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Poesias-->Pax-vóbis -- 19/03/2007 - 17:19 (JOÃO FELINTO NETO)
Exórdio A poesia traz paz de espírito, e é nessa intenção que o poeta traça sobre páginas, versos rabiscados em silêncio. Todo poema traz em ritmo, harmonia enquanto declamado. E esse ritmo compassado, arrasta o leitor ao eterno repouso em pacificação com seu interior. O poeta com seus versos, sabe arquitetar com diplomacia a fuga de correntes que nos prendem no dia-a-dia ao corre-corre da vida. Pax-vóbis traz em seus versos a atitude do poeta João Felinto Neto ante posições na vida, situando o leitor em cada íntimo, como aquele ao qual se refere. A escolha do título em latim, segundo o autor, foi para sugerir com uma língua morta um sentimento dos vivos: “Somente vivos, temos paz de espírito”. Pax-vóbis são poemas que permeiam o cerne do ser humano em confronto com seus questionamentos. É inquietante ler poemas que nos compele à reflexão. Essa obra é mais uma confirmação que o poeta mergulha na profundidade de si mesmo e nos faz emergir nos descobrindo. Sebastião Arruda Pax-vóbis Que seja este livro, Um jantar à luz de velas.; Do mar, A mais tranqüila caravela. Seja o vento nas cavernas, A soprar. Seja o condor a planar Sobre a planície. Seja um velho que sorri De um jeito triste.; Uma noite No alpendre à beira-mar. Seja a mais distante ilha Que a lua alta brilha E o sol vem se espelhar.; Uma boca suspirando de amor.; Nos cabelos, uma flor A enfeitar. Seja um pássaro a cantar Por entre galhos. Seja um bonachão sentado A escutar. Seja a sua paz de espírito Que o mais estrídulo grito Não consiga abalar. Por toda parte Devo dizer-te, agora, O quanto a amo. Quero enxugar o teu pranto, Com meus beijos. Sei que não é tão cedo, Mas nunca é tarde. Mesmo que a morte trate De me fazer partir, Sempre estarei em ti, Por toda parte. Substantivo abstrato O amor, Alardeariam os eternos, É optar céu ou inferno, Deus ou Diabo. Explicariam os letrados, O amor é certo Substantivo abstrato. É um sentimento ultrapassado, Assim, diriam os modernos. É na verdade, um mistério, Resumiriam os mais práticos. O amor, Sussurrariam os celibatos, É casto, é puro. Resmungariam os sisudos, É apenas infantilidade. É luta pela liberdade, Exaltariam os dissidentes. O amor É para sempre, Suspirariam os emotivos. É simplesmente mito, Afirmariam os mais céticos. É tão somente sexo, Falariam os impulsivos, Impulso de uma vontade. É perdoar a humanidade, Ensinariam os profetas. É a solidão e a saudade, Declamariam os poetas. Pelo vento O vento traz Vozes tristes e distantes Que interpreto no silêncio Como sendo versos casuais. E os meus ais, O vento leva para longe, Em rascunhos que jamais Terão meu nome. Ninguém verá o meu semblante, Mas, saberão de minhas dores, Pelo mesmo vento que antes, Outras, a mim, trouxe. Ao infinito Na madrugada fria, Eu caminho na areia. O vento serpenteia Numa brisa. Enquanto a onda teima Em tocar meus pés descalços, Meus pés pisam em falso Moldando a areia. Eu tenho a impressão Que o mar deseja apagar O meu caminho. Talvez, queira me ver sozinho Caminhar. Tamanha paz, Arrasta-me ao infinito, Metamorfoseando-me em cada onda Que num singelo ritmo, Na areia, se desfaz. O ditador e o exilado - É suficiente uma bandeira Para acenar. Pois, sendo ela brasileira, Sei que posso voltar. Grita, o exilado Do partido popular. - Rasgarei qualquer bandeira Que estiver a acenar. Pois jamais, à minha pátria, Exilado voltará. Grita, o exacerbado Ditador militar. Foram anos, felizmente, já passados, Que não gosto de lembrar. O direito era negado, Mortos por todo lugar. Até que um dia, enfim, O ditador de pijama Vê o presidente passar.; Pensa, então, desconfiado: Ontem, fora um exilado. Hoje, está