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Poesias-->Letras, representações estilísticas de idéias toscas ... -- 19/03/2007 - 16:27 (JOÃO FELINTO NETO)
Prefácio Exagero. Foi a primeira coisa que eu disse a respeito desse título. Mas pensando melhor, o autor pôs o máximo de letras distribuídas pelo mesmo. O poeta tenta suplantar seu raciocínio, ampliando em quantidade a miniaturização dos poemas, ou seja, reduz a letras que formarão palavras reunidas em versos que darão os poemas. Eu me sinto lisonjeada ao ser convidada para prefaciar mais uma obra desse norte-riograndense que escreve pelos cotovelos. João Felinto Neto se esmigalha em letras e se recompõe em poemas que abstrai nossa imaginação, carregando o leitor por um número infinito de caminhos a cada letra reorganizada e encarregada de dar sentido ao todo.; que em sua solidão seria apenas pseudo idéia de si mesma. Imagine letras dispersas como folhas pelo chão. A essa visão atribua linhas como galhos que seriam versos e um enorme caule como um poema. Que belíssima árvore esse livro. Sinto–me aprisionada por enormes cipós a essa árvore. A poesia de João Felinto Neto nos solta.; em liberdade nos agracia com a expressividade do poeta quando ressalta o ritmo de cada letra no conjunto de versos e alude a si como a um maestro. A fidelidade ao seu modo de manipular as letras e dizer as mesmas coisas poeticamente diferente ou, ao inverso, da mesma maneira de assuntos dispares, faz desse poeta norte-riograndense um ícone em solidão que atravessa páginas barulhentas, em silêncio, e grita de repente, em algum verso de um poema perdido, que quer ser encontrado. Sinto-me gratificada por interpretar versos tão densos e céticos de um poeta que usa a emoção de forma tão racional que parece frio e seco, porém há um desespero oculto para ser compreendido. Anita Hélida Letras, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano Cada uma em si, talvez não diga nada. Ao poeta, cada, representa uma idéia tosca, e mesmo estando elas debandadas, traduzem a fala de uma poesia louca. Letras são representações estilísticas de minhas idéias, como folhas secas nas aléias espalhadas em seu cotidiano. São versos de um poeta mundano que de frente ao mundo, cala. Letras são para mim, a fala, o canto, a casa, a ave, a asa, o tudo, o nada, deformações de imagens retratadas, uma musa que usa e abusa de palavras, um meio, um terço, um fim. Letras, talvez seja engano, são para mim, enfim, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano. Prosaica vida Chovia. Minha mãe condenava Deus (Que o diabo o conserve em casa). Calça as sandálias, o relâmpago é uma brasa e o trovão é um adeus. “Tem piedade de minha alma”, estava escrito na capa de um velho livro meu. Crescia. A tristeza me abraçava como a morte se agarra com alguém que já morreu. O filho é ou não é meu? Minha mãe, se escutava, nunca o respondeu. O meu pai bebia as mágoas pela dor que lhe nasceu. Como seu filho, eu também. Nosso consolo era a bebida. E todo o cotidiano de minha prosaica vida era um amém. Atos mágicos Que magia assemelha-se ao amor? A de um guerreiro que no campo de batalha entrega as armas, mesmo sendo vencedor. A de uma flor que o seu olor exala, mesmo arrancada pela mão do coletor. A de um vaqueiro que em nome da boiada, deixa a rês desgarrada à mercê do predador. A de um ator que em meio às falsas lágrimas, de verdade derramadas por fingir que é sua, a dor. O enterro de João A minha mãe pôs um buquê de rosas. O meu irmão, o seu lindo boné. Veio o meu pai e pôs um par de botas. A minha irmã orou com toda sua fé. E todos juntos soterraram com areia. Depois fincaram uma cruz feita em madeira, simbolizando a minha condição. Naquela noite, para estar a família inteira, só faltava o João. Luz e sombra A sombra de meus dedos sobre a folha de papel, semelhante a pincel, gera formas que conheço. Eu pinto letra a letra com o bico da caneta. Às vezes, eu esqueço que faço um poema. Imagino uma cena pintada em um espelho. Letras, dedos e plurais num singular quero mais. Entre vogais, um segredo. Encontros dissonantes em meio a consoantes e verbos casuais. Em minha solidão, em meio a escuridão a sombra se desfaz. Pingos de letras Chuva de letras sobre o barro branco, papel é barranco e as gotas, estrelas. Um poema surge na tinta escorrida, letras espremidas com as pontas dos dedos. Escorre em palavras, versos de enxurrada que bóiam mágoas, lágrimas e desejos. Uma ou outra letra perde-se nas nuvens, transborda em açudes de eterna tristeza. Pedestal de barro Revogo silêncio ante palavra e voz. Reato os nós que me prendem ao medo. Reavivo memórias em busca de segredos que já não interessam mais. Reclamo por paz em meio a intensa