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Poesias-->Em nome do pai e do filho -- 19/03/2007 - 16:11 (JOÃO FELINTO NETO)
PREFÁCIO São tantos questionamentos que é necessário desvirtuar-se um pouco da realidade para melhor introspecção em busca de algumas respostas. Vale ressaltar que quase sempre não temos resultados coerentes. O poeta norte-riograndense João Felinto Neto faz brilhar no universo literário esse ponto de luz que é Em nome do pai e do filho. Poesia crítica aos conceitos, aos preceitos e ao sentido da vida. Um extremo solavanco na intensa necessidade de criar para viver, não eternamente, mas por muito mais tempo. Ao debruçar-se sobre estas páginas, o leitor ficará inquieto diante da presunção inconsciente com a qual o poeta destila um insidioso veneno nas mentes pacíficas e acomodadas ao pensamento convencional. O poeta digere o sofrimento, as angústias, o inquietante indagar cotidiano à sombra da enorme catedral e o pálido porque dos importunos, através de seus versos. Em nome do pai e do filho não convenciona verdades nem sintetiza argumentos. Todavia, exaspera aos que não enxergam à luz da razão. Humberto Gaspar EM NOME DO PAI E DO FILHO Ao bater na porta, Meu corpo treme. Então, me acorda A dor premente. O meu corpo sente E desaprova. Quem me acordaria Àquela hora, Seria enfim, a morte? Luto pra ser forte, Indiferente. Adentra o recinto, Descontente, O meu filho que sofre. - Pai, minha tia diz que sua sorte É de Deus castigo. - Venha cá meu filho, Sente-se ao meu lado. Não existe Deus ou o Diabo. Eles não têm nada haver com isso. - Não entendo, pai. Qual é o motivo? Aonde você vai, Eu irei contigo? - Escuta, querido. Lembre-se do que digo. Imagine uma velha carroça Numa disparada sem sentido, Numa poeirenta e triste estrada. Quando o burro em uma guinada, Joga a roda numa poça d’água Que enlameia uma cerca, Não há um motivo. Todavia, nem todas as estacas Seriam afetadas. A lama seria os males do mundo. Eu, uma das estacas atingidas. Poderia ser a sua tia Ou qualquer pessoa nesse mundo. São tolas palavras, As que a fé, dita. Que sejam caladas, Que sejam proscritas. Nada determina nossa vida. São folhas caídas Numa enxurrada. Quanto a estar contigo, Será para sempre Em suas lembranças. Não é diferente, Quando o corpo morre Também morre a mente. Eis que nossa alma Morre com a gente. Não chore filho, Não fique descontente. Há contos de fada, Onde nossa alma Vive para sempre Num lindo lugar. Basta acreditar, Que estará presente. - Minha tia disse que o inferno É um lugar quente, Onde a alma geme Atormentada. - Sua tia é louca e desvairada, Foge de si mesma, assustada, De um fanatismo incoerente. O Diabo não passa de muita gente. O inferno, uma vida atribulada. Quando o cérebro pára, Não há cético ou crente Que veja mais nada. Onde haveria de estar a alma, Além de numa mente fértil e demente? Filho, para sempre É coisa passada. Viva o presente. Quanto a céu e inferno E um viver eterno, Não seja inocente, É coisa sonhada. - Pai! E se for verdade O que a tia diz. - Ela é infeliz, Mesmo com saúde, Tem medo da vida Mais do que da morte. Onde há verdade, Há também coragem. Quem vive Não morre. Onde estaria O Éden perdido, Esse paraíso Feito de matéria, Onde um ser pensante Sem massa cefálica, Caminharia um instante Sob um chão de nada, Numa tarde ensolarada Quando não haveria sol? Lá estariam as almas, Também sem matéria. Sentiriam elas, Uma beatitude Sem haver terminações nervosas? Isso tudo é prova Que é a imaginação, Uma ilusão, Quase ninguém nota. -Pai, Se não existe Deus Quem criou o universo E tudo que nele há? - A resposta está No fundo do cérebro. Basta acreditar. Não há criação, Tudo é de fato. Sendo Deus então, Uma criação Do homem fanático, Seu próprio retrato. -Preste muita atenção, A razão fala mais alto. Quando ouvir o coração, Avalie o resultado. -Se eu morresse agora, Morreria satisfeito. Pois, vivi outrora Tudo que tive direito. - O mundo é perfeito Em sua imperfeição. Imagine-o como criação, O autor um deus Que é em si perfeito. Esse deus, quem fez? E por sua vez, Qual o criador Que o outro deus criou? Seria sem fim. - Pai, diz para mim, Como vou viver Longe de você.; Não será meu fim? - Chegarei ao fim Como um indivíduo intelectual, Entre o bem e o mal, Entre o bom e o ruim. Todavia, A minha matéria continuaria, Ela é infinita. Sendo assim, um dia, Serei apenas uma lembrança. Você é