em meu lugar. Botão de flor Sou taciturno Como um ato de coragem. Quem sabe Essa imagem seja apenas ilusão? Tenho na mão, Uma flor que não se abre. Talvez, se acabe Nessa forma de botão. A solidão Seria o fogo que em mim, arde.; Que quando à tarde, Reaquece uma paixão.; Aquela que me deixou taciturno. Mesmo no escuro, Ainda queima o coração. Cena Cada um de nós Faz sua parte em cena, Que é apenas Uma só voz. Mesmo falando uma só língua, O mundo míngua, Se formos sós. João olhos de gato Eram tais olhos de gato, Quando um farol ligado Joga luz na escuridão. Uma macabra assombração. Foi no dia de finados. Eu estava já cansado. Vinha de uma procissão, O terço ainda na mão. Eu passava bem ao lado Das barracas do mercado, Quando tive a impressão Que alguém chamara:- João. Na rua do campanário, Estava um escuro danado Que era difícil à visão Saber qual a direção. De onde viria o chamado? Não sabia de qual lado. Todavia, tomei uma decisão, Respondi: - Diga irmão. Um vulto vinha apressado, Parecia um ser alado, Os pés não tocavam o chão. Bate forte o coração. Era o compadre Melado.; Vinha montado a cavalo. O resto foi criação De minha imaginação. O pior do resultado É que eu estava mijado E borrara o calção. Que triste situação. Hoje, sou apelidado De João olhos de gato Pelo compadre Melado E toda a população. A rocha Sou como uma rocha sólida Que numa encosta, O mar castiga, a desgastar. Sou a mesma, a afundar Sob as águas gélidas. Sou insistente. Porém, na insistência, cedo. Sou sempre o mesmo Ante o mundo que me cerca. Estou perdido Numa trágica descida, Sem ensejo de voltar, Qual a rocha esquecida Nas profundezas do mar. Filho único Hoje Não é apenas mais um dia Entre tantos, a nascer. É filho único, Pois cada dia Morre ao anoitecer. Hoje Tem que ser tão cativado Quanto o filho que se tem. Hoje também, Deve ser comemorado. Hoje Nunca tem o mesmo nome.; Pois amanhã, Será velado como ontem. É porque não choro Faltam lágrimas em meus olhos, Foi assim a vida toda, Não que seja minha escolha, É porque não choro. Sei que o peso que suporto, Muitos dizem ser à toa. Porém, não é a minha escolha. É porque não choro. Peço perdão, até imploro A quem a morte tolha, Por não ter lágrimas em meus olhos. Não é frieza, nem é ódio. Não é minha escolha. É porque não choro. Paciência, medo ou sabedoria Paciência É a espera cansativa Até o momento azado. Medo É sinal de covardia Ou seria Ato de um ajuizado? Sabedoria, Equilíbrio e harmonia Entre Deus e o Diabo. Qual seria O atributo mais louvável, Paciência, medo ou sabedoria? Cadafalso II Não espero o amanhã, Eu vivo o hoje. Amanhã é mais que um dia, É um passo além da vida Que acabaria hoje. O agora, É preciso viver. Essa história De amanhã vou fazer, Pode ser um passo em falso Num cadafalso Que venha surpreender. Talhe Talvez eu seja o escopo De um velho escultor Que talha seu triste rosto Num tronco que encontrou Nos arredores de casa Num sombrio entardecer. Como se pudesse ver Sua face ali marcada, Sua boca, uma falha Que o tronco em si trazia Num galho que não saíra. Se eu não for o escopo, Talvez, seja o próprio rosto Que eu não reconheceria. O próximo O que eu espero Nesse vazio enorme, Nessa vida arrodeada de queixas? Apenas as letras Deixam-me falar. Minhas palavras são tolas, Evasivas de minha realidade. Se todos soubessem a verdade, O mundo, talvez, só fosse pranto E se inundaria em nossas lágrimas. Continuemos na ilusão De que alma, coração e razão São alicerces Na construção de cada dia. Pensemos num futuro próximo, Onde o mundo evolua. Continuemos no mundo da lua, Sem sabermos se seremos o próximo. Seres humanos Quem são eles Com seus rostos diferentes? O que sentem? O que querem pra si mesmos? Os seus medos, Seus desejos mais ardentes, São