guerra. Replanto a erva que não nasce mais. Relato as dores de males e fome. Repito o meu nome, antes de dormir. Reato os laços que me prendem aqui, ao pedestal de barro. Um mero leitor Para não ver a sua imagem em um espelho quebrado e em papéis amassados, tornei-me um mero leitor de cartas vazias e escrevo tristes poesias que falam de amor. Retiro uma flor no jardim, que para mim não tem mais nenhum valor. Porém, o intenso perfume acende um lume, e eu caminho na escuridão de olhos abertos.; você tão perto que o meu desejo é tocá-la. Com o esforço da mão, tudo é em vão. Eu volto a ser um mero leitor de cartas vazias e escrever tristes poesias que falam de amor. Talvez amar não seja o bastante Amor, semente que o vento carrega, cai sobre a terra e não consegue germinar. Talvez amar não seja o bastante. Onde o solo é verdejante, a amizade é o fruto que dá. Perene e cristalina, a verdade flui na colina e amadurece o pomar. Um pássaro a voar é a liberdade. Saudade é um vôo rasante que consegue segurar a semente estéril na terra. Agora um bico a leva a um distante lugar. Talvez amar não seja o bastante, e o amor tão distante, já não consegue voltar. Poema propaganda Compre um livro! Não é oito, nem oitenta. O poeta é uma peça que sempre se movimenta. Rabisca um monte de versos num universo de poemas. O livro enfim publicado, leva o poeta, coitado, à venda. Compre um livro! Não é oito, nem oitenta. Também sou O louco é apenas mal ouvido. Seu riso, tenebrosa gargalhada. Sua fé, um constante, eu duvido. Sua mente, uma porta escancarada. Seu pedido de ajuda é um grito. Seu gemido incontido, uma dor. Seu amor, um abraço emotivo. Sem motivo, eis que louco também sou. Amor e flor Por sobre a amurada, a flor fazia-se perceber, enquanto discutíamos no portão. Eu estendi a mão e antes mesmo de dizer, falou meu coração, que o amor não passa de uma flor despetalada. Nos versos de um soneto Quantos poemas falam de amor? Talvez amor não seja tema, seja o bico de minha pena que toca o papel sem pudor. Talvez seja fruto, ainda flor, se abrindo ao sol que esquenta, ou aquela tarde friorenta que ao mesmo sol, vê se pôr. Quem sabe um pranto de dor nos versos deste soneto, defina o que é o amor? Ou talvez não tenha jeito de resumir o amor nos versos de um soneto. O último dia A solidão é apenas uma parte. O intenso frio não arde em minha pele. O silêncio impele minha alma a olhar a praça pela janela. Minha sombra, minha única companhia. Escuto a enorme euforia e vejo a lua bela, e o clarão que alumia a minha janela. Com uma chuva de pirotecnia, termina o último dia. Lágrimas e silêncio Vi lágrimas em um rosto. Lágrimas e silêncio são sinal de grande pesar. Uma alma presa a um corpo que não podia andar. Talvez, cansou de orar pedindo sua liberdade. Já tinha certa idade e continuava a doer. Perguntava por que não tinha ninguém ao seu lado. Num leito hospitalar, seu corpo abandonado. Em que acreditar, diante de tanta tristeza? Só tinha uma única certeza, que jamais fora feliz. O pediatra Eu vejo crianças pelos corredores. Ouço os rumores e suas risadas. Esboço um sorriso e subo as escadas. Continuo apressado. Meu nome explode num eco tão alto, que me incomoda. Só mais uma porta.; meu paciente se encontra enfartado. Face oculta O espelho não diz nada, mas escuta. Minha imagem, ali, calada, numa postura imitativa. Meu olhar, a mim, me fita. Que maldita, essa estranha face oculta. Noto que ela me insulta com soberba e ironia. Fecho os olhos. Dessa forma eu não via a fria face da loucura. O único que sorria O que faço, se entre Deus e o diabo eu não sou promessa? Nem é essa, minha alegoria. Sou apenas um poeta que no fim do ato, era o único que sorria. O poeta não vive O poeta não sofre, não junta no cofre, suas economias. O poeta não come, não dorme, não sente agonia. O poeta não teme a morte, não sofre um corte, não ri de alegria. O poeta não tem sorte, não joga, não corre, não tem companhia. O poeta na rua, não cospe.; em casa, é hospede sem teogonia. O poeta é sua poesia.; não é coisa alguma, não vive, delira. Tsunami O noticiário me espanta. Num instante aponta uma criança: - Mãe! Olhe a onda. Uma tradução quase espontânea. Qual lugar? Sri Lanka. Milhares de corpos na lama. Uma catastrófica desgraça que atingi a Ásia e a África. A água do mar arrasa tudo. Boquiaberto e mudo, a imagem é minha certeza. É o ano de 2004. Vejo a tragédia em um quadro pintado pela mão da natureza. Quem é você ? Como posso falar com você que lê essa poesia? Através da harmonia com que posso escrever. Se é manhã, um bom-dia. Se é tarde, Boa-tarde, eu diria. Se é noite, boa noite seria. O que posso dizer? Meu querido leitor ou leitora querida. Você é filho, é pai ou avô? É avó, mãe ou filha? Não me diga. Através da poesia, eu posso lhe ver. Você é uma pessoa que crê que na vida, a maior alegria é ler. Viagem no tempo Sonho que alguém lê este poema a mil anos à frente. 