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Poesias-->Sopro poético -- 12/07/2006 - 15:19 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prólogo



Escrever entre pensamentos cotidianos e usado pelo autor. Assim distingue-se seu perfil e sua estética, dando ênfase a diversas vertentes de seu pensamento inevitavelmente estranho.

João Felinto Neto é contemporâneo, porém, os seus pés ainda tocam, muitas vezes, o solo sagrado dos poemas antigos. Sua paixão pelos poetas que elevaram a humanidade com suas obras-primas impulsiona-o nessa transcendência de época e estilo.

Consolidar razão e emoção em versos “toscos” , como diz ele mesmo, é a única maneira de ressuscitar os mortos e eternizar os vivos.

Sopro poético é uma obra que viaja por um vento brando, com versos suaves.; atravessa uma forte ventania e finalmente, numa brisa, paira no mesmo lugar do qual partiu, o intrincado esboço do poeta, uma forma caricata do ancião que lhe habita.

O poeta não diz: eu quero ser reconhecido. Porém, só se sente feliz, com os olhos em brilho, quando diz: eu estou sendo lido.

A poesia é para João Felinto Neto, uma forma de pensar resumo, ou seja, toda a amplidão do universo físico e intelectual pode ser sintetizada em versos.

Através de seus versos, o autor manipula as impressões cotidianas estabelecendo deformidades no que parece perfeito e enaltecendo poeticamente a imperfeição.



André Tales

























Sopro poético



Quando o vento

sopra a areia fria

na manhã que se inicia,

é sopro poético.



Quando o vento

sopra a chuva fina

sobre a casa vazia,

sem ter notado ainda,

sopra as dobradiças,

é sopro poético.



Quando o vento

sopra as flores no jardim,

sopra também para mim

os versos soltos na estrada,

sopra as árvores desfolhadas

pelas folhas que caíram sem ter fim,

é sopro poético.



Quando eu

enlouqueço pensamentos

com o sopro que vem de dentro,

o sopro poético é meu.

Conselhos da lua



Era uma lua que nascia,

que me olhava e dizia:

- Caminhe só.

Iluminava o meu caminho.

O tempo todo insistia:

- Vá sozinho,

é bem melhor.

Na verdade a lua mentia.

A solidão e a saudade

que eu sentia,

dava dó.

A cada passo,

eu consumia

a luz da lua,

e à meia-noite,

no meio da rua,

tornei-me pó.















Sopro do mar



Do mar,

à noite toda,

o vento trazia o teu perfume.

E na manhã ensolarada,

como de costume,

caminho na areia molhada.

Enquanto o mar me toca

com gotículas frias de água salgada,

o meu silêncio me consome

por estar só.

O mar se torna violento,

parece um pouco ciumento.

Se enfurece em ondas que me alcançam,

e cada vez mais se lançam,

tentando me arrastar.

Então escuto o mar

em plena luz do dia,

recitar uma poesia,

e me ponho a decorar.

Não sei qual de nós dois

seria o poeta,

o mar não foi,

na certa

fui eu, tentando me afogar.

Apesar da paixão



As frases vazias,

evasivas

de um inexperiente amante.

O olhar distante,

à procura de uma cena do passado.

O coração ilhado

por dois lustrosos diamantes,

o mais belo par de olhos

por mim já fitado.

A paixão inibe a fala

e deixa atoleimado o pensamento.

Mesmo sem um único compromisso,

o jovem coração ciumento

torna-se arisco.

Eis que o ardor

compulsivo do querer,

faz o homem crer

que tem posse do que preza.

Mas a bela fera

é mais forte,

e mesmo conquistada,

é presa enclausurada

que reage.

















Como posso?



Como posso meditar

sob o telhado do templo,

quando sobre ele

não há razão, nem sentido?



Como posso acreditar

em meu próprio pensamento,

quando o meu coração

o mantém esquecido?



Como posso deixar

de escutar o que dizem,

quando a minha vaidade

abre meus ouvidos?



Como posso aceitar

e ser obediente,

quando tudo que quero

é ser diferente?



Eu não posso resolver

esse caso perdido,

se pelo acaso,

sou desconhecido.

















Estranha criatura



Os detalhes de seu corpo,

não é possível compô-los,

apenas admirá-los,

misturados a areia,

petrificados,

uma estatueta grega

da glória do passado.



A perfeição de teu rosto,

besuntado com argila,

uma deusa negra,

representada numa forma

indefinida.



Seu pedestal é sagrado,

feito de pedra polida.

Um ancestral,

num mundo ilhado,

moldou uma eterna figura,

a mais estranha

criatura.



















Amor de garoto



O garoto amava

platonicamente,

e ficava

à janela

olhando a bela

garota de tranças.

O ciúme tomava conta de si mesmo.

O garoto em silêncio

se atrapalhava nos primeiros passos

da dança.

Quando perto,

um imenso temor.

Na distância,

uma vaga lembrança

como fora

o seu primeiro amor.

















Conquista



Apenas o olhar tocou meus lábios,

meu peito,

e voltou aos meus olhos num disfarce malicioso,

notei que ali nascia um namoro.

Não havia jeito,

era despir-se do embaraço

e jogar-se n’aqueles braços

que se abriam para mim.

Colhi a nobre flor

do humilde jardim,

com pétalas disfarçadas de pudor.

Um ato de juventude

que a própria atitude

confirmou.

Os dias arrastados pelo vento,

sem que eu tivesse tempo

de perceber.

Sou um velho jardineiro,

que sem saber

estava absorvido por inteiro

pelo mais singelo cheiro,

o cheiro do amor.













Na biblioteca



Não me encontro

enquadrado em moldura

na biblioteca.

Estou nas finas páginas

folheadas por entre velhas estantes

empoeiradas pelo tempo.

A minha voz eclode

no enorme silêncio

dentro da cabeça de quem lê meus versos.

Não é a minha face,

o reconhecimento,

e sim as impressões diversas

que minha loucura causa

em mentes alheias.

Eis que sou eterno

na poesia,

quando mania

dos que sempre lêem.











Em cena



Num intricado sistema

há apenas um simples curador

para sanar todos os problemas.

Perdoar àqueles que mantêm na dor,

eis um problema.

Quão pequena,

a chance de um desertor,

mesmo por amor,

outro problema.