diversos.; Seres humanos dispersos Entre nós. Não leio seus pensamentos.; Não escuto uma só voz.; Não conheço nenhum deles.; Não sei quais os seus tormentos, Muito menos seus intentos Mais secretos, Seres humanos dispersos Entre nós. Vós II Se ainda credes em Deus e Diabo, Tendes todo o poder. Vós podeis manipulá-los. Se sentis o mal Tentando se erguer, Mandai o Diabo ao inferno, Uma região do cérebro Onde Deus tende a viver. “Vós sois O caminho, a verdade e a vida.” Ninguém vai a Deus A não ser por si. Evidência Em um mundo aparente, Onde Deus é o Diabo E a maçã uma serpente, O homem se torna barro, A mulher costela quente. Em um mundo decadente, Tudo é manipulado. A virtude é pecado, O pecado tem um preço de mercado Que é cotado, altamente. Em um mundo encantado, Onde o Diabo come gente, Onde Deus em um cavalo, Espada versus tridente, O real é imaginado, O quimérico é coerente. Bem-vindo a Sarajevo Estranho, O silêncio me espanta. Talvez, Por estar preso na garganta: Bem-vindo a Sarajevo. Como escrito pelo medo Na parede demolida. Ainda há esperança, Enquanto há vida. As flores, Aqui, nascem em segredo. A chuva Cai em bombas, Entre os dedos, Nos amputando sonhos e lembranças. Bem-vindo a Sarajevo. Mundo fictício Uma criança brincava Com a comida, na mesa. Corria de pés descalços, Sem ninguém a seu encalço, Pela ruazinha estreita. Não enxergava a sujeira, No seu mundo fictício, Do real desconhecido.; Tudo era brincadeira. Contudo, era tão bonito Ver o mundo d’aquela maneira: Sem ter ódio, Ser ter vício, Sem sombra de sacrifício, Sem pecado E sem tristeza. Soneto fúnebre Se eu morrer amanhã “Não quero choro, nem vela,” Nem mesmo fita amarela Como queria a canção. Também não quero oração, Nem elogios aleivosos De inimigos maldosos Querendo um frágil perdão. Quero amigos chistosos A desdobrar em sorrisos O meu feral saimento. Que os meus entes queridos Não tenham tanto remorsos E nem tanto sofrimento. Jura e prece E nasceu o sol, Triste, solitário, Esperando a lua À beira do lago. Que belo cenário Ao entardecer. O vento a dizer: Vai chegar, a lua. Surge à noite, a lua. O sol desaparece. De quem é a jura? De quem foi a prece? Um gato Sete vidas eu teria Se de verdade, fosse um gato. Ronronando, eu andaria Sutilmente em seu telhado. A primeira, eu perderia Tentando entrar em seu quarto. Da janela eu cairia Sem lembrar que era um sobrado. A segunda, eu ceifaria No seu lençol, estrangulado. Teu olhar me perseguia, Enquanto pelo meu era fitado. A terceira, na certa acabaria Como acaba um namoro. Sem você eu sairia. Você sairia com outro. A quarta seria um fim De um nada começado. Você olhando para mim Como se olha para um gato. A quinta seria a tinta Espalhada no sofá. Você me jogando a trincha Sem parar para pensar. A sexta chega ao fim Com as rosas espalhadas. A bagunça no jardim. Você me dando pancadas. A sétima não passaria Nem do primeiro encontro. Você me atropelaria E cairia em pranto. É natural É natural Ter nascido numa senzala, Ser escravo de uma terra Que sem alma, Fala em libertação. É natural Ter a doce ilusão Que se tem alma, Com a mesma calma Que se fala em omissão. É natural Não ter o dom do perdão Quando sua cela é forjada Com o ferro da ambição. É natural Por ser inata, Uma crença exagerada Em um deus de ilusão. Basta Caminho para a praia Sob lâmpadas acesas. Não há na rua, areia.; Há muito, já foi calçada. Lavo em lágrimas, As pedras nas quais eu piso. Meus ouvidos Buscam o barulho da água. Já na água, indeciso, Molho as minhas sandálias. Num agachar, as retiro. Assim, sigo Pela areia molhada. O vento frio me acalma, Traz ao meu rosto, um sorriso, Então, grito Qual um louco enfurecido: - Basta. De momento Eu me enterro só, Sob minha terra. Pois, só assim, A minha vida pode