3004, mais precisamente. Espero que esse alguém entenda que em meus versos eu viajo. Não o poeta, pois não há espaço na incrível nave que é o pensamento. Vôo através do tempo, por páginas impressas e também virtuais. Despercebidas a quem não interessa, e acolhidas pelos demais. Minhas idéias estarão presentes num mundo que agora desconheço. A imortalidade é o que escrevo, embora esteja entre os ausentes. Não importa quem eu seja, minha face, minha igreja, meu tormento e minha alegria. O que importa no momento, é meu louco pensamento traduzido em poesia. Escotilha Submerso em devaneios num mundo de fantasia, eu mantenho a escotilha fechada para a realidade. Onde nadam meus anseios nesse mar de ilusão? No profundo coração e na saudade. Cinema A arte ensina para que a vida aprenda. Está em cena, o valor moral. O bem e o mal diante de uma tela que em si revela, a vida real. A vida é bela não me fez chorar. Mas me fez notar, o quanto a vida é bela. A seu tempo Levei muito tempo para descobrir tão pouco, que o amor é outro, um estranho em si mesmo. Numa fração de segundos, cronometrei esse tempo em que o amor é resumo do que jamais saberemos. Agora me encontro atraído, percebo que o amor não é tempo perdido. Contenda Fui eu que a fiz triste. As lágrimas em seu rosto queimam minha alma pelas tolices que me disse ao perder a calma. Juntar pedaços não resolve a situação. O que faço agora? Pois na verdade, não sou eu que chora, Mas é minha, a dor no coração. Não teria sentido Amor, seu silêncio é um grito abafado.; um pedido negado.; uma dor.; um querer violado.; um jazigo enfeitado com flor. Uma virgem indecente.; uma reza descrente, se for, à distância da fé. Como posso manter-me de pé? Se ficar acordado é sofrer por amor e sentir-se perdido sem o brilho na face, sem cor. Nunca, arrependido. Não teria sentido, não morrer por amor. Cheiro de flor O tanto que te amo é pouco. O amor é louco, não quer saber de mim. Não respeita meu sono, pois te vejo, nos sonhos, no mais belo jardim. Não me deixa comer, sem te ver do outro lado da mesa. Meu amor, com certeza, nada sabes de mim. Quando vejo, enfim, a mulher de verdade, uma enorme vontade toma conta de mim. De tomar-te em meus braços e beijar os teus lábios enquanto dizes sim. Mas, a realidade e a triste saudade são resumo no fim. Pois não tive coragem de falar-te de mim, desse tão grande amor, e te vejo à distância, só restando a lembrança e teu cheiro de flor. A dançarina Ela desliza no salão qual leve pluma soprada ao vento da palma de uma mão. O seu decote, como quem foge na bruma, causa anseio ao mais frio coração. Nos finos lábios, o vermelho de uma túnica que um militar perdeu na última invasão. Esfrego os olhos antes que eu mesmo confunda, se ainda é sonho ou sua realização. Gosto do absinto O que eu sinto, que me mete tanto medo, na boca, amarga qual gosto do absinto. Amo, não minto. E com tamanho desvelo, guardo em segredo o nome que me é distinto. A gaiola Há um canário que canta lá fora. Ainda agora, estava aprisionado. Menino chora, olhando o estrago. Cortou o talo pra fazer gaiola. Subiu no galho, quando foi a hora. Cantou vitória, alçapão fechado. Vergel Entre flores, ensaia-se o namoro. Pouco a pouco, alianças de noivado. Uma lua de mel num céu dourado. O que é de um, acaba sendo d’outro. Muitos frutos e um trabalho louco. Uma rotina de um e d’outro lado. O pomar, agora descuidado, vai morrendo aos poucos. Todo amor Todo amor é uma história mal contada ou vivida.; é a mais pura verdade ou uma grande mentira.; é um conto de fadas, uma história engraçada ou sofrida.; é partida esperada, um punhado de nada e muita lida.; é a mais doce calma ou a mais bruta briga.; é o silêncio noturno, caminhar no escuro.; é sorriso, é lágrima.; é andar pela estrada sem saber da chegada.; é a procura incessante.; é viver cada instante.; é esperar pela noite, é temer pelo dia.; é correr abraçado.; é olhar para o lado e ver sua companhia.; questionar o seu hoje e lembrar do seu ontem, fazer planos futuros.; é andar sobre o muro arriscando ser vítima.; é uma roupa estendida, uma outra passada.; é comida queimada.; é a fé recolhida.; é sinônimo de um vezes o outro.; é também desconforto.; é uma dor esquecida.; é lembrança de casa, é tarde demorada.; é saudade que habita.; é olhar sobre os ombros, o abraço mais longo.; é querer redobrado.; é menino levado, um ou outro que grita.; é a calma de antes.; é o livro na estante.; é poltrona na sala e TV colorida.; é barriga pra fora.; é correr contra a hora, esquecer