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Poesias-->Páginas de ontem -- 19/03/2007 - 16:36 (JOÃO FELINTO NETO)
Prefácio Não são poemas recentes, assim me disse o poeta, é exatamente o que o próprio título afirma. Eram poemas guardados que o poeta resolve publicar. Lendo-os eu vejo que o poeta já caminhava por essa trilha de versos interpretativos. O que admiro no poeta norte-riograndense João Felinto Neto é sua maneira de abordar assuntos tão diversos em poemas que resumem verdadeiros discursos e que fica a cargo do leitor sua interpretação. Páginas de ontem sustenta poemas que não são de hoje, mas são atuais e falam muito mais do que muitas bocas. Como o poeta mesmo diz, “Sou um poeta de ontem que escreve hoje coisas de amanhã.” Páginas de ontem talvez nos fale entrelinhas do que está por vir. Sebastião Arruda Dedicatória Dedicar seu trabalho literário aos pais, aos amigos, aos irmãos, à mulher, aos filhos, a divindades, aos poetas, aos que estão vivos, à memória dos que se foram, aos sensíveis, à humanidade, à vida, a pequenos atos, a grandes feitos, a atitudes, ao acaso, à fatalidade, em resumo a algo, a alguém ou a alguma coisa, com poucas ou muitas palavras, em forma de prosa ou verso, é regra geral, com exceção deste, já que não escrevi nenhuma palavra de consagração. Páginas de ontem O poeta foi embora mais cedo, talvez por medo ou apenas por pudor, e sobre a mesa ele deixou as páginas de ontem. O poeta fez segredo, guardou num cesto, carregou em suas mãos. Agora, as luzes no espelho brilham em vão, mesmo espelhado, o poeta é solidão. Distração poética A esfera corre pelo papel permitindo a execução dos versos, letra por letra. As idéias são grafadas por minha esferográfica, tinta azul, como estrelas azuis num céu infinitamente branco. Um alfabeto em desordem que exprime a ordem nas palavras. Até a posição dos dedos (aprendizado de criança). Através da esfera, minha alma desliza como patinadora no limitado espaço do papel, sentindo a frieza do mesmo, que dá vontade de riscá-lo. Risco, brinco com isso, perco-me em meus pensamentos que vão além de mim, não consigo decifrá-los, só risco. Nós Procuro descobrir-me em nós, debaixo de nossos lençóis. Descubro que perdi a voz, e nessa mudez, a nossa nudez revela-me a nós, que quando descoberto, sou em nós, mais você que eu. Ninguém é alguém Se é um Zé-ninguém, é um qualquer. Se é qualquer um, é um alguém. Assim ninguém é sempre alguém. Alguém que chora, que comemora, que se confunde, que se conforma. Ninguém de ontem. Alguém de agora. Aqui de perto ou vem de longe, não importa. Se é sozinho, Zé é ninguém. Unido a outros, torna-se alguém. Alguém que é gente, gente do povo. Clone Sou criação do homem pelo próprio homem, sem a evolução, sem o fetichismo, sem teologismo. Sou indivíduo homólogo. Mas como indivíduo tenho essência própria. Eis o questionamento dessa intrigante alma: Sou desvairio de um mundo insano? A realidade de um sonho natural? Talvez resultado de uma mente racional, ou sou humano? Qual o meu propósito? Ser um doador nato, e ainda ser grato ao meu criador? Também ter um nome, ou devo simplesmente ser um clone? Desgarrado Aquela chama que se desprende do braseiro, sinto-me inteiro, só quando chama. Como me chamo mesmo? Para sonhar posso ser livre. Para viver só se moldado. Sou como o cavalo que luta contra a brida por seu caminho não ser o do lombo, tal qual Zumbi no Quilombo lutou também. Não dá no quilo o que me vendem no pesado. Ser condenado por matar a fome. Qual seria o nome desse pecado? Miséria. Alheio O olho não te deixa lúcido, só permite o limite da mediocridade da caixa de sonhos. As mesmas balas, as mesmas falas, a mesma falta de sono. Sem dar opinião, andar na contra-mão, ouvir, tua visão não sabe. Não há lua no céu, nem luz nesse lugar.; não há lua-de-mel, nem filho pra criar.; só resta a realidade pra chorar. Delirando Infinitos corredores, curvas de urgência. Buscava-me na ausência do chão. Era a vida que me dava às costas. Perdi-me nas dores do infarto. Apático fiquei diante do berço branco do nada de onde vim. Lutava contra amarras que me atavam às vozes que chamavam por mim. Revi todos os meus passos folheados num álbum de imagens móveis. Pensava que chegava em casa. Em coma, a morte afagava-me os cabelos e tocava meus lábios. Havia alguém no meu corpo, já não era eu. Moeda Não haveria a cara sem a coroa. Não haveria o riso sem a tristeza. Não haveria o frio sem o calor. Não haveria o feio sem a beleza. Não haveria o ódio sem o amor. Não haveria a dúvida sem a certeza. Não haveria o homem de valor, se não houvesse o outro lado da moeda. Seios Teus seios chamam minha boca, como louca, para sugar-te a alma. E devorando-os com o olhar de gosto, num gozo constante, entrego-me, sem calma, com medo de alguém estar presente e os seios latentes ter que esconder. Mostra-me, doce