criança. Vai crescer, sabia? Digo isso a você, Apesar de não saber O que espera o futuro. O que não aconteceu É obscuro. Não há jamais, como prever Se ainda vai acontecer. Siga seus princípios Morais e éticos. Seja sempre cético Ante os artifícios. Afinal, a vida em sociedade Exige coragem E respeito mútuo. - Pai, eu devo questionar a tudo? - Filho, na verdade não importa Se alguém criou o mar, Banhe-se. Quem faz o vento soprar? Sinta-o. De onde vem a música? Dance. - Pai, até onde devo aprender? - O saber Não tem limite. Nós devemos aprender O que na verdade existe. Porém, é apenas conhecimento. O verdadeiro instrumento É aquilo que criamos. Pois, ultrapassará nossos anos. Viveremos assim, mais tempo, Dentro de futuros pensamentos. - Boa noite, pai. - Durma bem, filho. Quando enfim, parte A minha criança, Vem-me a lembrança De um livro que li. Pura poesia no livro havia. Em voz alta, eu repito O seu título: - Em nome do pai E do filho. SUA CASA Não espere por Deus, nunca, Você nunca o verá. Sua voz será a única Que você ouvirá. Se quer acreditar, Não escute o que digo. Porém, se duvidar, Questionar é preciso. Entre covas dispersas, Não há bem, não há mal, Só há nossas conversas De fulano de tal. Em um golpe fatal, Acertei sua nuca. De uma forma geral, Vou fundir sua cuca. AURORA Sou eu que choro de amargura Enquanto a noite escura Ainda sorri lá fora, Ao ver surgir a lua. Estou à espera da hora, Perante a loucura Da dor e da demora. Eis que a manhã se afigura, O sol me apavora. É mais um dia de tortura Por não ter ido embora Como se fora, a pouco, a lua, Nessa mística mistura Que é a aurora. POR ACASO Eu tomo uma decisão Entre duas opções. Numa, eu mato um leão. Na outra, não. Sei que a decisão é minha, Mas a tomei por acaso. Nada, a ela determina. Não é destino, é um fato. O leão fora caçado, Não por que devia ser. E também foi por acaso, Na minha frente, aparecer. Há um leão a morrer Por efeito do disparo. A causa, o meu querer, Uma disposição ao acaso. Na verdade, leões eu não mato, Apesar, de versos, escrever. Não importa na vida o que faço. Por acaso, O que faço É viver. DESPEDIDA Em cada ponto de partida, Uma chegada. Em cada casa Há uma porta de saída. Em cada sala, Uma visita indesejada, Que se cala Numa ingrata Despedida. O ANJO E O MONSTRO Tu és o meu lado humano, Aquele que cuida de mim.; As asas de um doce anjo Que voa sobre meu jardim.; A cura de minhas feridas.; A cicatrização da dor.; A emoção de minha vida.; A realização do amor. Eu sou meu lado desumano, Aquele que quer ver meu fim.; As garras de um cruel demônio Que fere o anjo no jardim.; A fúria que não é contida.; O obscuro lado do terror.; O monstro que em mim habita Que é insensível ao teu amor. ALIENÍGENA Esse mundo não é meu, Eu sou um alienígena. No meu mundo não há Deus, Não há castigo que fira, Não há alma condenada, Não há céu e nem inferno. Lá, o que tem de eterno É a essência herdada. É a única morada Que o acaso concebeu. Já nesse mundo de adeus, Cada um de nós perdeu O caminho para casa. LIVRE DA FÉ Pai, Não me faça odiar a teu Deus Só por não merecê-lo. Os castigos que devem ser meus, Não os dê a terceiros. Não desejo jamais conhecê-lo. Os meus erros São atos banais Ante os ais Dos que choram de medo De um deus que é espelho De indefesos mortais. Pai, Não condene meu êxito De livrar-me tão cedo, Dessa fé dos demais.; De acordar desse teu pesadelo, No qual, os meus desejos Levar-me-ão ao degredo Com minh’alma em paz. UTOPIA Sou borboleta perdida Que no jardim bate asas. Nasci sem ter companhia. No casulo fui lagarta. Arrastei-me nesta vida, Entre árvores esfolhadas, A procura de comida Numa floresta devastada. Hoje, vôo em liberdade. Sinto a saudade de um dia Em que eu era utopia E não verdade. CULPA Eu fui a lei Para o homem que nasceu jurado. Fui um carrasco Para o vassalo Que desobedeceu ao Rei. Eu fui talvez, A cova para o missionário Que ao ver o Diabo Achou que era a sua vez. Fui eu, vocês. A cada um, eis meu recado: Sou agora o pecado Pela morte que me fez. UM GRÃO Sou do universo, um grão. Ponho na mão, Um punhado de areia. Sou apenas isto? Ainda dizem que eu existo! Sei que existo Por acreditar saber. Porém ser, É aquilo que acredito. Entender, Eis a parte mais difícil. Se existo, Por que não consigo ser? CONTINUIDADE A distância É apenas a espera. A espera, Paciência. Abra os braços, Continue em terra. A lembrança, Barco a