o bom-dia.; é um dia, quem sabe.; é talvez seja tarde.; é uma bela amizade ou uma eterna intriga. Todo amor é, enfim, uma enorme vontade.; é começo, é fim, é uma realidade. A graça Deus me deu o fardo para eu achar pesado o termo ser livre. Deus me deu o espelho para ver se aceito esse meu rosto triste. Deus me deu o segredo para pensar, eu mesmo, o que é ser tolice. Deus me deu a culpa para eu pedir desculpa por qualquer deslize. Deus me deu a dor para eu sentir pavor do seu dedo em riste. Deus não me deu nada, eu que faço a graça crendo que ele existe. Votos Pode chamar de silêncio, pelo dia não lembrado. Porém, verás em mim, bem dentro, um parabéns atrasado. Do eterno namorado, um feliz aniversário. A última carta Não escrevi coisas amargas nas minhas cartas. Nunca pedi o teu regresso. Pois sempre em minha solidão, estavas perto, em letras quase apagadas. A esperança é um te espero, em noites que não durmo nada. Tenho a certeza que te quero, em mais uma carta rasgada. Em todas as minhas palavras, está cravado o meu dilema. Espero que não te ofenda, minha escrita embaralhada. Não haverá mais contumácia.; descanso agora minha pena. Por esta ser, a minha última carta. Sem diferenças Imagino a vida sem risos e lágrimas. Uma face amarga de alma vazia. Eu, você seria. Cópias xerocadas. Ao bem, não amava. O mal não havia. Tristeza e alegria, só conto-de-fada. Eu, você chamava. Você respondia. Artesã Admiro a dureza do papel molhado, reciclado em mobília. Velhas páginas de jornais rasgados que ontem mesmo, eu lia. Retorcida notícia que talvez distorcida nunca foi questionada. Falam pouco da vida. De nós dois, quase nada. Tragédia social Posso habitar a minha casa, alheia. Na minha rede feia de punhos amarrados, posso acordar calado como alguém que deita com chuva no telhado. Posso não ter lembrado de servir a ceia. Enquanto minha avó vagueia, eu continuo aqui, deitado. Molambo e trapo colorido, as sobras dessa gente alheia ao que há comigo. Eu sei que sou herói vencido. Pois sobrevivo fora da cadeia. A fome é dama traiçoeira. Sinto-me perdido, um anjo que vive no inferno. A morte é um homem de terno olhando para o próprio umbigo. Em ambos os lados As seis da manhã no mercado, depois do café vem a lida. À noite, apesar da fadiga, o amor encrespado. Não sei se existir é um fato, diante da vida. Um baque diário, uma porta em que em ambos os lados, não vejo saída. Batina O seu amor por Deus me faz dizer adeus ao amor carnal. Por que não posso ter e nem tocar você sob à luz do castiçal? Além do bem e o mal, há um talvez. Se Deus assim nos fez, pode nos castigar? Eu sei o que é amar. É minha triste sina. Diante do altar, tenho que ajoelhar e só assim tocar sua batina. Versão refratada Quantas vezes eu tive que mergulhar no sorriso para fugir do abismo que é o existencialismo de mim mesmo. Quantos pueris desejos entre prosaicas conversas. Quando nada interessa, meu mundo me dá medo. Eu sou apenas ensejo que o acaso consagra. Uma versão refratada na ilusão do que vejo. Quando não me percebo, é sinal de que eu mesmo sou a soma do nada. Enxaqueca O que há de errado com a minha cabeça. Enxaqueca, um perfume enjoado. Pensamento areado, não me deixa compreender meu estado. Uma dor imprecisa. Compressão persistente. Uma mistura de morte e de vida, de fantasma e de gente. É um vôo rasante na loucura.; a enorme espessura da emoção traspassada pela fria tortura da mais bucólica ilusão que daqui mais um pouco, vou deixar de ser louco e voltar à razão. Suspense e malabarismo Meus pensamentos, rabisco em estranhos versos toscos. Nesse emaranhado todo, há lampejos de equilíbrio. Vendo a amplidão do circo, sou palhaço, sou o outro. Numa corda bamba, o risco. Eu risco esses versos como um louco. No silêncio após o riso, suspense e malabarismo de um poeta que enfrenta uma fera enjaulada. A veemência das palmas que estouram os ouvidos, silencia. Suspense e malabarismo. Maltrapilho Há de ser somente para mim, o segredo dessa mãe que chora, desde outrora, num pranto sem fim. Noite sem fim, até a hora da aurora. Hei de ser, quem sabe, maltrapilho que se deita sob a laje morna. De um lado, silencioso trilho e do outro, uma velha escora. Adormeço. Em meu sono esqueço que sou eu, o que foi embora. Amanheço, então reconheço minha mãe, agora. Eis que sou, um jovem aborrecido, que inominado maltrapilho, acorda. Traída Quantos lábios eu beijei para lembrar o que deixei em casa. Quantas cartas mal escritas. Quantas noites mal dormidas. Quantos ais. Eu a amo até demais. Por que se sentir traída? Quanto mais lábios beijei, tanto mais eu me lembrei, o que eu perdi na vida. Predadores indolentes A minha mão ousada busca teu ventre. A tua boca melada suga meu sangue