No teatro,

crucificaram o ator.

Não há problema,

não tenha dó,

num ato só,

roubaram a cena.



















Decrépito poeta



Enquanto o sol

se põe ao entardecer,

meus olhos podem ver

o que não viam.

Meus pés descalços

pisam a areia fria,

enquanto o mar

parece me dizer:

- Bom dia.

A lua, à noite,

na distância se perde,

como os meus versos

pelo tempo,

dia-a-dia.

Entre meus dedos

sinto aflorar a minha poesia,

apesar de meu sorriso

já não parecer o mesmo.

Minhas palavras

na garganta enrouquecida,

mostram mais sabedoria

e menos segredos.

Decrepitude,

que aos poucos me limita.

Minha última atitude

é olhar à janela

e ver o mesmo sol

que continua a se pôr

no fim do dia.























Onde me cabe?



Onde me cabe

no golpe do cutelo?

Onde me cabe

na batida do martelo?

Onde me cabe

no inferno da caldeira?

Onde me cabe

no batear da peneira?

Onde me cabe

no praguejar do coveiro?

Onde me cabe

no atraso do ponteiro?

Onde me cabe

nas treliças do confessionário?

Onde me cabe

nas mudanças do cenário?

Onde me cabe

nas verbetes do Aurélio?

Onde me cabe

na lâmina do bisturi estéril?

Se não me cabe

nas palavras do profeta,

enfim me cabe

na caneta do poeta.

















O gato



Sobre as patas,

não há falas que incomode.

Na areia,

deixa o molde.

Não se importa

se o mundo não tem paz.

Sua paz

é o pé da porta.

Entre pernas

não se deixa iludir.

O telhado

é a sua cobertura.

Não se importa com a altura

a subir.

Sua presa,

quando presa, lhe apraz.

Não tem hora.

Os carinhos da senhora,

pede mais.

Não lhe impõe questões, a vida.

O seu beco-sem-saída

é apenas sua morada,

sua casa escancarada

para a rua.

























Maluco



Uma tristeza estampada

por trás de um tolo sorriso.

Minha fala

não diz nada.

Não assumo compromisso.

Para mim

a morte é fruto

de uma árvore desgalhada.

No silêncio

não sou luto,

sou um maluco que se cala.



























Dedilhar



Dedilhei na vida

cifras de boa conduta,

porém a melodia

não soou tão bem.



Não peço a ninguém:

- Por favor, ajuda!

E quem me acusa

sabe muito bem.



Não conto vantagem.

Nem canto em praça,

meus dotes.

Não guardo em potes

de mel,

meus erros.



Embaixo de arcos,

meu medo

é ser descoberto.

Não sou tão esperto,

nem tão preguiçoso.



Nos versos da vida,

sou letra difícil de se traduzir.

O som que abriga

o meu coração,

sonata que não

consigo ouvir.



































Golpe



O meu golpe

de mão,

fortuito,

suas lágrimas.

O meu mundo

sem chão,

minhas lágrimas.

A procuro

sobre o colchão,

entre meus dedos.

Perco a fala

e o coração.

O meu medo

é que a ilusão

perca a alma,

e que me sepulte

em vida.

A minha esperança,

o seu perdão.

Assim, eu serei

entre os cadáveres

o mais feliz.



















Uma voz



Teme sua alma,

atirada em chamas,

queimar até a raiz.

Por ser radical

quer ser imortal.

Quando alguém o chama,

uma voz lhe diz:

- Percorri todas as distâncias

que o mundo quis.

Encontrei-me só,

e o nó

na minha garganta

desfez-se no riso

de um homem infeliz.





















Impune



Chego a acreditar

em sonhos.

Mas minha alma

só me leva

à realidade de meus passos,

que pelo acaso

não são frutos de minha vontade.

Meus impulsos

são argueiros

nos olhos alheios.

Mantenho meus pulsos

acorrentados à natureza humana

em delírio.

Sou tão frágil

ante meus erros

quanto ante meus desenganos.

Sou tão falho

como os atos

que me deixam

impune.

















Gente



Ah! Mundo quente.

O poeta está triste.

Será que por aí existe

um lugar que não tenha flor?

Eis que um mundo

sem amor,

não seria diferente.

Quanto mais conheço gente,

mais descrente

e triste

sou.



























Quadro de nós



Entre as páginas

do livro vida,

flagra e perfídia,

pranto e pudor.

Enquanto colhe

tão sutil flor,

expõe-se a um corte,

abre ferida,

espinho de rubra cor.

Talvez as lágrimas

superem a dor sentida.

Quem sabe, às mágoas,

perdoe o amor.























Último ato



Pelos flancos

direito e esquerdo,

foi encurralado

à sombra do muro da prisão.

Teve apenas

o longo pescoço

destacado,

com o resto do corpo

pendurado

na árvore do pátio

da prisão.

Sua mão

mal tocava na vida.

Os seus pés

não tocavam o chão.

Não sabia

se era inocente.

Se culpado,

mais uma condenação.

Talvez fosse

um ato ensaiado

de um ator

em sua última

encenação.

























O muro



Os tijolos

a amostra,

onde havia uma pintura.

Colorida criatura

que ainda hoje, separa

a minha casa

da sua.

Pelas frestas

se repara

que os anos se passaram.

Nos tijolos que restaram,

já não tem a mesma altura.

Esquisita estrutura

que espia o telhado.

No quintal abandonado

mantém a mesma postura.

Eis o muro,

que mistura

o concreto ao abstrato.

















O cultivo



Não cultive flores

no jardim alheio.

De braços abertos,

muitos já morreram.

E quem deixou de desejar?



As mudas transplantadas com carinho

na poeira do caminho,

sem ninguém para regar,

murcharam entre o trânsito escasso,

retrato de uma luta desigual,

enquanto o bem e o mal

não param de sorrir.



As queixas que não consigo ouvir,

intensificam-se

na distante e sedutora noite.

Nos barcos, os braços lutam contra o vento.

Em cada cabeça, o pensamento:

Será que amanhã irei voltar?



Então desponta o sol por trás do mar.

Bem-vindo ao novo dia, diz o sol.

Não sei se de tristeza ou de alegria,

se a dura realidade ou se o sonho.