vela Que navega em silêncio. Não há nada de novo no tempo. Amanhã, não importa a idade. Somos continuidade. MÃOS OPOSTAS São tantas as minhas dúvidas.; Perguntas que jamais terão respostas. No meu campo de batalha, não há luta. Sem pecado, não há culpa, Só as duas mãos opostas. Não sei ajoelhar-me e fazer súplicas, Estas ações em mim seriam hipócritas. A quem eu deveria tais desculpas? Não há sensação nas luvas. Minha prática é estóica. A minha mão não sela minha jura. Minha loucura é baseada em lógica. A minha trajetória não é curva, É retilínea sob a luz de minha óptica. CERVEJA Tão fria, Porém, me deixa tão quente. Espuma fremente Que me alicia. Loira que sacia Um desejo ardente Que me deixa ausente Quando minha boca O copo esvazia. CÔMICO Bati o pó De minha terra.; Estava só, A sua espera, Há mais de vinte anos. Talvez, já não me reconheça. Mas sou o mesmo, Tão cheio de planos. A minha porta está aberta. A minha vida um triste espelho. Diante de meu desespero, Sou cômico. O OLHAR Espantado? Espantado, talvez. Espantado comigo? Espantado pelo que sei. É fitando o espelho que eu digo Que não sei o que sei: Se esse olhar tão perdido Que é por mim tão temido, É o meu Que fitei. ENTRE GOLES Entre goles de uma bebida pura, Pela jura de esquecer o outrora, O que faço, Se estou cavando, agora, Minha sepultura? Ao pedido de quem mais me culpa, Pela ajuda de quem mais me olha. Meu fracasso Em pedir desculpa, Já não lhe apavora. Nem a força de toda ternura Ante as lágrimas de quem sempre chora, Vai mover de minha sepultura Essa areia suja Que o tempo sopra. Entre goles de uma bebida escura Que não mais consola. ONDA ESPECTRAL Sou, às vezes, o avesso De um mundo que me vira.; Uma triste utopia Do contrário. Sou o velho calendário Sobre a mesa.; A página marcada Do esquecido aniversário. No cenário De uma peça teatral, Sou o caos De uma ordem imprevista. Sobre a crista De uma onda espectral, Eu sou o mal Que se exorciza. SOLIDÃO DIÁRIA Você me cobra atenção. Sua boca em vão, A mim, condena. Sou eu a folha serena Que cai no fim do verão. Você tem sempre razão. Em minha culpa condena. Talvez, um dia eu aprenda Que solidão é ofensa Se em meio à multidão. MÃO ALHEIA Se não sou erro, Apenas me engano. A mim, acusando, Não põe cadeia. Pois se é feia A minha ação, Assim engana. Não tenho gana De ser mais feliz, Por ser raiz Daquela que me apanha, A mão alheia. AO ALCANCE Onde posso lhe encontrar, Corpo de sereia? Que ao sair do mar Deixou na areia A minha vontade. Em sua liberdade, Voa para casa Num lençol de asas Como uma gaivota Quando sobrevoa Um moleque à toa, Triste a caminhar. REMÉDIO De que me adianta o céu Se os que amo sucumbirem ao inferno? Não valeria a pena ser eterno, Prefiro ser mundano. Pois o meu pensamento é profano, Amenizando o tédio Como um remédio Para esse desengano. Não tenho medo de queimar no inferno, Se estiverem salvos os que amo. Não acredito que exista um plano Ou um destino certo. Meu futuro, no acaso, é incerto Como fora antanho. A CHUVA Não tenho medo de ir para fora Enquanto a chuva cai. Mas, se você sai, O meu coração chora, E se demora, Ele chora mais. Sei que meus ais Não lhe comovem, agora. Minha senhora, Quanta falta faz. Não tenho paz, A chuva não consola E a lágrima de outrora, Tal qual a chuva, Cai. VALIA Não acredito Que cada um mereça seu castigo. Pois que o nosso preço Não é nossa valia. A uns, caber tristeza. A outros, alegria. Não acredito, Nem acreditaria. Por ver penar o certo Em meio ao deserto De sua teogonia. O que não vale nada, Seguir na mesma estrada Em sua companhia. No arrependimento, Apagar pelo tempo, Toda sua vilania. Não acredito, Nem acreditaria. CALENDÁRIO Sou uma página ao vento, Por alguém me arrancar. Porém, eu me contento. Fica em meu lugar, Uma data expressiva Que irá à deriva Quando o tempo passar. ESCURIDÃO E LUZ Clamor De quem me fala. Beijos De quem me trai. Eu sou a paz, Quando vitória. Reconheço Querer mais que minha nota, Uma ambição que me sufoca. Não seria Jesus, Iscariotes com a sua corda? Árvore torta. Sangue na cruz. Beijo que me seduz E me deflora. Escuridão e luz. TEMPORÁRIA Nessa vida temporária, Atribuo os meus passos, Ao acaso. Pois destino É tristeza e embaraço. Se descalço, Um espinho me penetra. Sou poeta Em um mundo calejado, Onde todos são levados A ter pressa, Onde a meta É um futuro avançado. O RINGUE Amo sem piedade Pelo amor que dou. Não peço