auréola rosada, que sente minha falta, que me enche a boca, que me faz querer-te. Seios da amada. Lembrar é mudar Os senhores, as senhoras, os louvores, as histórias contadas de pai pra filho. Os valores, as derrotas, os heróis, suas vitórias, orgulho dos que resistem. Os colares, os olhares, belas formas, belas damas, heroínas pouco reconhecidas. Os mentores, suas vítimas, os autores, obras vivas, por gerações são relidos. O opressor, o oprimido, pela morte, pelo grito, liberdade não é mito. Ainda Tão importuno à carne o teu terrível engano. Indiscriminado uso do poder. Mortes coletivas. "Defendendo a casa", matando a própria família. Alguém se senta na praça numa leitura fingida. Armas emotivas. Dias de fuga do Estado de tortura. A dita, dura, ainda dura. Aceitação Ancião que anda no mesmo caminho que um dia jovem passou. Ancião que pisa o próprio coração, descuidado em meio a tantos cuidados. Tolo por viver tanto, sábio pelo mesmo tanto que viveu. Jovem julgado pela própria fé. Ancião cético ante a salvação. Antigo indivíduo de um jovem povo, povo este que novamente se acomodou. Ancião em anos de subserviência. Religião versus ciência, ódio, versos e amor. A caça Como se sente a presa, ferida, no alforge do animal que foge por estar caçando outro em extinção. Sem ter consciência do valor de sua existência e de ser um dos últimos a voar no céu. O mais cruel é que o caçador o sabe. Tamanha racionalidade assusta. Branco Em minhas retinas, só há paredes brancas. Em meus ouvidos, uma criança que chora. Alguém lamenta. A descrença aumenta ante a derrota da inocência. Paredes brancas, negras lembranças. Luvas que me isolam do toque humano. Tanta sujeira no branco da agonia. Leito branco, derramando todo o pranto da vida. Tanta frieza nos jalecos brancos que dá um branco no coração. Olhos piedosos, choro incontido, gemidos, dor, a maioria olha, quase ninguém sente. Branco de luto. Vulto esquecido. Branco que cega à atitude racional de salvar. Vozes São frases soltas de bocas estranhas. Senti na pele, fui descriminado. Acho que tem festa no sábado. O meu filho tá doente. O país é dominado. Está na moda. Fez a prova? Quem? Está casado. Uma moeda. Deus lhe pague. Só preciso de um tempo. Tá na memória? Apague. Meus pêsames. Lamento. São vozes, não tão estranhas, soltas ao vento. Sair de casa De sua parte pode despedir-se. Enquanto parte, eles se consolam. Falam sorrindo de coisas felizes, ficam chorando com a sua sorte. Cada degrau, um passo de incerteza, leva seus sonhos pra vida real. Meu pai Simplesmente sombra de teus passos, sou, em tuas ações, em tuas lições, amado senhor. Não há distância entre um e outro, em nossos corações. Sou pelo sangue tua eternidade. És para mim, primeiro mandamento. A tua bênção dá liberdade a minha verdade, ao meu pensamento. Imenso orgulho ao chamar-me filho. Amor eterno ao chamar-te pai. Filho É tanto amor que dói em mim, numa saudade incontida. Em seu mundo constrói castelos de pureza e fantasia. Meu pequenino herói da luta pela vinda a nós. Fogos Que sacrifício, tanta beleza, tamanho risco. Não há mais santo que suporte esse barulho de morte. Qual artifício terei que usar para me livrar desses malditos fogos de artifício? Irmãos Águas que foram postas para lavar os teus pés. Armas que foram postas para sujar minhas mãos. Bocas que se abriram para teu nome chamar. Bocas que se fecharam para meu nome evitar. Almas que te encomendam para que possas salvá-las. Vidas que me encomendam para que eu possa tirá-las. Braços que quando o vêem, abrem-se para te abraçar. Pernas que quando me vêem, correm tentando escapar. Eu sou o único demônio que tu não pudeste exorcizar. Tu és o único homem, o qual jamais pude matar. Somos unidos no sangue, a vida nos separou. Hoje, tu és um padre e eu, um frio matador. Flores que foram postas para enfeitar teu altar. As mesmas que foram postas para meu túmulo enfeitar. Indígena Queremos devolver ao corpo selvagem uma alma "civilizada" como a nossa. Fingimos não ouvir seus gritos abafados nessa floresta calçada e sem encanto. O que fizeram tanto para nos merecer? Talvez seus deuses soubessem responder. Já é tarde demais, os catequizamos. Nação que perdeu a própria identidade. Inflamável Chamas, labaredas de cor ardente. Nossa culpa pelo ato inconseqüente. Céu coberto de fumaça, ardor no pulmão do planeta. Mão que mata a própria mata na omissão da caneta. Floresta queimada. Incautos Somos crianças perdidas, brincando de destino, com um poder absurdo nas mãos. Que desatino, não ter noção do perigo. Correr o risco de no fim da brincadeira como bonecos humanos acabarmos. Não poder se limpar, nem se guardar, por estar morto. Visão De onde estou, o que vejo são só cabeças. Se é gente inteira que entra, quando senta-se é só cabeça. Umas de dúvida, outras certeza. E não se esqueça, o que eu vejo