Estou nascendo pra testemunhar,

que a vida é a razão deste planeta.

Só peço ao mundo que nunca esqueça,

está em suas mãos, basta cuidar.



A lâmina que corta sem parar,

pra separar as flores e as pessoas,

se torna cega,

tão cega

quanto quem jamais enxerga

que as flores cultivadas no jardim

são para um fim.

No fim,

um campo aberto pra pisar.



As mãos já começaram a cavar

a mesma terra que um dia há de comê-las,

não há como detê-las.

Não sou suporte para levantar bandeira,

falar asneira

é outra forma de falar.



Talvez seja melhor eu me calar.

Talvez, não é certeza,

e com certeza ainda tenho o que dizer.

O homem não escolhe seu poder.

Mas pode escolher o que plantar?

Alguns hão de voltar,

outros jamais iremos esquecer.

De volta, ainda sozinho,

diante das mesmas flores no jardim de seu [vizinho,

notou que mesmo de braços abertos

não há ninguém por perto

para abraçar.



Correr do mundo

e no fundo

se entregar a timidez,

e matar de uma vez,

aquele que talvez

possa sonhar.



Cultive cada um, o seu jardim.

Quem sabe com as flores

possam enfim,

unidos pelas cores,

o mundo, replantar.























Violação



Entre calos,

o dia, rápido amanhece.;

quando empalidece,

ainda estamos lá

com as mãos fechadas.



Nada nos aborrece

dentro do cercado,

mesmo estando cansados

de tanto plantar,

e não termos o poder

de poder colher.



Somos recolhidos

em um caminhão.

Ao olharmos o chão,

vemos então passar

veloz como o vento,

toda a nossa vida.



O pior do mundo

é não ter medida.

Poucos têm de tudo.

Tantos sem comida.

























Encaixe



O seu corpo

delimita minha vida.

Suas curvas

desinibem minha alma.

Sou um anjo

que percorre o inferno.

Sou eterno

num desejo que se acaba.



Em sua luva

se encaixam os meus dedos.

Nosso medo

talvez seja nossa falha.

Sinto a fúria transformada em gemidos.

Nos seus gritos,

um demônio que se acalma.



Um espinho

encravado em uma flor.

Nossa dor

aliviada em prazer.

Eu, você,

duas formas de se ver

o amor.



























Seguidores



Talvez a multidão me siga

em silêncio,

ou simplesmente me apedreje

em algazarra.

Um passo firme

nessa antiga estrada,

pode ser a minha glória.

Um passo em falso,

como conta a história,

talvez seja o meu fim.

Quem sabe, eu serei levado a sério,

ou enfim,

farão com que eu seja uma piada.

A minha cara

talvez seja engraçada,

mas minhas dúvidas

são como flores murchas

que permanecem no jardim.













A dama em chamas



Soberba dama,

que triste, clama,

que arde em chamas,

que me faz amar.



Vou adorar

morrer em braços quentes,

dama de alma ardente,

não quero me afastar.



Empalideço

tal qual a própria lua

que incendeia a rua

em meio a solidão.



Um coração

que minha mão apalpa,

e queima como brasa

por dentro do roupão.



Dama,

em chamas amanhece,

da noite enfim esquece

e continua a me queimar.

Ilhado



Numa ilha deserta,

em minhas mãos um livro.

Não sei como houvera

de estar ali comigo.



À sombra de uma palmeira,

começo a folhear.

Sentado na areia,

eu leio devagar.



Um poema me intriga,

talvez por minha situação.

O ronco na barriga,

sem ter um simples pão .



Eis que o poeta diz:

“Aqui neste lugar

estou muito feliz,

este é o meu lar.



Quando amanhece o dia,

café a esquentar,

tem queijo na vasilha,

tem pão pra se cortar.

No almoço, feijão verde,

uma bela melancia,

depois, sono na rede

e uma casa vazia.



À tarde adiantada,

como cuzcuz com leite,

carne-de-sol assada,

de volta para a rede.



Durante a noite fria,

debaixo do lençol,

uma doce companhia

que esquenta como o sol”



Eu fico indignado

com essa diferença.

Na mão, livro fechado.

Na cabeça, impaciência.



Não acho que é certo.

Que poeta cruel,

enquanto está no céu,

estou nesse inferno.



















Aflição



Não faço emenda

em um verso errado.

Não quero paga

pelo poema.

Não vejo cores

em seu jardim ceifado,

com suas flores de encomenda.

Aceno a mão

para um adeus negado.

Doce ilusão,

querer que me entenda.

Extensa ponte.

Você do outro lado.

Talvez não me encontre

e se arrependa.

A sua dor

será por ter pulado,

por um amor

que sempre foi

uma lenda.















Entre o bem e o mal



O bem que me quer.

O mal que me perturba.

Entre o inferno e o céu,

a fé.

Sob as tábuas de Iavé,

a dúvida.

Pelas ruas,

sem saber quem é.

Entre linhas e gráficos,

a curva.

Sob a claridade do sol,

a sombra,

como à noite,

em face da lua.

O mal que me quer.

O bem que me culpa.



















Observo à minha volta



O poeta passeia pelas ruas

numa velha cidade

que assombra,

por debaixo das árvores

que ele sonha

ter um dia plantado.



O poeta observa calado,

em cada face

que leva seu mistério,

uma expressão de loucura, de remorso,

de sofrimento e de tédio.



O poeta é apenas um anônimo,

que sentado

nos degraus de um sobrado,

é apenas um homem assombrado

com os dias de hoje.



O poeta cumprimenta as pessoas

que transitam numa pressa corriqueira

e assim descem a vida numa ladeira

de tempo perdido.



O poeta percebe o colorido

de um mundo rabiscado em preto e branco,

onde as dores

são feitas de pranto

e os amores

são flores sem jardim.



O poeta assim

desaparece,

um alguém que dobra a mesma esquina.

Simplesmente o assimétrico lhe fascina.

Todo fim é apenas o reflexo,

no espelho, de um começo .



























O misto



Aponta para mim,

na distância sem fim,

a poeira no caminho.

-Lá vem Raimundinho,

que enfrenta sozinho

o chão dessa estrada.



Pela madrugada,

a lua ajudava o velho farol.

O misto seguia

e me espremia

dentro do lençol.