quente. Somos dois predadores indolentes. A minha mão erguida na tua boca some. Só a mulher engole enquanto o homem come. Entre nossas pernas, membro cansado repousa em tua mão. Repouso em teus braços. Em teus ardentes lábios, rejuvenesço, enquanto intumesço, meu coração. Campeonato Não imagino o paradeiro d’aquele que chegou por último. Nunca pensei, um só minuto, que não seria o primeiro. O que levou o derradeiro, a conquistar essa vitória, a por o nome na história do campeonato brasileiro? Bola atravessada na garganta. O gol à torcida encanta, como também ao artilheiro. Quem sabe, foi a esperança e principalmente a perseverança que o levou a ser primeiro? Sobre as ondas da saudade Tinta nas bordas do tinteiro, mela meus dedos quando escrevo com a pena do passado. Um livro inteiro por mim borrado. Sentado no parapeito, menino arteiro, desocupado. Tinta, escorre em lágrimas do agora, enquanto vôo na memória de minha idade, com a mesma solidão de uma gaivota, sobre as ondas da saudade. Vitral Eu não me cansaria de ver nascer o sol. Assim, nascem meus dias, com chamas de alegria, da mesma cor que havia no fogo do paiol. Eu não me esconderia embaixo do lençol. A noite enfim, partia. A beleza que havia me fez olhar pro sol. Seus raios me ensinavam que tudo valeria. Meus olhos lacrimejavam. Nascia mais um dia. Enfim, eu me sentia um pouco mais real por ser parte da vida, compor em harmonia, o mais belo vitral. Paraplegia Afugentando pássaros que bicam no telhado, os grãos de semente da árvore em frente ao velho sobrado, está o menino levado, levado pra sempre. De minha janela, podia ver ela olhando pra gente. Ele descuidado. Eu um condenado, um homem descrente. O carteiro Recebi notícias na porta de casa. Uma certa carta de alguém que eu não via há tempos. Bons ventos o trazem, amigo carteiro. Você do correio, que mantém em dia a correspondência, que tem consciência do constrangimento de no vencimento receber a conta. De mochila pronta, com blusa amarela, o fôlego, a pressa e o suor no rosto, o carteiro expressa a fidelidade, me traz a certeza, com sua destreza, que jamais na vida sentirei saudade. Pombo-correio Entre muitas pedaladas pela rua, sobre calçadas, o amarelo se mistura com as cartas.; faça sol ou faça chuva. Peço desculpa pelo velho cão-de-guarda. A emoção que traz o vento, longo tempo, um antigo par de asas. Sob os telhados das casas, as notícias, as tristezas e delicias de uma carta. Não descansa no batente da igreja, mesmo que seja, o destinatário, Deus. Para todos um adeus de alguém que lembra, que a última correspondência é incumbência do carteiro. Um paradoxo Cala, meu amor, na boca, a voz, quando um de nós reconhece o próprio erro. Pois nunca é tarde pra perdoar. Saber amar é mais que zelo, é doação o tempo inteiro, é ser primeiro e não ganhar. Sempre tentar, no amor, é êxito. É a mais tola sabedoria. Um paradoxo, o amor seria, se não soubesse compensar. Eu vou ler esse poema Eu, que estou lendo estes versos, não sei ao certo, pareço o tema. Já no começo, gostei do apreço desse poema. Como ao espelho, estou falando comigo mesmo. Ou falo só? Eu não leio uma linha a mais... Humanidade Quem sou, entre quimeras d’aquela que vive numa torre enclausurada? Quem sou, além de cada grão de pólen de uma flor despetalada? Sou marca na poeira de cada batente da mais íngreme escada. Quem sou, além do dedo que acusa? Do botão de uma blusa, o orifício de entrada. Quem sou, além da camisa rasgada? O passo manco, displicente.; aquela mãe que ainda sente as dores do parto urgente que lhe tirou o filho fora. Quem sou, se não o claro da aurora? A mão que alisa os cabelos de uma criança quando chora. Quem sou, além de tristes pesadelos? Se não o mais bravo guerreiro que suicida-se com a derrota. Quem sou, se não a própria humanidade que em busca de suas verdades pergunta-se sempre: Quem sou? Não me acorde agora Não me deixe acordar agora, só mais um pouco, não demora. Eu sei que já está na hora. Todavia, todo louco quer contar pro outro, o que acaba de sonhar. A minha vida não é breve. O meu amor é eternidade. Não há distância, nem saudade. A realidade é um sonho que não tem hora pra acabar. Não há pedaços, consertar é apenas verbo desusado. Não há futuro, nem passado. Não há estrago, só fartura. Não há doença ou aflição, fome, miséria e extinção. Não há descida, só altura. Jamais existiu solidão. A dor é apenas ficção e a razão, uma janela pra acenar pro mundo que está lá fora. Não me deixe acordar agora, só mais um pouco, não demora. Eu sei que já está na hora. Todavia, todo louco quer contar pro outro, o que acaba de sonhar. Cheiro O teu perfume ficou no jardim, ficou em mim, nas flores do campo. Teu cheiro é tanto que me