ser eterna. Ninguém acredita Que a minha vida É de ocasião. Se tenho razão, Não importa ainda. Minha vida finda, Voltarei ao chão. É fantasioso querer sair furtivo Entre vermes E galgar aos céus imaginários Num abantesma intuitivo Que é o cerne Dos ingênuos e otários. Eu me enterro só, Sob minha terra. Pois, só assim, A minha vida pode ser eterna. Sempre estamos sós Reservo-me ao silêncio E à espera Até que a humanidade me esqueça. O travesseiro, talvez me apodreça, Enquanto espero a morte, meu algoz. Não quero escutar a minha voz Em forma de lamento e/ou gemido. Surpreendo-me, às vezes, esquecido Que sempre estamos sós. Percebo que ainda permanece acesa, A vela que puseram em minha mão. Discordo da oração que alguém peleja Tentando me arrancar da solidão. Sombra de nanquim Que a vida, Mesmo frágil, continue. Que perdure Meu amor, além de mim. Que não tenham fim, Meus passos pela rua. Que dissipe sob a lua, Minha sombra de nanquim. A prova Prefiro sucumbir-me ao silêncio Do que falar o que está escrito. Se em tais palavras já não acredito, Seria assim, hipócrita e pretenso. Maldito eu seria no momento Em que pronunciasse um verbo seu. Se não posso ser eu Que seja ao menos, A prova de que não existe Deus. O poderoso omisso Quem deixaria o mundo Em meio às dores, Tendo o poder de o manipular? Faria dos espinhos, Senão flores. Das pedras no caminho, Relva macia pra pisar. Da fome e da miséria, Lendas maquiavélicas Sem ninguém pra escutar. Faria dos perversos, Bons senhores. Das sombras dos infernos, Luz e cores. Do mundo, Um paraíso pra morar. Quem deixaria o mundo Aos seus horrores, Tendo o poder de tudo transformar? Indefinido amor Definiria, eu, o amor, Na paz que vem após a guerra. Na espera de quem não supera O destemido vencedor. Na chama que derrete a vela, Mas ilumina a velha cela Onde aprisionado estou. Na tempestade que avaria O barco que me levaria A um terrível opressor. Na lança que a árvore acerta, Enquanto o cervo, assim, desperta A fúria de um predador. Na ponte de corda e madeira Que se partindo aqui me deixa Ante o abismo aterrador. Nas asas livres de um condor Que chama minha atenção, Que liberdade é uma ilusão Ante o indefinido amor. Palavras tortas O vento frio em minhas costas, Arrepiando-me o pensamento. As luzes que vêm lá de dentro, Alumiam-me pela porta. É nessa hora Que algo macula o silêncio. Sussurra o vento, Palavras tortas. Em meus cabelos que desgrenha, Sinto a areia que me joga. Não me desenha, Mas me contorna. Miramar Por que o amor me fez viajar Sem fazer planos, Milhas e milhas, Através de oceanos, À mais remota ilha, Para fincar bandeira Numa nação de língua estrangeira, Depois de atravessar Metade do planeta Na busca do mais tocante beijo, Menosprezando meu desejo De voltar, Fazendo-me casar Em uma terra estranha, Com uma nativa que se chama Miramar? Desabafo Talvez minha frieza Seja dor E essa dor, Tristeza. Não sirvo de consolo E não suporto queixas. Perdoa-me, o amigo, A falta de afeto. Não sei se sou severo Ou um covarde omisso. Ante o maior pesar, Sou esquisito. A quem me é querido, Peço lembrar, Que nem sempre chorar É estar ferido. Querela perdida Lágrimas nos meus olhos, Eu não me espanto. São apenas gotas De uma chuva fina. Misturo meu pranto Com a mesma tinta Que borra teus olhos. Querela perdida Pra quem ama tanto. Mais que uma dor física, Expressão de espanto. Desfaz-se na chuva, Uma antiga jura De quem diz: - Te amo. Figuras de meu passado Eu vejo a face de Deus, Por mim vencido, Adormecido em seus braços. Vejo também o Diabo, Por mim banido, Envelhecido ao seu lado. Figuras de meu passado, De uma infância feliz. Um deus de fraldas, Calado. Um diabo que tudo diz. Visita indesejada As palavras, às vezes, não dizem nada E o silêncio