em troca Sua lealdade. Na minha idade, Não esqueço quem eu sou: Um lutador Sem inimigo de verdade. Meu ringue, Um palco de vaidade. Saudade Por não ter opositor. PALAVRAS É madrugada, O silêncio traz consigo Versos perdidos Por minha alma, Que escravos da razão, Nunca terão Expressão em suas falas. São palavras Que talvez não digam nada, Por serem versão. Se fossem versos Declamados ao inverso, Dariam lágrimas. MONOCROMÁTICA Dedico minhas horas ao sorriso, Como castigo Aos que nunca dão risadas. Monocromáticas, Almas sem o colorido.; Duvido Que algo possa ajudá-las. Poucas palavras Que insultam meus ouvidos. Descubro Que sem cores, são fantasmas Que acreditam estar vivos. ILUSÃO DESMERECIDA Não sou a construção Sob medida. Ninguém habita, O meu triste coração. Talvez, seja ilusão Desmerecida, Quem acredita no amor E na paixão. SÓCIOS Não choro, Apenas desabafo meu pesar. Não sei se amar É um bom negócio. Nas pautas de um papel, Nós somos sócios.; A nossa meta Era o amor não se acabar. O nosso prejuízo foi deixar Que houvesse intromissão da concorrência. Inevitável a nossa falência. Tivemos que nos separar. OUVINTE Sou aquele Que sucumbe a toda hora, Em seus tristes pensamentos. Não espero, Nem deleite, nem sorrisos. O meu risco É estar vivo. Vou embora. Minha história, Mal contatada, Sem ouvidos pra escutar. Pela demora, Sou agora O ouvinte esquecido, Que repete as palavras Sem sentidos, Depois chora. O ANJO Eu sou o anjo Que saiu de casa À procura de Deus E que descobre que seus braços Não são asas, E que o inferno É a favela em que nasceu. Que sua salvação é sair ileso Do projétil de uma bala. Que não tenciona ir parar no céu, Pois sua igreja é uma lei equivocada. Sua única certeza É que o mundo é cruel. Que seu poder vem do calibre de uma arma. Que carrega almas como uma missão, Na ilusão De que a morte irá salvá-las. Que as feias chagas que há em suas mãos, Foram causadas pelos cabos de suas armas. Que o seu sermão É um discurso na baixada. Que enquanto fala, Vende drogas aos irmãos. Que o seu perdão É uma atitude rara. Que o seu sorriso é uma triste gargalhada Que parece uma crise desesperada De quem perde a razão. Que carrega sua cruz Tatuada em suas costas. Que suas respostas São parábolas em vão. Que sua oração São palavras indecorosas. Que ao ser ferido pelo gume de uma faca Cravada no peito seu, Abre os braços enquanto seu sangue jorra, Olha para o céu e chora Por acreditar, outrora, Que podia encontrar Deus. NADA SERIA Sou o rascunho De uma história mal contada. Muitas vezes, apagada Pela mão que corrigia. Sou a grafia Que a mim mesmo, ocultava. A palavra que ditada, Escondia Que eu me ouvia E a caneta acompanhava. O que há muito já sabia, Que amassado entre páginas dobradas Pela mão que me escrevia, Nada seria. NOSSA VITÓRIA Cada detalhe do seu corpo Nos recomeça. Como se lentamente, Encontrássemos nossa pressa. Lábios tocados Pela anuência do querer. Eu sem saber Que o seu caminho é que me leva. E na hora de voltar, Eu em você, Você em mim. Nossa vitória, Chegarmos juntos ao fim. PERFUME Se não consigo entender-me, Como posso avaliar o teu caráter? De minha parte, Quero apenas entreter-me. Porém a solidão Na escuridão, Arrasta-me ao ciúme. Eu poderia beber a noite toda, Não sairia de minha roupa, O teu perfume. DUAS PARTES Sou em dois, Sem metades. Sou em parte, Um fim. Duas partes Em uma unidade. Sou metade em mim. Ruboriza uma parte, Com vergonha de mim. Talvez por ser humana. A outra parte Apenas me acompanha, Por ser parte de mim. COMPENETRADO O poeta Põe as mãos sob a cabeça Pra pensar no mundo, Mesmo que dele se esqueça Por não conhecê-lo a fundo. Em seus versos, manifesta A expressão de sinto muito. Por dizer: - Não me aborreça. Por favor, vê se me deixa, Eu não tenho mais assunto. O poeta Não esquece um segundo De usar sua caneta Para falar com o mundo. SENSATEZ Quero Alimentar o meu sorriso pobre, Com os momentos de espontânea lucidez. Quero talvez, Iluminar com um gesto nobre, A amargura dessa timidez. Não sei Se nas idéias, sou realmente louco, Ou falta pouco Para morrer de vez. Minha verdade Convalesce por meus erros. Os meus acertos, Uma estranha realidade, Sensatez. O SELO Sou memorável Nesse jogo de memória. Não há história Num presente sem passado. Leio ao meu lado: “De alguém que foi embora.” Quando eu falo, de fora, Dentro tem alguém calado. Não há recado Se o bilhete, a chuva molha, Enquanto