de onde estou, são só cabeças. O que espanta é a cabeça que se levanta. Ao sair, o que se vê é gente inteira. Mas continuo, de onde estou, a ver cabeças. Arte sacra Entrei no templo que crêem sagrado. Mundo selado na impressão da fé. Sagrados pincéis pelo que retratam. Sagradas mãos pelo que esculpem. Sacras formas de formas humanas. Divina arte de milênios. Sagrados esforços eternizados no tempo por mãos de gênios. Dor natural Ninguém se foi de mim. Nunca senti o que é perder alguém. A dor que vai e vem numa saudade de quem foi. Porém, um dia eu sei que a hora irá chegar e levará a mim ou a você de quem eu possa a custa da dor, calar-me. Desafio Deslumbra aos olhos tanto avanço. Derramam-se lágrimas de absoluta miséria. Ao viajar pelo espaço seu espaço na terra agoniza com os pulmões vazios de ar. Há tantos ares e as aves não podem voar. De tantos males, a beleza não pode brotar. Diante de toda tecnologia, está perdido. Seu maior desafio é encontrar-se. Desconhecido Adeus! Dizia eu a essa gente que com o olhar descrente via-me partir, tão de repente, como chegara ali. Perguntaram para onde eu iria. Respondi: - Vou procurar por mim através do mais triste atalho nas cartas de um baralho, num carteado sem fim. Na masmorra de um antigo castelo, nos tijolos marcados na parede pela boca ensangüentada por amor. Talvez, eu não encontre o que espero. Mas, espero aliviar a minha dor. Quem eu sou? Entre tantos, um mistério. Não importa em que cálice beberei, com que porta trancarei o meu pudor, em que flor o meu néctar beijarei. Não há como voltar. Talvez não haja respostas. Às minhas costas, não poderei mais olhar. Como calar diante dessas incógnitas: - Quem eu sou? - Onde é o meu lugar? Engraçado - Qual a tua graça? Perguntou sem graça. A resposta dela seria engraçada se fosse, sou Graça. Sem graça, graças a seus olhos, olhos de segredo, enfrentou seus medos, sorriu. Na graça da boca que sentiu o beijo, cheia de desejo partiu. Que graça. Engraça se engraçou por outro. Desgraçado fim. Despertar Se por ventura está perdendo a aventura, acorde, não queira mais dormir. Se ainda resta-lhe uma cultura, ninguém vai lhe dizer como agir. Abra seus olhos de pouco brilho. Mostre seu riso de pouca graça. Sinta que a venda da injustiça tapa a sua vista, degrada-lhe a alma. Reaja, lutar é preciso. Sua omissão é se iludir com seu mundo de alienação. Doce nação! Amarga a vida da maioria dos seus. Quando pisar a ponte não se desaponte, para muitos ela é teto não é só concreto. Nessa escadaria, muitas vezes, os degraus são os outros. Muitas cabeças são degoladas por lâminas afiadas nas mãos de imbecis. Não posso lhe mudar. Porém, tenho o dever de influenciá-la. Silenciar-me? Jamais! Sem opção Não é sua a escolha nas duas formas de aniquilação. Um cogumelo radioativo, toda vida será extinta. Na biológica ou química, somente a nossa inconseqüente partida. Teríamos ainda uma chance, a cura e a imunização, senão, o mundo continuaria, talvez, bem melhor sem nós. Versão Não há um fim no círculo da vida. Pois não se sabe o ponto de partida. Tudo se repete nessa caminhada. Só a forma de vermos é modificada. Não há um mundo novo. Há uma nova versão do mundo. Óbvio Da vida que tenho, não tenho o que escrever. Se nada escrevo da vida que tenho, é por nada ter. Parece-lhe óbvio? Quem disse que o óbvio não é poético? É difícil ver-se em si próprio, é mais fácil ver-se nos outros. Seu defeito, minha qualidade é, ou seria o inverso, meu defeito é sua qualidade. Nessa vida, somos versos da verdade no poema do universo. Chinelos Chinelos não educam, mas amaciam as pedras no caminho. Que caminho seguir, o que os chinelos indicaram? Chinelos nos ensinam, às vezes, atrapalham. Quase sempre é necessário usá-los. Não há criança sem a esperança de um dia calçá-los. Filhos, como educá-los? Usar chinelos ou ficar descalço? Corrigir Não será preciso se preciso for. Se não for preciso, preciso será. Precisa ser preciso para não ser preciso precisar. O desabafo Sou parte ativa de um dia de jornada a céu aberto, empunhando a minha enxada. Sinto na pele, o calor que tem a tarde. Passos pesados pela carga que me cabe. Falho sistema, que de novo não tem nada. Sou um problema para a sua propaganda. O meu descanso é somente em minha cama, na compreensão sob os lençóis, com aquela que me ama. E quando adormeço em meu travesseiro é que acordo desse pesadelo. Mesmo que escura e fria, a noite é minha melhor companhia. Separação Cada individualidade no amor unifica-se em uma só vida numa dualidade de corpos. Separe-os e verás não duas vidas separadas, mas, duas metades de uma vida. Se uma outra vida houver, abrirás uma ferida sem cicatrização. Salvação Examinando a cova na qual o enterrei, lá verão memórias do quanto lutei para me livrar dessa lavagem cerebral. Por nosso abandono, por nossa injusta lei, por minha