assombraria. Meu amor, eu vejo em minha poesia, detalhes que um dia foram só segredos, atos de desejos, dúvida e utopia. Os mesmos Todas as vezes que olho pela janela e vejo o sol nascer, aumenta a vontade de viver. Desde a infância, amor platônico, até a juventude interrompida por SIDA. Sempre fui irônico com a vida. Na promiscuidade, entre braços nus, fui anjo na cruz. Sou uma múmia viva. Sem bandagens, cadavérico o meu corpo não reage. Sofro de saudade e em meio a solidão lembro-me de todos os amores. Sonhos que eram flores, viraram pesadelos. Como diria o meu coração: -Seriam os mesmos, os mesmos, os mesmos... Em depressão O mal que me acomete não tem cura. Fiz uma jura em segredo. Devido ao preconceito, me sujeito à solidão. A vida é uma ilusão. Pois quando eu mais preciso, não tenho amigos. Amores, nem pensar. Em meu jardim sem flores, o meu maior pesar é não me acostumar com esse fim, e o que dói mais em mim, é ter que me matar. No confessionário Padre, em que mundo vivo? Não me fale. A sua realidade me perturba. Não quero ser apenas criatura. Quero ser de verdade. Eu sou a vaidade em pessoa. Prefiro está à toa, num mundo condenado do que me sentir salvo na sua fantasia. Padre, prefiro a noite ao dia, a escuridão ao claro. O meu pecado é querer o mundo. O seu é condená-lo. Quatro Ei! Ela? Ei-la, Leila. Quatro versos, quatro letras, quatro sinais de pontuação, o nome de uma menina e uma caneta na mão.; eis uma poesia concreta. O príncipe encantado Quando entendi que eu seria ele, o príncipe encantado, o herói mistificado, eu que sempre fui escravo, escravo do amor, enchi-me de pavor, não seria coroado. Enquanto namorado era só beijo e flor. Contudo, depois de casado, o príncipe que era escravo, um sapo se tornou. O conselho Filho, o amor que a gente sente não é maior que ninguém. Mas é bem maior que a gente. Quando for você, o pai, saberá em quem dói mais, uma lição. Cada conselho que dou traz de volta seu avô me chamando à razão. Minhas lágrimas contidas são para mantê-lo na vida com o mínimo de dor. Filho, vá, seja onde for, não esqueça o que eu digo. Eis um conselho profundo: Não há, senão, um castigo, o de aprender com o mundo. Uma querela dos diabos. Acima dos velhos degraus, no calçadão de uma antiga catedral, na porta principal, havia um pedinte em uma cadeira de rodas. Saiu dali depois de horas, dirigiu-se para a calçada do Hospital. Um distinto senhor saiu de um grande corredor. Pensando ser um doutor, o pedinte se empolgou e uma das mãos estendeu. - Uma esmola, pelo amor de Deus. - Você realmente acredita em Deus? Responde uma voz de tenor. - Acredito, sim senhor. - Acha que ele é justo? O pedinte toma um susto. - Sim, imensamente justo. com a humanidade inteira. - Então por que ele permitiu que o diabo o pusesse nesta cadeira. - Acredito que foi por pecado. O pedinte estava apático. - Quer maior pecado que o meu, negar a existência de Deus. E onde está minha cadeira? - Talvez o diabo não a tenha dado para que o senhor tivesse argumento para negar o Deus onipotente. - Você é muito inteligente para ser um simples pedinte. - E você amigo meu é muito burro para ser um ateu. Dito isso, o pedinte sobe aos céus em forma de anjo. E no momento seguinte, o ateu, como o demônio, desce ao inferno com requinte. Lerda Minha poesia é lerda. Merda de poesia lenta. O poeta cai por terra, em cada verso que inventa. Por mais que eu tente, sou pouco. Se falo muito, sou rouco. Quem me lê, é quem agüenta. Não quero esmola, nem troco, por cada verso ou poema. Leva vento, meu desgosto. Traz de volta minha prenda. Umas vezes, eu sou oito. Noutras, sou mais que oitenta. Cratera Eu sou uma pedra numa terra compacta, o que restou do magma de um extinto vulcão. Você é a fenda que me abre, me rasga, é a minha erosão. Duas mãos se entrelaçam numa rocha dura, se separam com os pingos da chuva que se infiltram no chão. Somos uma enorme cratera que abriu-se sob os pés de Eva e as costelas de Adão. Você ainda vive Eu queria que você voltasse, mesmo em forma de uma poesia. A folhagem que o vento bate, sua mão seria. E a flor que no jardim se abre ao raiar do dia, seria o seu sorriso. Eu teria que honrar o compromisso de eternamente cultivá-la. Pela vala, a água que escorre, seria suas lágrimas. O barulho que faz a foz, seria sua voz a chamar o meu nome. No arbusto, o aconchegante ninho que ao filhote esconde, seria um carinho feito por você nas horas mais felizes. Quantas vezes surpreendo-me a dizer: -Você ainda vive. Entre ramos Nós dois estamos num caminho sombreado, e entre ramos de um carvalho desfolhado, percebemos que o sol esconde-se no horizonte. De repente, a noite cai. Surge a lua, e nos faz novamente, entre ramos, observarmos em silêncio. Duo