o mensageiro chora Sem que possa entregá-lo. Neste cenário, Sou o selo imaginário Do envelope que descola E é pisado pela sola Do sapato Do carteiro aposentado. RESPOSTA Se alguém me perguntar: - Quem sois, agora? Direi que fui outrora, Quem não soube esperar. Se insistir interpelar, Que isso não é resposta, Ratificarei que agora, Não sou nada sem lembrar. TEORIA IMAGINADA Tenho uma idéia Que na prática passaria Como teoria imaginada, Por alguém que não sabia. Minha idéia materializada, Pode não mostrar sabedoria.; Mas com tinta e caneta, ela daria Uma bela poesia Declamada. REFÚGIO Vivo, Pois respiro Minhas horas de existência. Onde o suor é liquido De minha sobrevivência. Sempre sob o risco De sucumbir à demência, Procuro refúgio Nos caprichos da inocência, De que um anjo resoluto, Vai manter a consciência De que vivo mais Que luto. CONDECORADO Acato Todas as ordens que me dão, Sem nunca dizer não, Sem desacato. E quando chamam minha atenção Com um sermão, Fico calado. De um soldado raso A capitão, Medalhas são Bons resultados. Não posso tomar uma decisão, Será violação, Seria rebaixado. Se eu então pensar, Haverá uma expulsão. Serei um cidadão, Jamais condecorado. FALHO De que me vale a culpa, Se há perdão. Quebro a promessa, Ainda há jura. Peço desculpa, Estendo a mão. Se cometo um pecado É que sou falho, Faço mais não. Não serei condenado. No fim, sou perdoado. Recebo ajoelhado, A salvação. O ERRO Eu cometi um erro, Não por querer, Mas por jamais, poder Me conter, Não consumar de fato. Talvez, o meu prazer Tenha custado caro. O que posso fazer, Se por amar você, Fui condenado? Nunca pensei de ver Tão grande amor Como um pecado. AINDA É DIA Nunca é o bastante a companhia Dos que cercam nossa vida Quando a saudade Pela morte, os silencia. São nessas horas vazias, Que exigimos do tempo Uma regressão de lembrança, Na esperança De aplacar o sofrimento. O cotidiano incomoda Pela falta percebida. A agonia É saber que não há volta E a revolta É saber que ainda é dia. MINTO O eu distinto, Não se apraz, Nem se conforma Nessa dor que incomoda O meu instinto Que ao se sentir extinto Se acomoda Numa paz Que em mim, aflora Quando minto. IMPREVISIBILIDADE Num sistema tão complexo, Não afasto A impossibilidade do destino Pela imprevisibilidade do acaso. Talvez, seja um desatino. Todavia, é o que eu acho. A verdade não está no que eu faço. Mas naquilo que imprimo. Qual seria o meu caminho? Qual o meu próximo passo? O exemplo que eu sempre examino É a maneira que termino Um poema inacabado. POR ALGUM MOMENTO Deixo em mim, Variar o tempo, Quando lembro Do que prometi. Não acaba, todo o sofrimento. Mas se torna ameno, Por algum momento, Sinto ser feliz. LÁGRIAM TARDIA Sou a lágrima tardia, Do arrependimento em vão. Não seria solução, Por ser vazia. Não por falta de emoção, Mas, pelo mero perdão Que não teria. ENTRE AS FALHAS DO ASFALTO O meu sorriso é forçado. O meu gesto acanhado Ante o mundo que me cerca. Encontro a porteira aberta E me dispo do roçado. Sou um fruto descascado Que a cidade não conserva. Estou seco, desolado. Entre as falhas do asfalto, Acho terra. Finco meus pés no passado E me sinto ainda, cercado Pelo mato e pela erva. E NUNCA MAIS Quantos sonhos já tivemos Sem poder concretizar? Quantos ais, Quantos momentos? Tantas dores, pensamentos De que eu ia me curar. Não importa quanto tempo, Esta é minha despedida. Quantas noites mal dormidas Para ver a minha vida Se esvair? O mais difícil em partir, É ter que olhar para trás E saber que nunca mais Vou poder vê-la sorrir. FRAGMENTOS DE MEMÓRIA Seu sorriso não provém de fingimento, Sua dor não o incomoda. A verdade É apenas fragmento De sua débil memória. Sua voz, Mantém presa no silêncio Que seu lábio acomoda. Está parecendo agora, Um louco que comemora Seu sofrimento. EXISTENCIAL Somos a memória de uma vida Existencial, O bem e o mal Numa condição real E reprimida. Somos uma versão colorida Do status social, Padrão estético normal De uma verdade merecida. Somos ilusão na despedida, Uma forma espectral Numa visão estrutural, Matéria orgânica apodrecida. Somos uma lembrança dolorida Que por ser especial Toma âmbito universal.; Numa criação mental, É imortal e indefinida. SIMPATIA Os meus olhos Sepultaram a timidez que em mim Havia. O que tenho hoje em dia É enfim, Só simpatia. Olho cada intimidade Sem escrúpulos, com vontade E a mais explícita malícia. Minha boca