consciência de simplesmente ser mortal. O mundo morre em prantos, pois o homem o esqueceu brigando por um canto ao lado de um deus. A terra é de todos, o céu ninguém o tem. Não passam de tolos buscando um além eterno. Em versos verbalizo minha ação de fé. Voar não é preciso, vou caminhando a pé para uma vida que é eterna enquanto vida houver. Vidente Seus dedos manipulam os sonhos nas linhas traçadas em mãos alheias para desvendar a alma do destino na palma da mão. Sua visão sem olhos, percorre o caminho escuro do futuro, enquanto a luz do tempo, amarelada, ilumina o passado. Cigana, se engana consigo. Botas Pegadas deixadas no solo do tempo. As mesmas botas que pisaram a vida e de saída descalçaram a morte. Enquanto ao norte, um vento forte as apagaria. Justificada por seus passos na lua, mostrando ao mundo suas solas limpas, suas mãos sujas de sangue. Assim, comandam a todos. A vida segue sempre obstruída por botas polidas. Insensatez Insensatez pela evolução de tornar-se um indivíduo de julgamento indevido na ausência da razão.; de entregar-se ao crime.; por tornar-se rico, enquanto morre-se de fome.; por corromper-se e não se compreender. Insensatez por não saber amar.; de tantos sonhos perdidos.; de vidas tiradas sem sentido.; por nada lutar. Insensatez de não saber seu próprio caminho.; de encontrar-se sozinho e querer flutuar no espaço, explodir em milhões de pedaços e só assim poder ter uma melhor visão do mundo. Insensatez por perder o bom senso.; por violar as nossas virtudes´, se é que as temos e enterrar o nosso intenso desejo de salvar a todos ou a todos matar, sem para isso tomar atitudes. Insensatez pela estupidez de ser "racional". Desistir Apressei meus passos no caminho sem volta. Não havia porta de saída. Dissimulo o riso, não sinto revolta. No instante da corda, perco-me na agonia do que me sufoca. Traio-me no tardio arrependimento. Desisti de pensar, desisti de sonhar, desisti... Anônimo Na timidez de revelar o que escrevo, procuro assegurar no anonimato, e faço segredo. Talvez por medo de não agradar, ser criticado e desistir de registrar os meus momentos poéticos. Espero, igual ao pintor, só ser compreendido postumamente, para não ser reconhecido no presente. Apenas me permito passar para o papel, aquilo que acredito. Porém, para o futuro, já amadurecido, espero que me leiam, resgatem do obscuro idéias que me espelham. Ser ou não ser Fiel, será possível ser, Se a natureza faz crescer o apetite na tigela? Sem essa, ponha água fria na cabeça e não se esqueça, seu coração pertence a elas. A quem? A ela. Tarde demais Ao acordar, um primeiro pensamento. Durante todo o dia posso ver um rosto, um olhar profundo, um sorriso, afinal um mundo que me pertenceu. Eu não consigo pensar em outra coisa, sinto muito. Aumenta ainda mais a saudade estar à toa. Não acredito mais em felicidade e me confundo com a verdade. Nessa hora é difícil ser racional. Acredito que você seja real numa realidade perdida a muito tempo atrás. Sei que sofre por demais quem acha que alguém pode voltar. Minha cabeça se confunde com o lugar. Tenho vontade de correr, a imagem no espelho me impede, continuo a vê-la, e fere, tanta tristeza por me ver enlouquecer. Não estou tão longe. A angústia passa. Aumenta o desespero quando você me abraça e eu pensando que lhe tenho, é só fumaça que se dissipa embaixo dos lençóis. Meu corpo ainda dói. Minha boca ainda lembra do seu beijo. Meus olhos, da imagem no espelho a me olhar. Escuto sua voz a sussurar que o meu coração lembrou-se tarde de pedir perdão. Responda Porque perdemos a voz? Responda-me. Já sei, não pode falar. O que não te permite ou não nos permite? Que falta nos faz a palavra ou a falta é de voz? Que diabo de traça a comeu? Não basta a resposta, é preciso certeza do que responder. Não me surpreende não querer discorrer, mas me indigna não poder discordar. O que mais nos atrasa é a falta do que dizer. Se não vai abrir a boca, mostre ao menos os dentes, faça cara de mau. Não será propriamente uma resposta, mas ao menos uma reação. O pior dos males é ser indiferente, aliás, pior ainda é concordar com tudo isso. Afinal, estou falando só? Alguém vai falar? Se não, calem-se para sempre. Encontro Procurava por um amor e não sabia que ela me encontraria. Doce namorada, pus em suas mãos minha vida inteira numa aliança. Deu-me em recompensa todo o seu amor em uma criança. Trazendo-me a esperança de viver pra sempre. Esquecimento Eu não me lembro o que deveria lembrar. Mas sei que me fizeram esquecer. Não esqueci o que me fizeram lembrar. Portanto, escrevo o que devia esquecer. O que procuro lembrar é o que devia esquecer. O que procuro esquecer é o que devo escrever. Enquanto escrevo, lembro-me do que me fizeram esquecer. Eu escrevi para nunca esquecerem o que procuro esquecer e para sempre lembrarem para nunca mais acontecer. Interior