidade,

que acreditaria na razão

e à razão,

que não seria poeta.



Prometi a você

que não andaríamos de braços dados.;

que debaixo de meu braço,

o amor não caberia.



Prometi,

mas foram promessas

vazias.

























Há de ser em casa



Há se ser em casa,

que eu morra.

Na velha masmorra

na qual me prendi.



Há de ser em casa.

Nem que eu corra

numa disparada

pra morrer em casa

feliz.



Há de ser em casa.

A rua

nada mais me diz.



Há de ser à noite.

Há de ser em casa.

A lua,

vista lá de casa,

é mais bela e clara

como nunca vi.



Há de ser em casa.

Não vai ser em vão.

Entre os braços dela,

numa mão a vela

noutra o coração.



































Quem é, você ou eu?



Você, quem é?

Eu te conheço?

É você,

é você mesmo.

Você que lê

estes meus versos.

É você,

ou é o inverso?



Eu sei quem é.

Eu o conheço.

É você,

você que escreve

estes versos

que agora leio.

É você,

ou sou eu mesmo?



Você leitor,

você poeta,

vocês extremos de uma reta.

Um põe amor,

o outro aproveita,

lê sem pressa.

Você, quem sou?

Sou quem, você?

Eu sou alguém

que em mim se vê.

Eu sou você

que vê-se em mim.



Eu sou assim.

Não levo a vida,

ela me leva.

Eu não sou nada que interessa.

Do universo,

uma peça

que se completa com você

quando se vê

em cada verso

que sou eu.

















Vi



Vi a favela.

Vi a herança

que eu deixei.

Eu vi a cela.

Vi um menino alucinado.

Vi o intelecto

ser torturado

e lutei.



Eu vi novela.

Vi o mau gosto.

Então pensei:

que triste tela.

Vi o talento assassinado.;

a mesma cena,

outro cenário,

lamentei.



Eu vi a relva.

Vi no solo,

o que plantei.

Vi a floresta.;

vi o fogo ser ateado.

Já sufocado,

num desabafo

eu gritei.



Vi a América.

Eu vi a linha,

não vi a lei.

Eu vi a guerra.;

vi inocente ser condenado,

virei meu rosto

pro outro lado,

mas o voltei.



Vi a Inglaterra.

Vi a rainha,

não vi o rei.

Eu vi a terra.;

vi meu planeta ser acabado,

fechei meus olhos,

e desolado

chorei.















Não seria



O que seria de mim

sem ter você?

Seria um livro sem a página do fim.;

uma janela sem um belo jardim.;

uma jangada sem vela pra rumar.



Seria eu, uma lágrima sem chorar.;

um dia inteiro sem ter pra onde ir.;

uma criança que teima em não sorrir.;

um sonhador que não sabe mais sonhar.



O que seria de mim

sem ter você?

Seria um bravo impedido de lutar.;

um grosso espinho sem ponta pra furar.;

um narcisista que não se vê.



Seria eu, uma causa sem porquê?

Uma espera por quem jamais viria.

O que seria de mim?

Um triste fim.

Sem ter você,

nada seria.





















Onanismo



Eu sou uma pessoa incerta.

Ando numa via exata,

com uma mão fechada

e a outra aberta.



Eu meu punho cerrado

levo a dor do pecado.

E na mão estendida

recebo o dom da vida.



Entre os corvos sou apenas o grão

decomposto em dejetos morais.

Entre os mortos, quero ser o afã.

Mas pertenço a um clã

de doentes mentais.



Acomodo o meu falo à razão.;

minha mão ignora o lugar,

não discerne se é certo ou não

ao meu vício

se entregar.





















Sedutor



Descobri

que fui demais,

muito além do que devia.

Nos teus lábios

minha mão tocou.

Tua força os contraía.;

mas no ápice da agonia

relaxavas no pudor.

Por favor...

O teu olhar me pedia,

e na força do amor

em meus braços

cederia.

Mais um pouco.

Esse pouco muito será.

Devaneio é querer que esse louco

possa aprender a amar.















Compulsivo



Todas as horas

são devassas.;

na praça,

no elevador,

no corrimão da escada.

Todos os amores

não foram suficientes

para contornar a solidão.

Tudo em sua mão

foi apenas passatempo.

Todo o sofrimento

não passou no tempo.

Dor na compunção.

O seu coração

tornou-se vazio

e nesse vazio,

viu que o que era muito,

era muito pouco.

Sentiu-se um louco,

quando percebeu

que foi tudo em vão.



















Ventania



Um dia,

murmurei ao vento:

- Traga-me a dona

do meu pensamento.

Atravesse fronteiras,

mares e cidades.

Não importa o tempo,

digressões inteiras

ou pela metade,

nem a minha idade.



O vento em resposta

gira e assovia.

Sai às minhas costas

empurrando velas

no mar agitado.

Carregando pipas

dos guris levados.



Às vezes, mansinho,

não passa de brisa,

às águas alisa.

Faz um burburinho

quando cai um ninho

de cima de casa.

Apressa o tempo

quando agitado,

passando as finas folhas

do meu calendário.



Todos os meus dias

vou a beira mar,

olho o horizonte,

sinto ele voltar.

Sempre sem notícias,

numa leve brisa

tenta confortar.



Mas houvera um dia

em que olhava o céu ,

já velho e cansado,

quando o vento agitado

arrebata o meu chapéu .

Acompanho-o com o olhar,

aproximo-me do lugar

onde o deixou, o vento.

Vejo uma bela senhora,

reconheço nessa hora

a dona do meu pensamento.























Solitário coração



Eu não quero ser passivo

ante a vida que me deram.

Meu amor me desespero

à procura de saída.

Sou um lobo sem comida.

Um camelo sem deserto.

Não é certo a solidão

quando ainda existe mão

estendida.

Uma flor colhida em vão

murcha no vaso da mesa.

Solitário coração

que por falta de uma mão

pára a vida

por tristeza.

























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