nos ofende. Nestas horas, Dar as costas e ir em frente, Pode não ser educado, Mas, é o mais coerente. Sua visita Pode ser indesejada. Sua estada, Um equívoco evidente. Entre silêncio E evasivas palavras, A decisão mais acertada É dar a volta e ir em frente. O morto Quero ser a ponta do cigarro Que queima na boca Do policial sem farda. Quero ser o anel da prostituta Que ainda suja, É usada. A calçada Onde pede ajuda, Um mendigo que sorri sem graça. A calça Do grande executivo Que nessa hora passa. Quero ser a vaga Que a pouco, Foi desocupada. O dente de ouro Do crioulo Numa estridente gargalhada. A picada Na pele inchada De um dependente Que nem mesmo sente Sua dor de alma. Contudo, sou o morto Que observa o corpo No meio da rua Mal iluminada. Levado pelo vento Ouço apenas um pássaro que canta. O espanta, Um trote de cavalos. Uma carroça com outro emparelhado, Arrasta-me ao tempo de criança, Onde um velho corria, na esperança De me ver homem feito e honrado. Ainda vejo o portão escancarado, Onde o gado Corria ao seu encontro. Nessa hora, o meu peito treme tanto, O vejo caindo do cavalo. Eis que o céu num instante está nublado. Descuidado, tropeço pelo espanto. Uma neblina mistura-se ao meu pranto, Onde vejo o passado embaçado. O meu filho observa-me calado, Sem saber onde andava em pensamento. Apesar de já fazer muito tempo, Ainda lembro daquele dia azado. Então, conto que um velho adorado, Foi levado na chuva pelo vento. A rua que me leva ao mar A rua que me leva ao mar, Sem nada falar, Sempre me diz tanto. O vento me entoa um canto, Aliviando o sol Que teima em me queimar. Quantas passadas até lá? Ninguém nunca me viu contando, A não ser um cão que ladrando, Insiste em me acompanhar. A rua que me leva ao mar, Deixa a lua passar, Meu caminho iluminando. A areia que já vem voltando Nas costas do vento, Tenta me barrar. A rua que me leva ao mar, Está sendo maculada: São casas, postes e calçadas.; Com pedras é pavimentada. À noite, toda iluminada, Não vê que a lua quer passar. A rua que me leva ao mar, Traz-me de volta para casa. Ensinamento Não eduquei meus filhos Com a mesma vara Que meu pai me batia. Talvez, por isso, um dia Eu os senti com medo Diante da vida. Eu nunca fiz segredo Do que lá fora, havia. Também não fiz alarde, Por saber que cedo ou tarde O mundo se revelaria. Tenho a plena certeza Que as lições de ontem, Mesmo não sendo as mesmas, Ainda se escondem Nas lições de hoje em dia. Será que existia? São tão raros Os que sentiriam minha falta... Talvez, cem seja exagero Entre seis bilhões de tristes almas. Mesmo em cem, Ainda teriam as falsas lágrimas. Outras iriam ao enterro, Só por serem educadas. Umas, mesmo em desespero, Manter-se-iam em calma. Todavia, A esmagadora maioria Nem ao menos saberia Que existia, O poeta que vos fala. Despedida Eu vejo, amigo, Que se despede da vida Com angústia, medo e dor. Não vê que ainda tem a seu favor Os amigos e a família, Que manterão em vida, seu valor E suas ações enaltecidas? Eu sei Que a morte, às vezes, nos obriga A temê-la ante a vida que se esvai. Mas odiar, talvez seja demais.; Fugir, Também não é saída. Estendo o braço Pra dar-lhe o último abraço, O abraço de uma despedida. Insanidade Meu desapego à vida É uma ofensiva Contra o medo de morrer. Talvez, seja mais fácil pra quem crê E tem uma fé sob medida. Meu desespero me obriga A uma luta desmedida Entre a razão que me habita E esse Deus que me castiga E que me faz enlouquecer. Eu sinto que a insanidade Supera, enfim, minha vontade.; Sepulta o eu Que em mim havia. Eclipse lunar Apenas minha sombra Na janela.; Um cadáver sem ter vela Para soprar. A luz que ilumina às minhas costas, Além da porta, contorna Outra sombra, a me olhar. As duas se encontram na cozinha, Tua sombra