Quando amanhecia,

até parecia

que o mato era feito

d’aquela poeira.



A estrada, uma esteira,

que às vezes, estreita,

espremia o misto.



Na chapada, o risco.

Diante do abismo,

meu peito apertava.

Quando é inverno,

dizia um velho,

o mesmo inferno,

de cara mudada.



O misto atolava,

eu me divertia.

Tudo parecia

uma grande aventura.



Da minha estatura,

eu observava

a estranha figura

no meio da estrada.

Então eu pensava:

Eis a criatura

que sempre me leva

de volta pra casa.



















Seu futuro



Seria eterno

em sua má conduta,

em sua intensa luta.

Seu mundo

seria um sorriso discreto,

disfarçado de preconceito.

Seria o pior dos homens,

ou poderia ser o eleito

e tornar-se uma lenda.

Sem saber

faria parte de um poema

que não citaria seu nome

em nenhum verso,

somente seu universo

de atitudes e maquiavelismo.

Seria bem lembrado

pelos seus maus feitos,

ou pelos seus estreitos laços

com a humanidade.















Amor urgente



Qual flor

que desabrocha no inverno,

amor eterno,

reflete nas retinas,

um brilho sedutor.



À noite,

teu perfume,

como de costume,

permanece junto a mim.



A intensa cor

que vejo no jardim

transborda em teus lábios,

no batom,

num belo tom,

vermelho carmim.



É mágica

tua imagem no espelho.

Reflete por inteiro

e sem pudor,

teu corpo

que deixou

as roupas que a cobriam moralmente,

caírem lentamente,

tal qual as pétalas

d’aquela mesma flor,

tornando assim,

urgente o nosso amor.



































Aos olhos da fome



Ontem,

a fome fitou-me com seus olhos esbugalhados,

através de uma criança.

Pedia-me que eu a saciasse.

O que eu poderia fazer,

se ela estava em todos os lugares?

Aos olhos da fome

sentia-me culpado.

Achava-me tão inocente

que não percebia que estava enganado.

A fome fala todas as línguas,

se expressa através das retinas,

não manda recado,

não pede perdão.

A fome é uma guerra vazia,

um monte de vítimas,

nenhuma explosão.

A fome,

em seu eterno silêncio,

nos fere por dentro

se ousarmos fitá-la.

Diante de nossa frieza,

a fome é prosaica,

se torna banal.

Diante de tanta fartura

a fome é loucura,

é irracional.

























Confesso



Tocar teu rosto

e sentir a tua falta,

é engraçado.;

já que estás aqui, ao lado.



Meu corpo sente

a aflição de tua alma,

e minha alma

o arfar do corpo ardente.



O teu sorriso

tem pureza e malícia.

Doce magia,

quando eu a vejo sorrir.



Tenho uma promessa a cumprir

em minha vida,

viver somente para ti,

minha querida.



Nas poucas horas

que estamos separados,

com outras atividades,

eu te confesso, sinto saudades.

Por mais que o tempo

enfraqueça o coração,

desde o primeiro momento

é intensa essa paixão.























Perdição



Eu abro a velha porta

de uma noite perdida.

Urino em uma bacia

no chão de terra batida.

Deito-me em frios braços.

Ainda sinto o mormaço

da terra mal aguada.

De manhã volto pra casa,

ainda há cheiro de amor

no suor de uma ressaca

causado pelo calor.

Grudada em minha roupa

está a minha perdição.

Numa noite meio louca

depredei meu coração.



















Não abro mão



Não me peça

para ir a guerra

e perder em um só dia

o que a vida me daria

para viver

uma eternidade.

Não é essa,

a minha guerra fria.

Não abro mão

de minha liberdade.

Quem diria

que na minha idade

eu prezasse tanto a vida,

que na certa

morreria de saudade.



















Ilusão II



Frases soltas,

onde elas estão?

Procuro na resposta

uma razão.

Sem dúvida,

com certeza eu preciso pensar mais.

Além do mais,

posso assim,

encontrar parte de mim

que mais parece ilusão.































Mundo paralelo



Minha mão estendida a pedir esmola.

Seu filho na escola,

à espera de um mundo mais humano.

As nossas chances são poucas.

As nossas vozes estão roucas.



Eu deitado sob um velho banco,

sob o efeito do álcool,

um alucinado sono de uma mísera escolha

pelo dedo indicador de um deus que me [acusa por ser racional.



Uma criança chora de fome,

enquanto os tolos momentos são festejados

[com brindes e músicas teatrais.

Para nós,

pobres animais

que labutam por toda a sua vida por um [futuro melhor

e acabam como um parasita intestinal

que à procura de comida

se digladia em víceras alheias,

saúde!

A nossa plenitude

acaba no céu da boca de um herbívoro

que mastiga indefinidas vezes a nossa nova forma.



Nada é tão rude quanto o desenvolvimento tecnológico,

que sobre a égide do pensamento humano

comercializa as imagens da miséria planetária.

Somos internacionalmente conhecidos,

seriamos reconhecidos por nossos trapos

e nossos olhos de ressaca,

em qualquer lugar do mundo moderno.



Em rede, não tiramos mais um cochilo,

ao contrário, nos mantemos acordados.

E sob nossa vigília

estão nossos momentos de glória,

a nossa história é reprisada em rápidas [cenas do cotidiano.

Talvez estejam nos assistindo agora,

enquanto muda a sua roupa

ou mesmo quando ainda está no banho.



Somos ambíguos,

planejamos uma viajem de férias à lua

e nos matamos na rua

por uma simples dose de ódio.

Quando queremos ver, acendemos as luzes,

quando não,

fechamos os olhos.



Gostamos de marcar nossas covas com [cruzes,

elas representam o nosso remorso.

Os nossos bustos são para ativar nossa [memória,

não são para aparar dejetos de pombos,

embora pareça o contrário.

Criar canário em gaiola é coisa do passado,

eles agora são empalhados.



Eu ou você

poderíamos correr em volta do planeta,

descalços, semi-nus, sem comer ou beber.;

seriamos manchetes nos jornais,

e além do mais,

teríamos os nossos nomes no livro dos [recordes.



Há quem viva em função de uma causa,

e que nada,

nada mesmo, mudaria seu caráter,

a não ser a cadeira do poder.