Tiremos as alpercatas e andemos descalços por esse país de lugares esquecidos. Olhemos nos olhos que não vêem o tempo passar. Ouçamos as vozes de queixas ao destino. Visitemos salas de terra batida, seremos bem recebidos e em nossa saída, um pesar disfarçado, mas, expressivo no olhar. A poeira cobrirá os automóveis. Eles imóveis em suas janelas e portas. Gente que suporta bem mais que nós, o dia-a-dia. Não um estresse urbano causado pelo valor mundano das coisas e das pessoas. Somos o que há por fora (uma capa ilusória de escolhas). Sorte nossa, o interior ter consistência e apesar de seus problemas seguirem a inocência do viver. Não precisam de um porquê para tudo e a sua existência é a simples condição de ser. Todos Sonhar com coisas que o dinheiro compra é pompa. O verdadeiro sonho não se compra. A liberdade de um povo é um velho sonho que é sempre renovado e que o dito dinheiro e a maldita ganância o impede de se tornar realidade pra ser apenas esperança. Sonhar com a modernidade é vaidade, enquanto há criança que não come. Sonhar em ter reconhecido o nome é esquecer dos outros, pois a sociedade define-se como todos. Origem Por onde começar o infinito mundo sem conceito? O que a todos devo por direito demonstrar? Se nas mãos de quem escreve a certeza é apenas a esperança de estar-se certo. Pois a verdade absoluta é relativamente falsa. Dependerá da consciência que a concebe e da visão que a percebe. Se nada sei, deixe-me ao menos explicar. Se não me calo, talvez seja pela esperança de ser escutado. Se nada falo, é pura forma de me revelar. O que antecede um ser se não a sua própria criação, um criador à sua forma, única conhecida. Flor Exóticas pétalas de cores num ramalhete de amores, malícia masculina. Enquanto é trevo é sorte e até disfarça a morte, depende da sina. No ambiente, belo ornamento, ainda serve de alimento, medida feminina. Essência em forma de perfume. Buquê de noiva um costume, sonho de menina. De pólen passa a mel, nos campos como um véu, abre-se ainda. Em muitas mãos é lucro. Num outro estágio é fruto, existência finda. Idade Que infelicidade, a idade com o passar do tempo só nos leva à morte. Que sorte, ainda resta vida. Cada aniversário, um passo pra cova. Todo calendário agoura o ser desde o nascer até se perder no envelhecer, na hora maldita. Morte, que sorte, não morri ainda. Ideais Se é preciso se doar a tanto luxo, recuso-me, desculpo-me por perder. Se nada é constante, nesse instante, indelicado sou. Talvez por não querer ter tanto ou não ter porquê. Por qual motivo não me dá razão? Sabe muito bem que a própria mão tem o direito de escrever o que se passa na cabeça de quem lhe ordena e coordena os movimentos, transformando-os em idéias tão concretas que se tornam ideais. Canto de sereia Como um canto de sereia de belíssima harmonia, letra correta, verdadeira poesia e melodia que eterniza nossa alma. Por onde anda a sereia encantada nas profundezas desse mar de ignorância? Letra incorreta com falta de concordância e melodia que nos faz perder a calma. Só na lembrança, o teu canto nos enleva na emoção que tua voz nos faz sentir e na saudade, o nosso coração desperta pra realidade, não há nada mais pra ouvir. Crime A mão na luva nada exprime. A decisão está tomada. A faca agora observada. A voz no ouvido não reprime. Um passo dado que alerta. Um só murmúrio incomoda. Um movimento acomoda. Um golpe intenso que desperta. Uma vontade tão ardente. Uma vitória amaldiçoada. Uma visão mal assombrada. Uma razão inconsciente. Um corpo inerte ainda quente. Um cheiro doce que aflora. Um coração que se deflora. Um turbilhão em sua mente. A intensa dor que continua. A imensa perda em sua alma. A mesma voz que lhe acalma. A mesma busca pela rua. Paciente Chega de falar de calma se não há mais alma pra se converter. Extravase a dor na palma, ajude essa massa a querer viver. Veja um palmo à sua frente, não se alimente sem oferecer. Já que o santo está ausente, corra contra o tempo pra poder vencer. Mas o sangue como é quente, esse povo um dia vai saber morrer. Use a força que te arma, basta empunhá-la, é o seu saber. Não desista e não se abata, use a palavra, que irás vencer. Nunca aceite usar a farda, jamais se anule pra sobreviver. Se alguém teu corpo marca, regerá pra sempre todo seu querer. Cada voz que não se cala, formará um só refrão. Não há nada que se faça, não há arma que combata o poder da união. Amar Quer saber se ama? Reflita consigo. Não consegue ver nada em seu caminho. Sem ela ao teu lado acha-se perdido. Mesmo acompanhado sente-se sozinho. Quer gritar a todos o seu sentimento. Escuta no vento ela te chamar. Sua boca diz como em um lamento o nome d aquela que te faz sonhar. E deseja tê-la sempre em seus braços. Lembra-se que a vida não nos dá certeza. Num dia unidos, em outro separados. Vive a alegria antes da