Roubaste meu coração. Na solidão de agora, eu te vislumbro na pouca luz do quarto. Disseste: - Parto. E tuas costas nuas não me diziam adeus. Em cada passo teu, eu me distanciava. Sabia que te amava. Tão sorrateira entravas em minha casa que eu mal te percebia. Nenhum dos dois queria. A luz silenciou, porque eu via que tu ainda eras eu. Por ambos os lados Enquadrados, o muro e o telhado da casa ao lado, pela janela.; a copa de uma mangueira, o céu azulado, a nuvem que passeia num estranho retrato. O vento movimenta o verde intenso. O sol projeta a sombra do muro, no extenso corredor apertado. Um olhar atento do lado de fora, verá que a essa mesma hora estou enquadrado pelo lado de dentro. Fonte Meus soluços convulsivos, minhas lágrimas incontidas, nada de volta, traria meu inesquecível amor. Foi a mais airosa flor no jardim de minha vida. Minha única companhia. Minha dama sem pudor. Com seu jeito sedutor, deu-me mais que alegria. Trouxe paz e harmonia e um revigorante calor. Uma inesgotável fonte.; onde hoje, mais que ontem, reconheço seu valor. Atonia Um emaranhado de tristezas, a teia em que teceram meu destino. Uma velha terra sem caminho para encontrá-la. Minha mão aberta, deixa escapar esse momento. Uma sólida questão de tempo, minha vala. Dentre a solidão, minha voz se cala. Um imenso vão, o meu querer. Teimo em perguntar ao meu viver, por que tecer a minha dúbia e triste fala? Quer me convencer que a vida é sábia, que conhece uma forma de entender. Se a vida soubesse o que fazer, não me ensinaria a morrer. A serpente O amor é uma caverna perigosa, onde o ciúme é um lume que me foca. Então me encandeia dando uma visão de ótica: uma serpente que se enrosca na areia. Depois do bote, o seu veneno explode em minha veia. Assim deliro sob o auspício do coração e o meu único antídoto é a razão. Sem volta Eu preciso falar que minhas horas são vazias quando fico a esperar com tuas fotografias. Frias por serem estáticas, dramáticas por não terem vida. E diante dos meus olhos, se afogam em lágrimas que não conseguem te trazer de volta. Disgra Meu coração está vazio como uma capa pendurada. Mas onde anda minha amada que a pouco era em mim, um rio a transbordar seu leito em lágrimas? Sou eu agora, um estio no qual ressecam minhas mágoas. Uma poeira levantada, cega meus olhos. Em desvario, meu corpo espera uma enxurrada. Ditame Não há luta do bem contra o mal. Nem o inverso, um belo passatempo. Mude a sua vida real. Mude sua medida de tempo. Não enxergue os erros desse mundo. Corrija o engano, que é seu. Não precisa nem ir muito fundo.; basta fazer como eu. O criador de Deus O homem é estúpido. Por sê-lo, não o culpo, não o condeno. Os mesmos degraus, eu vou descendo. De olhos abertos e não vendo. De arma na mão, não se rendendo. O homem é maluco. Por sê-lo, não o culpo, não o condeno. Por mais que eu tente, não o entendo. Por minhas ações, o compreendo. O homem sou eu, o criador de Deus. Carta anônima Estou com ciúme do mar por ousar seus pés, tocar.; dessa lua que teima em banhar de luz, seu rosto em véu.; desse estrelado céu que chama a sua atenção.; também de uma linda canção que cita o seu doce nome e de qualquer outro homem que se encante com sua imagem. Quando direi a verdade sobre todo o meu afeto? Seu admirador secreto. O acordo Hoje, vi um aperto de mão que ficou em minhas retinas. Vi o ódio de uma nação que a outra extermina. Uma guerra que enfim termina, ou será uma doce ilusão? Um efeito de televisão, o acordo que se assina. Talvez, seja a pacificação, um engodo de uma mente assassina. Paradoxo das horas Estou só.; me apavoro. O tique-taque do relógio, ignoro, no entanto, não consigo ignorar que estou só. Um assovio que vem da rua, me ignora. A lua faz sombras lá fora. Pesadas patas no telhado que o ventilador ao lado mal deixa escutar. Tento sentar, a muito tempo estou deitado. Meu coração acelerado. Falta-me ar. Pé ante pé, da sala ao quarto. Sob o lençol, todo enrolado, não tenho para onde fugir. O dia, enfim, tem seu começo. E só assim, eu adormeço. Arquivo deletado Não tenho tempo pra falar de mim. Talvez meu fim seja subjetivo. Sou virtual. Entre o açúcar e o sal, sou o sabor ativo. A minha rede é de conexão. O meu programa, interpretativo. Assim, navego entre o bem e o mal num site nativo. Sou uma fórmula exponencial na matemática de um mundo vivo, um erro fatal, deletado arquivo. O amigo Minha amiga, a demora de dizer o que sinto é a causa que minto até mesmo agora. É por você que chora esse louco varrido, esse velho amigo que você consola. É o que vê na senhora que é mãe de dois filhos, a Vênus de Millo a deusa da glória. Subversivo! Foram meus olhos que choraram poucas lágrimas.; pois sobre mim, caíram