Eu não quero ouvir dizer,

basta os que sabem que são tolos

e que sábios querem ser.



Abotoem as braguilhas,

dizem os homens de fé,

com a fé em pé de guerra.

Atrasaram meu relógio,

com a bela desculpa de que eu chegaria muito cedo.



Nossa bandeira tremula no palácio.

É alvorada!

Gritava toda a gente.

E na bandeira eu enxugava minhas [lágrimas,

descrente.



Algemam crianças em trabalhos forçados.

Aliciam suas pequenas bonecas.

Se digladiam no plenário,

como piranhas em sangue fresco.

E apesar de tudo isso,

ainda querem ridicularizar meu ópio.





















Momento



Nosso momento,

preso à tela do cinema,

tornou-se tema

de uma antiga canção.



Toque de mão,

beijo de boca ciumenta,

bala de menta,

somos luz na escuridão.



Nossa paixão

retratada em uma cena,

um toureiro na arena,

uma flor em sua mão.



Na multidão,

uma dama que acena,

uma pele tão morena,

uma tarde de emoção.



Na distração,

o homem perde a contenda.;

numa pancada violenta,

a força vence a razão.

Não foi em vão,

o nosso amor tornou-se lenda.

Não há no mundo quem entenda

as coisas de um coração.



























A estrada



Em minhas mãos,

um círculo que giro.

Com o pé instigo

a aceleração.

Numa das mãos

mantenho a marcha.

Um carro passa

na contra-mão.



No negro chão,

há duas faixas,

paralelas e contínuas,

que parecem não ter fim.



Passam por mim

números, símbolos e letras,

que dizem: Obedeça,

é bom me escutar.



E de repente,

eu vejo à frente

uma curva sinuosa.;

a cem quilômetros por hora,

reduzo para contornar.

Em uma reta,

ligo a seta

na intenção de ultrapassar.

A família ao meu lado:

- Tenha calma.

- Mais cuidado.

- Dá pra ir mais devagar?



Continuo a olhar

através de cada placa,

procurando escutar

essa voz que vem da estrada.



Paro um pouco pra escrever

um ou outro verso,

e descubro, sem querer,

na viagem de regresso,

o que a estrada enfim queria,

como tudo no universo,

só falar de poesia.















O esculápio e o poeta



-Não importa quem eu sou.

Antes de falar meu nome,

não esqueça “o doutor”.

Estudei na capital,

não foi no interior.



-Eu não quero ser o tal,

sou apenas um poeta,

me orgulho de quem sou,

minha alma não se aquieta

se em casa não estou.



-Sou jovem e bem sucedido.

Salvarei seu coração

se ficar comprometido.

Controlo a emoção.

Salvo vidas, como médico.



-O poeta é mais modesto.

Só me lembro de um poema

que evitou um suicídio.

De coração não entendo,

só quando muda o sentido.





-Isso sim, não faz sentido,

ter tanta inspiração.

Se fosse um grande poeta,

demoraria na certa,

a fazer versos à mão.



-Orgulhoso ficaria,

se poetinha me chamasse.

Muito mais fez o Pessoa,

se o doutor mais estudasse,

desse fato, saberia.



-Não seja bobo, não ria.

Não tem nada de engraçado.

Sou um homem respeitado.

Muita gente rezaria

pela minha companhia.



-Disso eu não duvidaria.

Na hora da precisão,

todo louco tem razão ,

cada um com sua mania.



-Sou um homem preparado.

Por muitos sou procurado,

quase todo santo dia.

Estou sempre acompanhado

por gente que tem valia.



-Eu tenho por companhia,

o silêncio e a solidão,

ambos trazem poesia

e entregam à minha mão,

meu trabalho é muito pouco,

basta que eu seja louco

e escreva com emoção.



- Finalizemos enfim,

essa nossa discussão.

Como eu sou o doutor,

prova que tenho razão.



- Não digo que sim,

que não.

Digo com sinceridade,

como poeta

sou louco.

Loucos, sei, não têm razão.

Mas doutor é muito pouco,

pra ser dono da verdade.



















Sereno



Não preciso te perder

para saber

que te amo.

Não consigo mais me ver

sem a tua companhia.

Não me engano,

e jamais te enganaria.



Meu amor por ti é pleno,

tão sereno

como mágoa perdoada.

Para mim

você é tudo,

tudo sem você

é nada.



Na moldura,

em silêncio,

você atrai o meu olhar.

Através do pensamento,

ponho a mão em sua cintura

e a tiro pra dançar.



Como é difícil aceitar

o que a vida me reserva.

Todo o tempo que há na terra,

para mim não valeria.

Mesmo que ela fosse eterna,

meu amor não caberia.











































Coisa de criança



Uma canção de ninar

que o meu pai sempre cantava,

fazia a minha mãe chorar

enquanto me balançava.

Chora de tristeza e dor.

Eu só a observava,

pois eu sentia o mesmo calor

de quando ele se deitava

e falava:

-Filho, aqui estou.

Com os olhos cheios de lágrimas,

aponto o meu coração

e digo com emoção:

-Mãe, papai nunca partiu.

Sempre esteve aqui.

Enfim, vejo ela sorrir

e se deitar junto a mim.

Um cheiro vem do jardim,

junto com um vento frio,

Então papai nos cobriu,

e nossas testas beijou.



















Benta



O que fazia

tão cedo na igreja,

no tempo, ou seja,

nas horas vazias.

Seus dedos

passam sobre o terço.

No quarto inteiro,

seu corpo jazia.

No escuro breu,

aprisionara Deus.

Por trás do muro

de um seminário,

numa foto de um calendário,

havia uma imagem

retratada e nítida.

Ela dizia:

- Não é uma santa,

sou apenas eu.















Indefinido



Uma pequena erva.

Uma floresta inteira.

Uma cratera aberta.

Uma fogueira acesa.



Um galho desfolhado.

Um chão que só se pisa.

Um ser desmiolado.

Um beco sem saída.



Um leque só de penas.

Um canto de canário.

Um giro nas antenas.

Um péssimo cenário.



Uma fértil ciência.

Uma terra ferida.

Uma triste consciência.

Uma lição de vida.

















Retrospecto



O que a vida me reserva?

O que me reserva a vida,

ainda?