tristeza. Sabe que na vida teve a sua chance e que num instante poderá mudar. Na mão do ciúme, todo o romance, como de costume, tende a se acabar. Ouve o coração acima de todos. Todo amor é surdo ante a razão. Tolo de emoção é visto por outros. Sentimento louco, alegre prisão. Não há liberdade, doce sofrimento, e sem fingimento finda a invasão. Diante da fuga aumenta o tormento, eterno momento de condenação. Peito sufocado por tamanho aperto. Já não tem bom senso pra poder julgar. De mente confusa e coração aberto, reconhece agora o poder de amar. Reconciliação Deixa-me falar de forma que possa me ouvir. Deixa-me ajudar na busca do seu coração. Deixa-me sentir as lágrimas que você chorou. Quero mergulhar na fonte de tanta paixão. Quero seguir pela trilha que você deixou. Quero caminhar com calma pra não te ferir. Quero repousar na tenda da sua emoção. Deixa-me guiar você de volta para mim. Deixa-me rebuscar lembranças que ainda há em [nós. Deixa-me matar a saudade de você em mim. Deixa-me dizer adeus a essa tristeza. Quero ter certeza que tudo mudou. Quero ter você por toda minha vida. Quero te chamar pra sempre de meu amor. Deixa-me querer-lhe. Da tempestade à calmaria Como um barco de encontro às águas, nos unimos. O movimento que o barco faz a navegar. Os teus cabelos são como velas soltas ao vento que me levam sem rumo certo a algum lugar. Assim as ondas vão aumentando nosso balanço, o barco lento também começa a se apressar, e nessa pressa teu corpo explode em movimentos, é a tempestade que envolve o barco em alto mar. Esse momento que pouco dura é tão intenso que fica imenso, torna-se eterno esse lugar. A calmaria retorna ao mar. O barco agora flutua tranqüilo por sobre as águas. Assim, meu corpo repousa em suas águas, numa imensa paz. Deserção da vida Enquanto eu guerreava, já não mais pensava. Meu punho cerrava, já não escrevia. Já não mais chorava, o rosto queimava a lágrima que escorria. Vinham-me saudades da felicidade que senti um dia. Já não lamentava tudo que sonhava possuir na vida. Já não mais cantava, somente emitia gritos de agonia. Pra onde eu olhava, nada enxergava além de corpos sem vida. Não me segurava e me descansava nos braços de alguém que morria. Já não se sabia qual era a razão da guerra que havia. Já não refletia, nem compreendia o que acontecia. Nada mais restava, por mais que lutasse, morto me sentia. Deitado na lama, não me conformava, pois eu me tornara o que repelia. Apavorava-me quando encontrava o que escondia. Sem identidade, perdi a idade e envelhecia. Perdi-me do mundo, o rumo da vida eu não mais seguia. E no desespero veio a liberdade trajada na morte. A dor que senti, nada me restava, como não chorava, o que fiz? Sorri. Distúrbio Vejo além desse mundo limitado, torno-me fecundo, quanto mais profundo mergulho nesse mar de sangue e lágrimas que nunca foram derramadas. Perdi um lado da vida. Achei um outro no mundo. Desilusão Quando olhava a estrada, da qual vi parti você, não sabia em que pensava, mas tinha certeza, não queria mais sofrer. Estacionou nesse momento, não mais voltou a ver a vida como ela realmente é. Quando se banhou no rio da calma dessa solidão, aprendeu que o medo não é um segredo, é só a razão a defendê-la do perigo de partir. Enquanto houver palavras, mesmo que tão duras, não tão duradouras, na mesa em que se ganha se gastará fortuna pela vida à toa. Como ecoa a voz da ingratidão. Não traz mais um recado, mesmo dormindo ao lado. Não dá vazão à toda essa angústia. Tamanha disciplina nada ensina, só acaba a emoção. E entrega-se com toda força e frieza à mais louca tristeza, decepciona-se, não mais se suporta, fecha a sua porta para a vida e escondida, morre. Culpada Batida. Carro que sangra na estrada desenfreada. Partida de quem se ama. Inconseqüência do que se mata. Ferida, marca a lembrança. Dor incontida, nunca se sara. Perdida, não mais se acha uma só culpa para a desgraça. Culpada, nação de farça. Pista assassina, ninguém escapa. Cochilo Mergulhar sua cabeça no rio. Desafio, deixar o vento secá-la. Enquanto o tempo, ali sereno, quase não se passa. Deitar à sombra de uma árvore. Seus olhos a cochilar escutando o canto da ave e o barulho da água. A correnteza dir-lhe-á com certeza, pra esquecer o murmúrio do mundo. Crise existencial Paro, medito. Em que presente estou? Existo? Penso com isso, como diz o filósofo, explico. Corro meu risco, questiono a criação, maldigo. Calo, reflito, discuto essa questão, insisto. Tento, persisto, faço as mesmas perguntas, repito. Fico, arrisco diante das respostas, exito. Fujo, não ligo, insisto na razão, duvido. Leio, reviso. Não há como explicar. Desisto. Vivo, preciso. Não posso desistir. Acredito? Metáforas Bordaste meu nome nos lençóis freáticos do seu coração. Voaste no céu da minha boca e já quase louca viu milhões de estrelas. Enfrentaste a fúria do meu pé