todos os delitos. Fui imbuído de lutar por minha pátria. A liberdade criou asas e num vôo sobre as casas, ouço um grito: - Subversivo! A minha sorte foi lançada sobre as escadas do cortiço. Um exilado que se abraça ao mais grave compromisso. Diagnóstico O poeta sabe, agora, que seus dias estão contados. Contudo, não se apavora. Uma contagem regressiva que afugenta seu passado e leva seu futuro, embora. O poeta sabe a hora. Seu destino foi traçado. Nos seus versos, um retrato sem memória. L’amour O amor é o riso, é o silêncio, é a madrugada, é uma língua não falada, é nada mais que tudo isso. Observando estrelas Eu me dissipo na volatilidade das horas, observando estrelas que agora são pontos no infinito, enquanto me extirpo das entranhas do que sou. Destarte, eu me extingo ou aceito que existo. Caligrafia Aos moços de hoje, eu peço glória. Aos velhos de agora, peço perdão. Fui um jovem, outrora. Hoje, um ancião. Uso um lápis que risca minha humilde história, como um laço que prende minha própria mão. Letras distorcidas. Lentes de ilusão. Espantalho Entre corvos, meus olhos são bicados. Fui por todos, traído. Minhas roupas condizem ao meu estado. Ouço o vento na plantação de milho. Com os braços abertos, eu não salvo. Porém sei que existo. Não sou a lenda Cristo. Sou apenas, um triste espantalho. Ralo de ódio Onde está o orador que se cala ante o corpo ferido pela bala de seu lindo revólver? Onde está a juíza que move, com seu choro contido, seu corpo pervertido pelo ópio? Onde está o brilhante cientista que no meio da pista é violado? O seu nome na lista é o primeiro recado. Onde está sua irmã pianista que perdeu-se no toque de seus dedos [mágicos? Ela se prostitui e desperdiça o seu dom que era nato. Onde está o futuro? Ignoro. Os seus filhos e filhas que se afogam nesse ralo de ódio. Torre de Babel O juiz do supremo, Jeová, se irrita e sai do sério, quando seu filho Jesus vai à noite, ao cemitério. No boteco do Davi, onde quem manda é o Golias, não há funda, quem afunda na cachaça, é o Isaías. No salão do senhor Sansão, quem faz o cabelo é sua mulher Dalila. As mulheres de Salomão, o cafetão lá da vila, choram e sentem solidão quando estão de barriga. Lúcifer anda arrasado, o seu mundo virou trevas, por ter visto abraçados, Adão e a senhora Eva. Noé, o velho barqueiro, não gosta de animais. No entanto, adora um peixe-frito no barzinho lá do cais. Essa torre de Babel é o mundo em que vivemos, onde não há inocência. Se algum nome ou fato ofender, é mera coincidência. Inalcançável Eu não sei que dia é hoje. Não importa. Quem saberia? O calendário é a porta que ao tempo fecharia. Quem me dera, se eu soubesse quando o dia acabaria. Nem mesmo sei se começa. Não há pressa. Hoje, amanhã, será ontem. Ontem, hoje seria amanhã. Amanhã é um dia inalcançável. Madrugada II A tua cor morena, quase nua. Madrugada que abusa de si mesma. Eis que o sol mal a toca e quase a beija.; fazendo ciúme à lua. Cantiga de rua Roda, roda, roda no clarão da lua. Roda, roda, roda, cantiga de rua. Volto a ser criança no calor da dança. Ouço o mesmo trecho que era o desfecho d’aquela canção. Roda, roda, roda a minha cabeça. Não deixe que esqueça, o meu coração, cantiga de rua. No clarão da lua, roda, roda, roda minha emoção. Endereço Quero revê-la agora mesmo. Saudade é o maior medo de quem ama. Na solidão, a sua voz me chama. Meu coração não faz segredo. Todos os dias, saio cedo. Um beijo em você, na cama. O nosso filho me encanta.; o nosso amor é seu espelho. Sua imagem me acompanha e na distância, me aborreço. Eis a rotina de quem ama. Assim, jamais eu lhe esqueço. E volto sempre à mesma cama por conhecer meu endereço. Cabo de marfim No espelho, um reflexo mal compreendido. Nos seus olhos abertos, o inverso de mim. No universo, o fim.; o fim de quem sou. Em meu álibi, uma suspeita morta. Em minha porta, há uma marca. E assim, no jardim, uma cova, uma lápide torta, uma faca com cabo de marfim. Maçã podre Por que me pedem para cumprir deveres em meio a seres que não me compreendem? Por que me prendem com pregos à parede, exposto à multidão que nunca esquece? Por que há sede, onde a água floresce? Por que esquecem os próprios sobrenomes e nunca o meu nome? Quiçá, porque sejam homens, animais dementes, sementes de uma maçã podre. Entre quatro paredes O que estou fazendo aqui entre quatro paredes e um teto? Sem o céu, não consigo existir. Sem a lua, não tenho mistério. Eis que páginas se dobram em mim, na leitura de meus próprios versos em poemas que não chego ao fim, não existe regresso. Amiga Ela me pede: -Fale de amor. Ela, uma flor de pétalas amarelas. Os olhos, pérolas de um verde sedutor. Seja quem for, não direi nada. É louca, engraçada e cheia de cor.