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Poesias-->POESIAS AVULSAS -- 03/11/2006 - 22:15 (Francisco Miguel de Moura) |
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ENTRE O SIM E O NÃO
Francisco Miguel de Moura*
Que dizer ao morto
quando vive seu funeral?
E aos vivos que morrem
na noite funérea?
E aos corpos que pingam, ao copo
de pinga, aos pires que derramam café?
Abrir a boca ou calar em respeito
ao morto que está?
Com dor nos olhos fazer a força
do ar de mistério?
Ou abraçar a viúva com seu suor,
seu preto noite, seu almíscar,
seu olhar tão sério?
E a desesperança orquestrada
pelo zumbido ido
de uma mosca, quase esgar?
E o cochicho de um mortal por entre grades
de um sorriso de espasmo?
E o choro rompendo a eternidade?
Ignorar a sisudez do morto
e seu silêncio fatal, quem há de?
O EU, O NÃO E O NÓS
No tato, o ato e a densidade do chão.
O contr/ato é possível mas inútil,
o argentum isola, desconhece
veias
estômagos
vazios
brinquedo e paixão.
O desengano não é ledo, chora
o outro – segredo
de não-eu, de alienação,
o tudo que não é verme,
o mundo que sem ganhar se
perde.
Uma rosa é uma rosa, é uma rosa, é uma ro...
Uma rocha, é uma pedra,
uma pedra é uma
uma perda
una.
Maria e João nunca se amam nem se casam,
e, ralando, e rolando, se amassam e se massam...
Enganam-se.
Mas o tato é possível por Deus,
enquanto o Demo se esfrega
enquanto os dois não coçam o olho e o ânus.
Quem finalmente terá compaixão?
Que cem vezes cem se repitam
o ato, o tato, o contrato e o costume do nós.
O RETRATO
Pássaro empalhado
na sala de visitas,
seca a luz
no humus da face,
mostra um tempo descarnado
e sem mãos.
Empanou-se-lhe o brilho dos olhos
e a eletricidade dos fios
de cabelo, da pele, dos lábios.
Mesmo com um riso bucal,
falta lhe sal, sal, sal...
Sente fome
de tudo, sente sede,
e se consome,
vira mito – o retrato, na parede,
morto
e a morrer.
RESPOSTAS
Os que sofrem
e lamentam ais.;
sobre aquele que cala e nem come,
sobre o que abre a boca e fala,
e os ouvidos consomem
palmas.;
sobre os construtores de edifícios
(e lá de cima vêem o chão longe
e o céu perto)
caem perguntas.
Lêem o inscrito.
Mas os criadores
de palavras de afeto
moram um deserto vivo.
Lêem placas, nomes,
números, ritos...
Perguntas que lhe fazem
fora do eixo-limite.
Eles se inquietam sem repostas
como se escrever fosse escalar o céu,
ganhar o inferno, descer ao inverno
frio, sem suporte,
ganhar no grito.
Escreve, apaga, esquece...
OUTROS TEMPOS
Tempo por tempo é prática sem pejo,
tempo maior – comparação inútil,
tempo menor – gastar com coisa fútil,
tempo sem dó é tempo sem desejo.
Tempo de sol nos chama como arpejo,
tempo de mi(m) – enevoado inverno,
tempo sem hora – aquele quase inferno,
tempo do outro é o tempo que não vejo.
Tempo sem nome vem no beijo ardente,
pra se saber que é tempo basta crer,
tempo sem tempo é tempo inconseqüente.
Tempo de amor, eis tudo o que se quer,
carinho e graça, é quando alegremente
os contrários dão tempo a um novo ser.
INFIEL, O TEMPO?
Cruéis e desumanos, com trapaça,
torcemos a dinâmica da vida,
quando outra, talvez grande, nos convida
a dar adeus ao que passou, que passa....
Ser mecânico e fiel a si, sem queixa,
é o tempo e no espaço tem guarida,
enquanto nós fazemos-lhe a ferida
que deságua na morte e em dor se fecha.
Sobre a ilusão do tempo e sua ótica,
quero crer temos vida mais caótica,
basta ouvir-se os reclamos da paixão.
Cruéis e infidos somos nós primeiro,
pois só o prazer queremos por inteiro
quanto mais bata o nosso coração.
TEMPO E HOMEM
O tempo, lindo ser – se nos abraça,
não porque quis – durar faz seu mister.
O tempo é sincronia quando enlaça
os espaços do ser e do não-ser.
É por aí que o homem perde a graça,
desincroniza as dores e o prazer,
fuma e bebe o que resta por torcer,
contra o eterno decreto à sua raça.
De livre arbítrio em mão, segura a taça
da infidelidade ao ser que passa...
Mas o tempo se queda de impassível.
Cruel e eterno, o tempo a si se traça,
só o humano destino é que fracassa
na construção de um ser indefinível.
DESCOMPASSO
Penso e repenso o eterno descompasso
entre nós e o tempo, e como é duro
ver o homem cair num poço escuro
enquanto o tempo vai ganhando espaço.
Ele segue e transpõe todo embaraço,
sem começo nem fim, e vai seguro.
Nós, ao contrário, ardemos neste impuro
desejo de contê-lo no seu passo.
Daí que embora irmãos, nascidos juntos,
o tempo tem seu único destino,
mas nós queremos mais, queremos muitos...
Queremos que o infinito seja amor,
e nos perdemos nesse desatino,
no fim da linha, numa grande dor.
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*poeta brasileiro, mora em teresina, capital do piauí. E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
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