Uma história sem memória,

de uma memória que finda.

Um espaço delimitado

por quem reconheceria

que não fui nada pro mundo,

pro mundo eu nada seria.

O meu futuro,

advinha?

Em nada acrescentaria.

Um retrospecto de tudo,

de tudo que eu nunca fui

e que jamais eu seria.

















O circo



De longe vejo a lona colorida.

Um aglomerado em frente à bilheteria.

O espetáculo ainda não começara.



Eu inquieto pelo tempo que esperava.

O meu sorriso ilumina

mais que as luzes da entrada.



As tábuas da velha arquibancada

movimentam-se pelos passos que me levam

a altura desejada.



O som explode em meus ouvidos,

eu me assusto de início

e de repente a voz do circo se acalma.



Junto com todos bato palma

para um rosto que parece conhecido,

com pintura e um engraçado nariz

o palhaço me faz feliz.



Na distância, olho da minha janela,

lá no fim da mesma rua,

a sombra que faz o circo

pela luz que vem da lua.



Apago a vela

e a vida continua.







































Infância



Infância.

Uma criança perdida à distância

aproxima-se de si, adulto.

Seus pequenos passos

que vêm do passado,

chegam enfim ao futuro.

Largas passadas de um homem sadio

que se apressa em busca de um sonho.

Mas sua vida se torna um vazio,

seus passos um desafio.

O tempo leva-o para perto de um velho

que no espelho é um estranho.



Infância,

uma lembrança que está no passado.

Um ancião que mantem-se acordado

para sentir-se ainda criança.

Sobrepujando o seu corpo arqueado

há uma nova esperança.

Mantem no colo um antigo retrato,

retrato da sua infância.

















Felicitação



Espero,

não por esperar,

mas por desejar

que tudo dê certo.

É certo,

não por minha certeza,

mas por meu desejo

que se realize.

Desejo

que não é prazer,

é apenas o querer,

é minha vontade.

Vontade

que dá e não passa.

Passado e presente

são vida.

Futuro,

só passos incertos.

















O feitiço



Foram rios de pensamentos

que inundaram minha vida.

Fortes ventos,

minha cauda em movimento,

um girino sem saída.



Foram anos de silêncio

como batráquio,

e você me despertou

com seu beijo de princesa,

meu amor.



Com ciúme da beleza,

lança o feitiço, a bruxa.

Prendendo o príncipe no rio

causa à princesa, um vazio.

Que estória mais esdrúxula.





















Não me limito



Não me limito

ao pão de cada dia,

ao revés de uma moeda podre,

à extrema unção

do padre na igreja,

à sobremesa

dada ao gato sob a mesa,

à tristeza

nos olhos do menino pobre

que pede ao nobre

a bebida de seu pai alcoólatra.

Não me limito

a aceitar o preconceito

como remédio

à minha falta de zelo.

Não quero ser feito

e nem fazê-lo,

apenas me aborreço

com a hipocrisia.

Não me limito

à morrer de alegria

quando estou à frente

de um multimilionário.

Não me limito

aos dias riscados no calendário ,

às férias que terei no deserto,

às fotografias

em cima de um Dromedário,

à rosa preferida,

a D’ália,

mãe e rosa,

rosa mãe

e cheiro.

Não me limito

ao que compra o dinheiro.

O meu orgulho,

herança de meus pais.

O meu limite é mais

que simples gesto.

É indigesto

o meu depoimento.

Não me alimento

de rezas e defuntos.

Sou para muitos

apenas ilusão

e sem razão.

Escova os seus dentes

que não sorriem na sua artificialidade,

assim o meu avô

gravou na sua idade

um centenário de recordação.

Não me limito

a ter a pretensão

de iluminar a lua

com uma lanterna

e não almejo

a ter uma vida eterna

na altura de minha volatilidade.

Não manuseio cópias de mim mesmo

e não rateio

as contas dos aposentados.

Não me limito

ao choro dos desempregados

e não prometo

cumprir a minha jura

quando jurei com os dedos cruzados.

Não me limito

a colocar em dia

meus dias atrasados.

Não me limito

ao pó debaixo dos seus pés

ao que invés

de mim será você.

Não me limito

a individualidade existencial,

ao bem,

ao mal,

posto que sou bem mais que eu.





















Saúde



Enquanto eu,

sozinho,

selo meu destino

e apago na areia,

meu nome.;

a extensa mão da natureza

pega um antigo cálice

sobre a mesa

e brinda com sangue

à minha saúde.































Maratona



Escuta o coração em disparada

por ter os pés

trilhando as ruas da cidade.

Alguém acena na praça.

Seus passos em velocidade.

Seu desejo de vencer.

Não pode ver direito quem a chama,

só vê a chama

que a chama pra correr.

Olha pra trás

para ver quem lhe acompanha.

Corta a faixa

com o peito de quem ama

a maratona,

uma terra conquistada.



















Adeus



Eu me distraí um pouco,

entre um gole e outro.

Revi a minha fatídica vida

desde a comemorada chegada

até a suposta partida

no dia em que morri.

As velas

queimavam minhas mãos.

No silêncio,

a ladainha de velhas senhoras

guiava-me

pelo mundo dos mortos.

Adormeci

em meu estranho sarcófago.

Uma múmia desdentada,

porém lúcida.

Eu não revelo lágrimas

pelo que choro.

Enquanto um velho galho,

seca e padece,

um novo,

na árvore, floresce.

















Agorafobia



Enquanto coara,

minha roupa, sob o sol,

sob o lençol,

empalidece minha cara.

Tornam-se raras,

minhas idas ao quintal.

Não há pegadas,

apagaram-nas a chuva.

Não saio à rua,

nela me persegue o mal.

A minha reclusão

à sombra do telhado,

deixou-me frágil

como a roupa que se rasga.

Todas as lágrimas derramadas,

foram poucas.

todas as outras,

foram falsas.























Recuperação



Acompanhei todos os seus passos,

minha criança.

Quando em meus braços,

renascia a esperança

de vê-lo livre para criar jogos e danças

e superar tantos limites.

Teu olhar triste

a resmungar indecifráveis palavras,

gemidos

de um corpo que não sente dor.

Aquela expressão estática,

que de repente,

entre risos,

desatava o nó do silêncio,

hoje, é apenas pensamento

de uma mente compenetrada.