diz: Delícia! Nada mais me envergonha. Descobri que dessa forma é que se ganha Simpatia. RACIONALIDADE PERVERTIDA Mergulhado na profundidade Desse mar de lágrimas, Sou uma charada Pensativa.; Tão ativa Quanto um vulcão em larvas. Desgraçadamente intuitiva, Minha racionalidade pervertida, Extirpou o meu direito de cuidar De mim mesmo. Sou sobejo do que há. ALUCINANTE Não foi tempo bastante Para saber quem eu era. Talvez, fosse quimera Ou uma mera História distante. Não importa o instante, Já sou húmus da terra. Brota em mim uma erva Verdejante. Um maluco inconstante, Masca um pouco de mim. Sou enfim, Alucinante. ÚLTIMO ABRAÇO Por que é tão curto, Se é tamanha a intensidade? Ainda luto Para voltar a realidade. Eis que o cansaço Retém-me no chão de areia. Preso na teia Do seu último abraço, Sob as estrelas, Tenho o rosto contemplado Pelo riso inacabado De tua surpresa. AMO Amo com temor, Sem fantasia, Como jamais, amaria, Esse alguém. Amo sem arroubos de alegria Qual a noite ama o dia Que a tem. Amo também, Esse amor que não teria.; Não por mera covardia, Mas por sê-lo De outrem. Amo quem mantém O meu segredo De amar a quem Por medo, Já não ama mais ninguém. O REFRÃO Não consigo por os pés no chão Pela ilusão De que sou sonho E que componho Uma breve canção, A que disponho. Que em nota singular, Acompanha o refrão Numa língua que não há Mais tradução. Lentamente, ressuscita Minha débil razão. Numa mão, A caneta ainda grifa. E diviso na escrita, O refrão. AMIZADE E CARINHO Não esqueça de olhar as estrelas, Antes que não mais perceba Que amar é de alma. Ser feliz é um estado de graça, Onde o riso é um passe de mágica Que a vida almeja. Não se veja Enquanto se espelha Na vaidade.; Pois que amar É honrar a humildade, Não importa quem seja. As pegadas que ficam na areia, Não demarcam o caminho a seguir. Mas, mostram que alguém por ali, A pouco caminhava. Dessa forma, a verdade consagra: Nunca estará sozinho. Ao amar, Haverá na estrada, Na medida exata, Amizade e carinho. AÇÕES VERDADEIRAS Não velemos o nosso fracasso, Se há espaço Sobre nossas cabeças. A esperança, Talvez não prevaleça Ao que a vida é de fato. A miséria é mais que embaraço, Um fiasco à nossa nobreza. Não selemos a mente estreita Enquanto abrimos os braços. Sepultemos o que temos de falso Com ações verdadeiras. POR NÃO MERECER Toda noite, Eu deito ao seu lado E fico a esperar, Entre um beijo, um breve abraço E uma canção de ninar, Você adormecer. A janela Ainda aberta, Me faz perceber Que a lua ilumina O sorriso de quem sonha Com o mundo que vê. Fecho os olhos E me ponho a pensar no porquê De ver esse mundo mudar, Sem poder alcançar A inocência de ser. Às vezes, sem nem mesmo perceber, Temos a resposta. Mas viramos as costas. Talvez, Por não merecer. TALVEZ NÃO DÊ RESPOSTA Não encontro forças Para tomar a frente Dessa dor calada. Juventude postergada Por um amor ausente. Um mal-humor crescente Que deságua em lágrimas. Vista embaçada De um olhar descrente, Enquanto a carta estende A mão que me sufoca Numa decisão recente. Quem não me compreende, Talvez não dê resposta. IGNOTO Um incógnito Na equação do pensamento, Que em silêncio, Ante o vislumbre antecipado, Chora por dentro E permanece em si calado Por ser velado Pelas dores do seu tempo. É ignorado Pelo descuido de momento, Na inevitável Propensão de ser pretenso. Tão caroável Ao inexorável sofrimento De seu ser inominado. LOUCO SORRIDENTE As horas inerentes Ao dia Em que a esperaria Longamente, Por trás da grade fria Onde meu corpo ardia Por esse amor premente, Deixaram minha mente, Senão vazia, Minguada à tristeza evidente. Por esse amor demente, Em asas imponentes, Voaria. Quem sabe, assim, seria Um louco sorridente? SEM PRIMAVERA Com a neve que cobre o chão, a erva, O herbívoro Por fome, é extinto. O carnívoro Que segue seu instinto, Se afasta do abrigo Da caverna. Já não há uma caça E ele espera. Porém, morre pelo frio que o congela. Eis que o homem agoniza no silêncio, Onde o vento Anuncia a desgraça, Consciente por saber que é a causa De não ter mais primavera. Nessa hora, olha os corpos que ainda vela, Com as mãos sobrepostas aos ouvidos, Ainda escuta os clamores e gemidos Que ecoam dessa terra. SELVAGEM Quem pode ser Nessa vida, Que enquanto lambe a ferida Tenta ao inimigo esquecer? Na certa, não é humano, É um selvagem insano Que morre sem perceber. SÓ POR VOCÊ Não vejo uma razão para correr, Ter