de vento, sentindo no peito uma rajada de lamentos. Iluminaste o buraco negro da imaginação. E assim, como no mar a onda vem e vai, eu levo o meu amor, você me traz a paz. Mãe A pálida coragem do nascer traz o transparecer de tua alma Iluminada. À vida que depende de teu ser, entrega-se com prazer, determinada. Com aquele que conquista teu querer, sempre vai se sentir acompanhada. À família que em tudo quer te ver, oferta teu viver, apaixonada. A casa que tanto exige o que fazer, tenta sempre manter organizada. A todos que te acham merecer, a vida a se doar, eternizada. Lenda E assim, o mundo é um velho arco com a linha do tempo distendida. A vida, uma flecha envenenada com o veneno da idade, arremessada, impulsionada pela mão do acaso com direção inesperada, com obstáculos no caminho. Há sempre um alvo atingido. Somos alvos da flecha da vida lançada do arco do mundo pela mão do acaso. Alternativo Águas rasas, as verdades, transparentes se revelam. Águas fundas, as mentiras, profundamente perdidas, ocultadas em mistérios. Rasas, doces e correntes, sossego fluido crescente, se afagam. Fundas, frias e paradas, traiçoeiras se afogam, em solução aparente se consolam. Vidas que flutuam em águas rasas e/ou fundas na busca a uma terra firme. Arriscar-se Fumar a paz, ainda é proibido. Falar demais, corre-se risco. Se a mordaça da hipocrisia faz calar a voz da suposta verdade, na dúvida, é melhor que a imposta mentira disfarçada de inocente bondade. Acho Acho que o sim é sim, outras vezes, não. Como não? Acho que o não é não, outras vezes, sim. Como assim? Indagação... Aparição O chão que piso, seus pés não tocava. Em meus ouvidos, uma voz do além. Além de mim, não havia ninguém. Naquela noite, a solidão reinava. Eu desconheço maior sofrimento. Sobrou lamento em minha assombração, faltou ação em meu assombramento. Encorajado pelo próprio medo, lancei os olhos ao velho portão. Corri dali como se fosse o vento, pisando em túmulos que havia no chão. Num cemitério não piso tão cedo. Sobrou ação em meu assombramento, faltou lamento em minha assombração. Anjo Todas as noites toco em meu anjo que dorme cedinho. Anjo sem asas que voa em meus sonhos dentro de casa. Tão dependente dos meus passos, fortalecido em meus abraços. Um dia meu anjo terá asas e voará pelo mundo em busca de si mesmo. Anjo desmistificado. Meu anjo. Anjo filial. De um outro ângulo Inteligência infinita, escondida no recôndito cerebral. Revérbero oculto pelo vulto de um distúrbio neural que vê a vida pela fresta de uma janela quebrada e com a chuva de estímulos não vê mais nada, e fecha os olhos diante do que é normal que para o mundo é um defeito letal. Ato Hálito de chão molhado, cálido suor, um corpo cinturado, uma dor sem dó, um ato imoral, uma mão em vão supõe deter o escrúpulo virginal. Paternal Tal qual aperto de mão que sela uma amizade é o abraço apertado na despedida para o escuro mundo do chão. Enquanto há vida, o sonho é realidade. Na esperança, o fim é triste passagem, necessidade, sonhar com essa ilusão. Talvez, esteja eternamente perdido, isso é o que eu digo, não sei se tenho razão. Por essa grande amizade, selada pelo abraço tal qual aperto de mão, sempre estarei ao seu lado, perdido ou desencontrado, acreditando ou não. Paz Com a mão exposta em forma de ave, imaginou a paz adormecida, notificada aos seus familiares. Noticiaram a guerra deflagrada. Exércitos de famintos, sem cobertores, cobertos por besouros de ferro. Melancólica música ouvida em sobressalto durante toda a noite. Saltando sobre suas cabeças, simultaneamente, vida e morte. Abrem-se os braços na escuridão em busca de um abraço de paz. Corpo entendido, extensão da vida em morte, expõe o lado triste do mais fraco, expõe o olhar distante do mais forte. Vampiros Negra forma. Vôo noturno. Hematófago ser. Presa morta. Impressionante vulto chega ao entardecer. Asa aberta. Fecha a porta. Um sonar a defender. Um suspiro. Um vampiro que te faz adormecer. Morte lenta. Movimenta sua boca com prazer, suga a alma eternizando-a. Num vôo noturno, dois morcegos cegos para morder. Vingança Lutar contra o fantasma do perdão é perda de tempo, é guerra perdida, é vazio não preenchido. Do doce esperado da vingança, só nos resta um travo na boca do rancor. Afundamos sem valor num poço de tristeza. Não há justiça, só há frieza, indumentaria de um vingador. Insolação As rachaduras do solo, sem querer, me revelam figuras imprecisas.; levanto os olhos, não são miragens, são imagens distorcidas. A água mina enchendo a tina de sonhos que transborda até a realidade em forma de suor na aspereza da pele seca. A estrela solar parece-me tão perto, iluminando o meu deserto, escurecendo a minha vista. O chão quente me enraíza a si como corrente. Fico passivo na ventania de areia, olhos vazios de alma, insofrível dor que acalma, vida em resignação. Ouvido