Tua razão

superou as minhas lágrimas,

e me faz reconhecer,

que são hoje derramadas

pela alegria

de vê-lo vencer.

















Solitude



Quantas vezes

fiquei só,

com as rugas da idade.

Quantas noites

dormi tarde

sob as sombras

de uma lua.

Quantos passos

tem a rua

que morei.

Quantas lágrimas

chorei.

Tantas letras

sei de cor.;

quantas delas

eu cantei

pelas vezes

que eu fiquei

só.

















Fâmulo



Atravessada

ainda está, a palavra,

tal qual espinha

que rasga a minha

garganta.

Posto a resposta

só ser esperança

de um indivíduo

modesto e pacato.

São os meus lábios

dois reprimidos falantes

que educados

fizeram silêncio.

Por ter respeito

e não por ter medo,

só emitiram um sim de desprezo,

naqueles tristes instantes.





















Escolha



Soprei o pó

de minha própria cinza,

pus a fé divina

sob a razão.

Do meu coração,

foi a alma extinta.

Minha parte humana

é larva no chão.



Uma dor antiga

que era visceral.

Um imenso mal

que ofusca a retina.

Uma doença crônica

que enfim termina

num hálito

de uma boca sepulcral.



Pus o bem e o mal

sob minha ética.

Minha forma estética

é de um ser real.

Minha escolha é lúcida.

Na mão da ciência,

seguem meus princípios,

meu valor moral.





































Poema amargo



O mundo me intriga.

O que significa

essa luz que brilha

lá no céu,

e esse carrossel,

a vida,

que gira

e me deixa enjoado?



Como será que vejo a vida,

sendo um poeta calejado

por esse clima,

tal comida,

temperado

pelo sol

que frita

meus miolos

como o peixe que eu tiro

do anzol?



O arrebol

é um louco desolado

que ateia fogo no paiol

molhado.

Eu observo a chuva

que respinga do telhado

e vejo na miséria

o meu pecado,

e indago

o que significa

esse mundo que me intriga,

que me deixa

escrever as minhas queixas

num poema tão amargo?





















Os macacos



Tapa os olhos

para que eu não possa ver.

Os ouvidos

para nada eu ouvir.

Tapa a boca

para eu não poder falar.

O meu coração,

tapo para não

sentir.

São macacos que retratam minha dor.

Sou o quarto,

o alvejado por amor.

Sou macaco em extinção,

e em cada mão

tapo o que sou.



















Trincheira II



A noite

foi desumanamente quente.

Como dormir

sob os auspícios dessa gente?

Meu sono,

um cochilo tão somente.

Meus sonhos,

pesadelos que não surpreendem mais.

Numa lápide,

leio os nomes de meus pais.

O coveiro

observa-me em silêncio.

Desperto,

em meio a um calor intenso,

passo a mão no rosto,

percebo que pareço com os demais.;

um soldado,

que acima de seu posto,

sente o gosto

de uma remota paz.

















Na ponta dos dedos



Toda história

é feita da memória

de um passado.

Cada fato,

em conjunto ou isolado,

é o destino

pontilhando cada hora,

tudo aquilo

que outrora

foi acaso.































Juiz ou réu



Não me atire a primeira pedra,

ela pode lhe ferir

ao atingir

a sua consciência.

Não me deve obediência,

paciência,

mas como semelhante

eu mereço o seu respeito.

Sob o mesmo céu,

juiz ou réu,

é só mais um papel a se cumprir.

É o mesmo ar

que nós devemos respirar.

Entre o bem e o mal,

somos livres para escolher.

Não julgo você

para não me julgar.

Sobre nossos túmulos,

rosas secarão

e jamais

entre nós, mortais,

alguém saberá

quem tinha razão.

















Sobre o muro



Fui sangue derramado na caneta,

numa letra

com fundo musical.

Fui notícia

estampada na primeira

página de um jornal.

Fui um pouco,

do pouco o necessário.

O bastante

para não saber quem sou.

Sou um louco

sobre o muro do asilo

indeciso

sem saber se fico

ou vou.



















Canoa



Defini meu vazio

sobre a canoa.

Eu à toa,

ela solitária na praia.

Somos parte

de uma paisagem natural.

Uma arte

que é feita de sol,

de água e de sal.

Da canoa observo a areia.

Já cansado de tanto esperar

eu mergulho no mar.

A canoa continua alheia,

sem ninguém

para levar.



















A terra



Não vejo

vida além de mim,

em nenhum outro planeta.

Eu continuo só

num universo cheio de estrelas.

O meu retrato diz

que sou feliz

com um mundo assim.

Procuro uma razão

para essa solidão

que há em minha volta.

Procuro enfim

ainda ser feliz

sem saber qual a raiz

que me sustenta.



















Sob as árvores



O sol espia

por entre as árvores

e assim invade

a sombra em vão.;

pois cada folha

tem seu próprio verde

como as pessoas

que sob as árvores passearam,

têm suas verdades,

e nunca notaram

qual a razão.

A luz transcende por entre caules.

O vento sopra na solidão,

e diz:- Quem sabe,

tantos detalhes

de uma bela paisagem,

possam tocar

algum coração.













Queda dágua



Como as águas

pelas pedras

a caminho do seu fim,

são meus olhos no jardim

à procura de uma flor.

Sou o único colibri

que no cheiro e na cor

encontra seu bem querer,

em sua pele o prazer,

em seus olhos

o amor.



























Entre o céu e a terra



Não me venha vilipendiar o nome

qual abutre que minha carne come

e expõe as minhas víceras.

Quando exposto eu me torno frágil,

quando frágil, torno-me fecundo.

O meu ódio se torna volátil.

A minha criação, dantesca.

Minha alma, da porta do céu

desce ao inferno profundo.

Os meus olhos são ferro em brasa,

pelas costas eu vejo você.

Em meu peito eu conservo a mágoa,

na vingança o prazer.

Não me venha pedir pra esquecer

uma queixa que agora é eterna.;

nunca houve inimigo maior

entre o céu e a terra.























Caridade



Vesti ao avesso,

meu calção listrado.

Esquerdo ou direito?

Sapatos trocados.

Alguém ao meu lado

me dá uma mão,

destroca os sapatos,

ajeita o calção.