tanta pressa para um fim E mesmo assim, Ainda esperar para morrer. Se quer saber, Estou falando de você E não de mim. Se hoje, não, tende a dizer. Talvez, amanhã, diga sim. Se nunca puder responder, Seja você, Só por você, E não por mim. HUMANOS II Todos dormem, O que fazem em seus sonhos, agora? Quem se acorda Faz plano De não ir à escola. São os lobos Que caçam lá fora, À procura de anjos Que perdidos em meio à escória, Se tornaram humanos. ATÉ O ÚLTIMO TROCADO Quem são os homens Que acreditam na decência de seus mitos? Que ficam ricos Sobre o medo do pecado. Os castigados, Ainda têm o prejuízo. Mas em seus risos, Acreditam estar salvos. Somos escravos De uma fé que não é justa E que nos custa Até o último trocado. POR DEMAIS Quero debulhar minhas angústias Na esteira da saudade de meus pais. Não quero mais Que reaver minha conduta, Pois minha culpa É herança de ancestrais. Aos demais, Eu deveria uma desculpa. Quem sabe, a última Ou apenas uma a mais? Entre meus ais, Há um grito de quem luta E que sofre por demais. BATEAR No batear da bateia, Só veio ouro. Senti-me um tolo Por procurar. O que esperava encontrar Além de posse e poder? Em troca iria perder O meu poder de sonhar. Melhor que ouro é viver Sem nunca se deixar vencer E aproveitar o prazer Que é ao seu sonho buscar. Devolvo o ouro ao lugar, Sem padecer. E volto a batear. PRIMOGÊNITO Foi Jesus, crucificado Por um ato ciumento. Posto, o Diabo Ser de Deus, o primogênito. Paz na terra Entre os filhos condenados Que por deuses venerados Se tornaram violentos. Filhos que estão na terra, Perdoai as vossas ofensas. Embora não tenham na certa, Revogadas as vossas sentenças. Parasita No parasita Que habita o meu corpo, Sou parte morto, Sou parte vida. No patogênico universo, Entre as víceras, Leva meus dias E a vontade de comer. Mas, quem é esse que pra sobreviver, Destrói a casa que habita? Sou hospedeiro, Em proporção ao mundo inteiro, Sou parasita. O ARCO-ÍRIS Ao despontar no céu, Entre cores, se desperta O arco-íris. Os raros pingos tocam o velho telhado. Mantenho a janela aberta E meus pensamentos livres. Saio à calçada Enquanto a brisa Alicia meus cabelos. Acaricio a cabeleira assanhada.; Umedeço os meus dedos. Volto à sala, Observo ao espelho Uma imagem solitária. Não tenho medo. Dentre a solidão da casa, A companhia que me basta É o que escrevo. GRANDE EXEMPLO Vejo, ouço e falo até demais. O perfume das rosas eu exalo. Movimento meus braços. Sigo em paz. Mas, jamais aos outros. Sob a chuva, eu corro feito um louco. Muitos acham que é pouco. Acho coisa demais. Mesmo que ELA me tolha os movimentos, Estarei aqui dentro, Vivo, em meu pensamento, Tal a dama que em versos se desfaz, Movimenta seus olhos e assim, traz A certeza de ser um grande exemplo. ARTE LITERÁRIA Posso não ser a florescência pensativa Nesse século que passa. Quem sabe a vaga Que não fora preenchida Numa anônima academia, Na cadeira isolada? Minha palavra Pode ser aborrecida. Minha escrita, Poesia desvairada. Mas com certeza, Nado contra a correnteza Nessa arte literária. TRISTE COMPANHIA A solidão não me conforta. Porém, compensa com o sossego. Além da porta, Está a dor e o desespero. A violência traz o medo Que é minha triste companhia. Ainda é cedo, Já vejo amanhecer o dia. Há uma multidão lá fora, Que a toda hora Se digladia. Eis que sair, não poderia. Pois que eu seria, Mais uma triste companhia. ANTIGAMENTE Cada lembrança traduzida em minha mente, Me arrasta ao passado. Estou fadado A viver de antigamente. Quando meus olhos Tinham um brilho diferente E o mundo à frente, Queria ser conquistado, Era tão mágico, Mesmo sendo inconseqüente. Sendo inocente, Nada parecia errado. Hoje, ilhado Por recordações frementes, Estou fadado A viver de antigamente. TREPADEIRA O amor que sinto é tanto E dessa maneira Me mantém aprisionado Àquela que amo Tal qual planta trepadeira Que a vida inteira Permanece presa ao canto Onde fica o jarro. Esse amor requer cuidado Pra não se tornar lembrança. Como o jarro na varanda, Tem que ser sempre regado. IMPÉRIO Otávio tem o título de Augusto. De Roma, é o primeiro imperador. Tibério continua os seus planos. Calígula eleva o seu cavalo a cônsul E é morto pela guarda que criou. Cláudio assassina Messalina. Envenenado pela Agripina, Tem Nero como o seu sucessor, Que inimigo público se tornou Quando incendiou a Roma antiga. Em meio a revoltas e intrigas, Vêm Galba, Otão, Vitélio