Falou baixo. Na escuta. Um discurso bem formado. Mais alto, um grito, um monólogo proferido. Falou certo, consigo, demagógico ouvido. Por quem ouve, verdade. Para quem fala, faz sentido. Aprendizado Sou cidadão, não leio, não vejo o que dizem. Sou andarilho aleijado em uma pista. Orador sem ter língua para falar. Sou tela em branco sem artista para pintar. Sou carregado à toa pelos fatos como canoa sem remo. Sou sonhador que não sonha acordado e acordado não sabe pensar. Preciso ver o que dizem para optar sim ou não. Preciso ler entre linhas para ter a minha consciência de cidadão. Ano novo Eu quero desejar a todos, o que todos desejam para si. Eu quero repetir de novo, o que de novo estar por vir. Um novo ano que um dia, velho vai partir. Ao que se passa, um novo dia vem a seguir. Conhecer-se Não olhes para dentro de si mesmo, não profundamente, pois o que irás descobrir, o deixara em eterna tristeza. Veja a beleza de tua externa paisagem, tua imagem, nunca o interior da caverna, onde não há claridade, só trevas. Na verdade, lá não existe alma, existe uma vaga a ser preenchida. Cappa Nefasta cabeça, na qual supõe que põe um quepe que lhe tira a culpa. De réu passa a ser vítima. Na sombra de um sombreiro, descansa a vista. Já houve um tempo que de chapéu, se matava. Com uma estrela no peito, se safava impune. Hoje, é costume com uma cartola, se corromper. Milagre Velas e juras, males sem cura, vozes que dizem amém. Nota aguda na aguda dor de alguém. Agonizando em ternura, aliviado em loucura, acreditando-se bem. Depressão Só um abraço lhe foi pouco? Venha de novo, é apenas um abraço. Essa frieza de louco, não exite, não sou outro, somente estou mais distante. Se em meu olhar insondável não me encontro, paciência, volto num instante qualquer. Só não consigo ser permanente, quem sabe ausente sou. Essa sensibilidade à flor da pele, afunda-me em tamanha calma, resigna-me em alma a fechar-se em mim. Um verso Em um portal sem porta o que importa é a passagem. Em um espelho sem reflexo não há complexo sem sua imagem. Um verso sem sentido de aspecto indefinido é poética miragem. "Bati com o rosto nas mãos, faltou coragem". Parabéns Boca que sopra idade ao apagar a chama simbólica. Sorrisos e palmas, vaidade, vozes num coral. Olhos que brilham. Estrelas cadentes. Presentes. Dia especial. Estar bem para mim. Parabéns a você. Sonoridade Dedilhando versos em cordas distendidas, violão sem vida, acordes dispersos no ar. Na impressão dos nervos, na precisão dos dedos saem verbos em forma de música. Ao tocar, as mãos tocam a canção que nos toca com a sonora melodia poética. Enchente Os seus pés submersos num tapete de água. Sua vida em casa, invadida. Sua terra, da noite para o dia, de tão seca passou a encharcada. Foi um dia, pedida com afinco. Hoje, olha para o céu e pede calma. Suas coisas estão sendo levadas. Não entende a causa dos extremos. Na inocência da fé, chora por dentro, mas por fora, cada lágrima de tristeza só aumenta o poder da correnteza que arrasa de vez com sua vida. Armas Soluçou a arma que perdeu a calma, disparou lamento, silenciou a vida. Barulho de ato impensado. Quem armou o dedo também acusou. Pensa ser estilo, foi um belo tiro, para a liberdade, um trágico fim. Achou ter poder, tentou socorrer a si. Armas são pra nos ferir. Pele de cordeiro Patas na lama e na mesa. Sangue nas mãos e nas veias. Uma brisa entre os botões. Nos salões, à noite, uma contra-dança. Nos porões, há dor sem mais esperança. Por sua fé infinita soa sua voz e ele grita: - Sou a coroação. Fila Uma fila que seguíamos uns aos outros, passo a passo no cansaço da espera. Embora no espaço da vida fôssemos contrários, na fila, sempre nos seguíamos em busca do mesmo fim. Bom pra você, ruim para mim. Febre Inconstante sensação, frio em minhas carnes. Não queria ser oposição ao natural. Quentes tardes, noites frias. Escoava-me pelo suor no movimento da temperatura. Uma loucura sem fim, uma longa espera por mim. Agasalhos, pele nua, dura forma de conhecer extremos. Flagrante Expus-me à vista, enquanto o olho ficou exposto ao colírio para limpar a marca do distúrbio. Vermelho clandestino, sonho lírico. Na fumaça, oculto, o absurdo do que é dito desatino. Excluído Fugir da seca onde há tanta fome. Morrer de sede no meio da água. Não saber falar nem o próprio nome. Ficar calado onde há tanta mágoa. Morrer de fome onde há tanta terra. Baixar a cabeça onde há tanto mando. Ser tão passivo no meio da guerra. Perder a vida sem saber-se quando. Dormir na rua quando há tanta cama. Não saber ler onde há tanta escola. Sentir-se limpo no meio da lama. Ser miserável e pedir esmola. Manter-se honesto no meio da escória. Manter-se certo onde só há erro. Não ter memória onde há tanta história. Não ter coragem de enfrentar o medo. Sentir-se aceito onde há preconceito. Não reagir e ser submisso.