junto à minha, Até a luz apagar. E numa escuridão sem fim, Acabamos no jardim Num eclipse lunar. Quarenta anos Olho para meu passado, Moleque magro Que em meu presente não tenho. Não diviso meu futuro. Hoje, quatro de outubro, Homem maduro e sereno. O que fiz em quatro décadas? Quarenta anos de vida Entre páginas amarelas Que já foram coloridas. Entre os cabelos grisalhos, Estão dias de alegria, De esperança, de cuidados, De tristeza, de harmonia, Do mais pueril afago À malícia mais perversa. O que fiz em quatro décadas, Senão viver meus orgasmos Em uma simples conversa, No mais íntimo abraço? Não sinto o peso da idade, Talvez, por não percebê-la. O que sinto é saudade De não poder revivê-la. Em meu lugar Serei ossos sob a terra. Na lembrança, um poeta Que soube amar. Minha alma que é vela, Virá, a morte, à janela, Num vento frio, apagar. Sei que não irei voltar. Mas, uma coisa é certa: Minha obra de poeta Ficará em meu lugar. Dor sentida Ah! Se eu pudesse lastimar em pranto, A dor que a vida me imputou, Um dia. Pudesse eu sorver toda alegria Que em meus lábios Surpreende tanto A quem não sorria. Talvez, por minha natureza fria Ou uma tristeza, por demais, calada.; Talvez, nem caiba Em mim, A dor sentida. E ressentir A dor em mim, Não valha. Boneco de pano O peso de Deus sobre meus ombros, Atola-me no lodaçal do inferno. Na mão de um ser eterno, Sou um boneco de pano. As chamas, O meu corpo, vão queimando. Eu vejo o Diabo em pranto, Que Deus diz ser cruel. Sou a fumaça inalada pelo Diabo Enquanto em cinzas, Sou por Deus, enfim, soprado Em direção ao céu. Poesia equivocada Não há nós ou amarras Que me prendam, Por ser eu, livre Tal qual o vento Sob as asas De velhas garças Que sobrevoam Nossas casas De cimento. Não há preceito Ou preconceito Que me abata. Sou resistente qual a vara Que apesar de envergar Por muito tempo, Volta à posição primária, Logo que se acalma, o vento. Não há poder Que me cale as palavras, Por ser eu, firme Qual a casa destelhada Pelo mesmo vento.; Que há muito, abandonada, Ainda resiste ao tempo. Assim resisto, Com um louco pensamento E uma poesia equivocada. Cárcere estreito Onde habitas, liberdade, No meu crânio ou no meu peito? A razão me desfigura a vontade, Por direito. O meu coração, sem jeito, Só me faz sentir saudade. Sou feliz na ilusão de que sou livre, Vôo na imaginação. Todavia, me acorda o coração, Chorando triste. Em seu pranto, ainda insiste Em chamar minha atenção: -Não se esconda da paixão, Pois ela existe. E cativo em um cárcere estreito, Na mais fria solidão, Perco a razão, Golpeio mortalmente o peito. Ocasional Eu me pergunto Se ainda sou real Ou uma idéia dispersada no silêncio? Se sou por dentro, Um lampejo ocasional Ou sou resumo De uma vida santoral Numa dimensão de tempo? Não lamento Se meu crime é passional. Pois sei que a morte é natural Tal qual é o nascimento. Sei que a ocasião faz o pecado, Que o rosto ao meu lado Não parece estar feliz. Há nele uma enorme cicatriz, Uma lembrança do passado.; Quando entre Deus e o Diabo, Era o fastígio e a raiz. A rosa Numa noite, vi o meu amor Tal qual sombra na escuridão. E nessa mesma ocasião, Alguém, então, telefonou. - Já sei, perdi meu coração. Em solidão, na minha dor, Eu optei pela razão. As lágrimas seriam em vão, Não reveria o meu amor. Mas, a razão não contentou Meu coração enraivecido. Talvez, tenha sido o motivo, Que a emoção a superou. Começa a surgir em mim Como uma rosa no jardim, A ilusão de que a teria. E foi tão grande a alegria Que eu não percebi que enfim, Eu era a rosa que nascia. Uma carta anônima Eu mergulhei em lágrimas contidas, De uma paixão inibida E platônica. Pois, me dei conta, Que eu sempre seria Uma carta anônima. Mantinha boa distância, Daquela que eu mais queria. Nascia