em um ano. E segue-se a eles, Vespasiano Que enfim, estabiliza a economia. Seu filho Tito, o sucederia, Inaugurando o Coliseu romano. Eis que Pompéia e também Herculano São pelo Vesúvio destruídas. Domiciano finda a dinastia. Dos Flávios, é o último imperador. AMALUCADO Sou um pássaro que voa sobre o trigo. Em um grito, Um esquisito espantalho. Um retalho Na estaca, esquecido. O sorriso De um menino amalucado. Um bocado Numa boca, mal comido. Um gemido De um corpo esgotado. Sou velado Em um corpo apodrecido E no lixo, Mais um resto abandonado. OBITUÁRIO Entre quatro paredes de uma estreita cela, Redigi meu obituário Numa página amarela De um antigo calendário. Minha idade, eu esqueço. Sem endereço, sem nome. Causa mortis, desconheço. Quem sabe medo ou fome, Solidão, ou desespero? Afinal, o que seria? Qual o motivo verdadeiro? Só sei que morri primeiro Que minha louca poesia. TODAS AS PALAVRAS Todas as palavras são silêncio, Mesmo quando são pronunciadas. São um turbilhão em pensamento. Em pouco tempo, De soberbas a aviltadas. Podem ser sinceras, Também fingimento. E sem argumento, São silenciadas. Mesmo quando são pronunciadas, Todas as palavras são silêncio. ESSÊNCIA LITERAL Não sou essencial.; Mas, sou lembrança. É minha esperança, Ser real. Se no material, Ninguém me alcança, Que eu seja, Enfim, Essência literal. AVESSO Em meio a solidão, Sou companhia. Na evidente vida, Ilusão. Numa reflexão, Só exagero. O desespero, Quando mansidão. Em plena perfeição, Sou o defeito. Se sou na retidão, O erro.; Talvez, seja no erro, A exatidão. Seria eu, apenas o avesso De minha própria imaginação? O RISCO Não feche os olhos ante o perigo E serás impelido A sobreviver. Na vida, só há um sentido, O de manter-se vivo, Não importando o porquê. As rosas de um jardim florido.; As dobras de um papel machê.; O abraço de alguém querido.; Aquilo que nos dá prazer.; A emoção de um sorriso E a plenitude do querer. Tenha certeza que tudo isso, Vale correr o risco Que é viver. ENTRE NÓS, EU E VOCÊ Tanta coisa Pode se perder no tempo Entre a vida e o pensamento, Entre a razão e o querer, Entre o sorriso e o lamento, Entre nós, eu e você. Tanta coisa Não se pode compreender Entre a dor e o prazer, Entre o chão e o firmamento, Entre o ser e o não ser, Entre nós, eu e você. Tanta coisa Entre nós, eu e você. FELICIDADE A felicidade É mais que um sorriso, É um compromisso De todos os sentidos, Com o coração. Mesmo em solidão, É aquela sensação De que estamos vivos Em toda nossa extensão. É manter a mão Estendida aos amigos. É melhor que isso, Abraçar na escuridão. É o menor grão Ter valor enaltecido. O menor motivo, Valer sua atenção. Felicidade, então, É mais que devoção, É ser o próprio mito. O ÚLTIMO SOBREVIVENTE Vento Na imensidão passiva De um lugar sem alma. É nessa área Que meu coração habita. De dias quentes, De noites frias, É um capricho a aridez que me acalma. Entre as montanhas do desterro, Caminha a esmo, O último sobrevivente. Um oásis me separara Em solidão perdida, Em companhia ausente. MEUS MORTOS Meus mortos Acompanham a jornada de meus dias Com a mesma ousadia De seus ossos Que entre escombros e destroços Silenciam A oração de meus remorsos. FONTE QUE CATIVA Sigo a direção Que o meu coração indica E sigo à risca, A doutrina do querer.; Mesmo que a razão não possa crer, Quando o desejo me suplica: Venha viver! O amor é fonte que cativa E para sempre escraviza, Quando há vontade de beber. REDEMOINHO Minha solidão é passageira Qual poeira em espiral Que arrasta no redemoinho, As mágoas que andam em meu caminho, Para o denso matagal. Sinto falta de ficar sozinho Qual solitário passarinho Que ainda pousa no varal, Que apesar de ser mansinho, Com a algazarra dos meninos Voa, afinal... APARÊNCIAS Apenas dissimulo A sofreguidão Em meu sorriso. Enquanto isso, Insinuo ao coração, Que fingir é preciso. Enganar a mim mesmo, É o único meio De suportar tamanha dor. A ninguém é segredo Que é preciso primeiro, Recobrar seu valor. CIPÓ Não sei ir só, Na ilusão de meus passos. O meu fracasso, Todos já sabem de cor. Eu sinto o nó Que ainda prende meus braços. São seus abraços Que tomam forma de laços De um enorme cipó. VELADO Eis que em sonho Se revela, O meu mundo condenado. Onde o verde do cenário Num piscar de olhos, seca. Vejo a terra, Um deserto desolado. Acordado, Vejo um ancião velado Por um anjo preocupado Com a solidão que o espera.