Num gesto, num ato,

numa lágrima contida,

uma nobre lição,

um enorme passo

nos degraus da vida.























Meu xará



Amigo,

poderia chamar-se José, Carlos, Joaquim,

mas não,

seu nome é João.

A vida é assim,

nos traz dores-de-cabeça.

As dores-de-cabeça

não deviam nos levar os amigos,

sem motivo,

sem razão.

Nos meus olhos há tristeza,

lágrimas, não.

O poeta não chora diante da morte,

apesar do pesar.

O poeta só sabe chorar

por amor, por amar.

O seu nome não será esquecido,

será acrescido

do verbo lembrar.

E se alguém, sem saber a razão,

perguntar:

-De quem fala?

Eu respondo na lata:

-Do amigo João.













Ateu



Não me sinto contrito.

Os meus atos

não são benevolência.

Meu sarcasmo

não é revide a insultos.

Não há cicatrizes

em meus pulsos.

A falange

no alto observa.

Não vê céu,

não vê terra,

vê o mundo

na glória do absurdo.























Mitológico



O céu fecunda a terra,

nasce o tempo

e com sua queda,

um titã sustenta o mundo.



Vem o amor e a beleza

das espumas do oceano.



Aquele que é feio e manco,

apaixona-se pela deusa.



A melhor das divindades

aos lares traz alegria.



A deusa da sabedoria

é a maior dentre as cidades.



Deixa o mundo passar fome.

Sua filha traz consigo a primavera.



Vive em função da guerra.

Além da bela, ama o sangue.



Do alto do monte, governa.

Sua esposa é um incesto.

Acorrentado a um rochedo,

o seu fígado se regenera.



Pai e filho voam em fuga

com suas asas de cera.

Seus olhos o sol espelha

e o moço perde altura.



Sua flecha incendeia

o amor que chega inteiro.

Cai aos pés de uma princesa.

Feitiço no feiticeiro.



Ao monte, declaram guerra.

Um semi-deus os combate.



Com um só olho na testa,

forjam o raio que ao céu parte.



Um depravado persegue

as jovens que habitam as águas.

Aos pastores ele protege,

com a sua forma de cabra.



Somos nove, pela arte.

Somos filhas da memória.



É mortal apenas parte.

Da embriaguez, faz história.



Em suas mãos, um tridente.

Pelos mares tem um caso.

Os cabelos de serpente,

em seus braços.



Seu reflexo nas águas

consome a sua vida.



Ela é divindade da caça.

O seu gêmeo, da harmonia.



Sua astúcia e trapaça

fizeram-no, dos deuses, mensageiro.



Com a ajuda da amada

resgata a pele de um supercarneiro.



Perseguido pelos mares

volta para sua amada.



As botas o suspende pelos ares

enquanto uma cabeça é decepada.



O príncipe penetra o labirinto

e mata o homem que parece touro.



Já outro tem de homem, o coração

e de cavalo tem o corpo.



O cão que guarda as portas do inferno

é pelo grande herói, derrotado.



Um outro herói é morto ao cair

de seu cavalo alado.



O músico busca a jovem delicada

das grades do inferno.

Ao dar as costas, olha para trás,

e o destino da amada, é certo.



Depois de raptada

pra região do inferno,

tornou-se de seu dono,

rainha e amada.



A pedra que empurra

sempre volta cume abaixo.



Pra não chorar à margem,

pague, da barca, o pedágio.

























Louca



O que fez a loucura

à sua mente.

Tantos gritos

emitidos sem razão.

Ainda ferem

meus ouvidos.

Ainda magoam

o coração.



Seus gemidos

talvez chamassem a gente.

Os seus olhos

revelavam sofrimento.

E em meio ao estranho esquecimento,

uma lembrança

parecia ser urgente,

a de uma oração.















O matemático



Nas margens de meu caderno,

anotei,

não tenho tempo.

O meu fim estava perto.

Adiantado,

o pensamento.

Entre números,

meu silêncio.

Na política,

entusiasmo.

A platônica paixão

entre o destino e o acaso.

Eu rabisco a estupidez

pelo fim que era trágico.

Só escuto o estampido.

Morre um gênio matemático.

















Terra e Lua



É a lua

que orbita meu querer.

Sem você

sou um planeta solitário.

As estrelas

têm ciúme de seu brilho,

no sistema planetário.



Toda noite

em meu céu posso lhe ver.

De manhã

parece desaparecer,

mas ainda está lá.

Dessa forma

não consigo esquecer

a beleza do luar.



Muitas vezes,

você quer se aproximar.

Mas o mar

nessas horas se revolta.

Nossas vidas

são seladas pelas voltas

que nós dois temos que dá.

E um dia

quando a gente se unir

e esse mundo

por acaso se acabar,

Terra e Lua vão estar

no vazio do existir.











































Conselho



Se você ainda crê,

não duvide.

Se você tem dúvida,

é melhor acreditar.

Se não acredita mais,

continue a duvidar.

Pode ser na fé.

Pode ser no amor.

Pode ser na dor

em seu coração.

Na realidade

ou na ilusão.

Pode ser no ser.

No não existir.

Pode ser em mim.

Pode ser em si.

Pode ser no além.

Pode ser aqui.

Pode até não ser,

detesto dizer,

este é o fim.

















Além



Abri meus olhos,

vi

um rosto especial.

Em um jardim real,

uma bela flor-de-lis.

Mas ver além,

eu quis.

E muito além do mar,

havia um lugar

no qual

nunca pisei.

A casa que morei,

a sua porta

abri.

O quarto ia além

do que eu podia ver.

Além de mim,

você.

Além de nós,

ninguém.



















Custódia



Ainda há tempo

para o perdão

ao meu silêncio.

Posto que és

apenas uma doce criança.

Mesmo que eu seja

tua mais triste lembrança,

sempre estarei por perto.

Contaste as horas

para ver o meu regresso.

Eu vigiava

o teu rosto na janela,

enquanto tinha a minha vista embaçada

pelas lágrimas.

Não sei se escutas

os meus passos na calçada

quando a rua está deserta.

Não sei na certa,

se ainda existe nós.

Talvez eu perca a tua infância,

mas jamais a esperança

de ouvir a tua voz

chamar-me pai.











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