em mim, a esperança, Quando de perto, a via. Será que um dia, leria, Nos olhos deste que a ama Ou nunca perceberia E para sempre eu seria Apenas uma carta anônima? Último alvorecer O dia amanhece Como tantos outros, E não tem nenhum problema Para eu resolver. A não ser, Que a vida se dissipa Para tantos outros, Que eu jamais virei conhecer. Se algo ainda eu pudesse fazer, Não sairia do meu leito Para protestar em luto Por tamanho absurdo Que é fenecer. Só abriria os meus olhos Quando cada fruto, Dessa árvore genealógica, Viesse a nascer. Entre lágrimas que cortinam a visão Tenho a nítida impressão Que irei também perecer. Nada mais posso fazer, Por ser tudo, tão vago. Aproveito o cenário Do meu último alvorecer. Porco taberneiro Pior do que meu erro, É meu desalinho. Sem manga, Sem colarinho, É meu desmantelo. Banho, Não tomo direito. Minha barba, Espinho. Sou um porco taberneiro. Estou sempre atravessado Em velhos batentes. Já não escovo os dentes, Vivo embriagado. Moscas voam ao meu lado Como damas inocentes. Sou um bêbado inveterado. A vergonha despediu-se Já faz um bom tempo. O amor próprio Foi ao vento, Fui abandonado. A taverna é meu convento, Onde em pensamento, Estou entre Deus e o Diabo. Reflexo Quando olho no espelho E não mais me vejo, Tenho ânsia e o desejo De não mais voltar. Sei que é o mesmo lugar, Mas, um mundo inverso, Onde eu sou meu reflexo Tentando ocultar O meu lado mais perverso, O que eu tento evitar. Última ceia Não tenciono remover do mundo Sua fé estóica. Mas, abrandar Esse mirrado punho Que sustem a espórtula. Quem se abstém Da mesa que está posta? É a ultima ceia. Mesmo que os olhos de Deus Já não veja, O mundo morre de fome Às suas costas. Mandamentos Eu ouvi dizer que Deus sorri, Se o homem não cumprir Seus dez mandamentos. Apesar de todo o juramento E a promessa de não repetir, É levado a julgamento. Por primeiro, não deve servir Outros deuses ante a mim. Apesar de eu me omitir Quando chegar o seu fim. Por segundo, não deve fazer Para ti, imagem de escultura. Apesar de a certa altura, Elas me darem prazer. Por terceiro, nunca vá dizer O meu santo nome em vão. Nem que seja pra você Pedir um pouco de pão. Por quarto, guardar o sábado. Pois, para mim ele é sagrado. Mesmo que venha a perder O seu tão raro trabalho. Por quinto, honre seus pais. Nem preciso pedir isso.; Apesar de não ter feito mais Que sacrificar meu filho. Por sexto, nunca matar. Não tente justificar Com o velho testamento, Foi só ira de momento. Por sétimo, não adulterar. Pois no caso de Maria, Ao José eu tive que enganar. Pois ao mundo salvaria. Por oitavo, não furtar Nem um pão para comer. É até bom o jejuar. Lembre que eu amo você. Por nono, não levantar Nenhum falso testemunho. Apesar de eu precisar De mais um pastor no mundo. Por décimo, evite a cobiça Da esposa do seu próximo. Mesmo que ele seja bicha E o mais desonesto sócio. Eu gosto de sorrir Se o homem não cumprir Meus dez mandamentos. Apesar de todo juramento E a promessa de não repetir, Eu o levarei a julgamento. Plágio Eu escrevo sobre letras apagadas Num suposto plágio.; Sobre cartas redigidas ao acaso Por alguém que chora. Não há prova De que eu psicografo. Sou escravo De minha falsa memória. Por partes Por trás dos óculos, Os teus olhos me perscrutam. Teus ouvidos não escutam Eu te chamar. Aos teus lábios, dá vontade de beijar Pra sentir o sabor de doce fruto. O teu corpo impoluto, Vivo eu a desejar. Não consigo penetrar Seu pensamento. Porém, é só questão de tempo, Eu poder te imaginar Em mim, inteira, Da maneira Que o artista faz nas artes, Por partes. O louco na novena Quem é Deus? É a mão que apareceu dando adeus Ao mundo em cena. É o louco na novena Que pergunta: - Quem sou eu? E responde a si mesmo: - Este é o meu segredo, Eu sou Deus. Com o dedo encostado No seu peito ensangüentado Se acusa: - És um homem solitário, Sob o peso do pecado, Sentes culpa. De repente, Põe a mão no rosto e chora. - E agora? Sou a escuridão lá fora, O meu nome é evitado, Sou o Diabo, Que usando o próprio rabo, Se enforca. Onde tu andas? Onde tu andas Mulher amada, Onde tu andas? Será que bates Na porta errada, Quando alguém chama? Sinto teu cheiro Na minha cama. Deixaste em chamas, Agora apagas. Não fui primeiro, Não me enganas. Deste teu preço, Quis tua graça. Saiu mais caro Que um desejo. Custou-me o apreço, Mulher amada. És pervertida, sem endereço, Roubas a alma Através do beijo De quem te paga. Onde tu andas Mulher amada, Onde tu andas? Será que bates Na porta errada, Quando alguém chama? Fênix Devo renascer De minhas cinzas Como a ave mitológica. Devo ser a glória E não ruína. Devo ser ainda, A fogueira Que me queima A toda hora. Fugitivo Corro sob a lua que ilumina O terreno adverso. Vez em quando, tropeço, Sem saber que fujo ainda. Some a lua, Cai neblina. E na escuridão, Oculto minha culpa. Mas, meu coração Pede desculpa Pela razão Que é assassina. Eu matei a Deus, Que me mantinha Na mais inexorável prisão. Cortina de fumaça A cada passo, Descortino meu passado Em fagulhas silenciosas Que perfuram o meu cérebro. Qual o mistério Nas terminações nervosas? Medicamentos Que me levam lentamente A enxergar em minha frente, Coisas que eu vira outrora. Lindas senhoras Com decotes indecentes. Um dia quente, Uma noite invernosa. Uma criança Convulsiva no batente, Uma mãe que loucamente, De pé, chora. E mergulho No silêncio de mim mesmo. Desaprovo meus segredos Por escrúpulos. Ao entrar num beco escuro E estreito, Eu me vejo num espelho, Num senhor de sobretudo Que não passa de um sujo E espalhafatoso bêbado. Cabelos de prata O que procuras, Inquieta criatura, Na ilusão dos pesadelos.; Se a realidade Não passa dessa brancura Que prateia teus cabelos? Será só medo Dessa face escaveirada Ou sentes falta De tua vida de solteiro. Se for para mentires a si mesmo, Não dize nada, Esqueças a imagem que te fala, Do espelho. O alvo - Eis que a promessa Daquele condenado, Possa ser outra, A de nunca me seguir. Foi a conversa Que eu pude ouvir, Entre uma dama E seu novo namorado. O que a fizera partir, Deixando o seu noivo amado? Será que fora o ciúme, O culpado? De repente, ao meu lado, Um rapaz com grandes botas Empurra o pé na porta E começa a atirar.; Sai correndo do lugar. Eu adentro o recinto. Você vai pensar que eu minto. Mas, pode me acreditar, Estavam os dois abraçados, Buraco pra todo lado. Não conseguiu o danado, Nenhum tiro, acertar. Rio abaixo A água escorre Pela fresta de uma rocha, Rio abaixo. O vento forte, Pela brecha que há na porta, Não me deixa sossegado. Não abro os olhos. Pois, ao mundo pouco importa Se estou ou não, acordado. Estou cansado Para procurar respostas. Estou a horas, Procurando o melhor lado. Esqueço o vento.; Então volto em pensamento, Rio abaixo. A fábrica Que imensa estrutura Ao céu aponta. Chaminés onde a fumaça Se levanta. Onde a pedra se mistura Na fornalha que insinua Uma camada nua e crua Do inferno. Eis que o sol parece perto, Bem mais perto Que a lua. Leva, o vento, Um pó cinzento Que molhado, Em pouco tempo, Se transforma Em pedra bruta. Unanimista Sou intérprete de tuas angústias. Minhas súplicas Revelam teus segredos. Os meus medos Sustentam tuas culpas. Minhas dúvidas Explicam teus anseios. Minha mão unciforme te estrangula. Em tua urna, Deposito o meu pó. Mesmo só, Sou a multidão confusa, Que me acusa De mostrar sua dor, Sem dó. Humilde perdão Deus esqueceu a terra Nos lugares onde a guerra Sobrepujou a razão. Talvez, não tinha noção Do que o homem era capaz E entregou a satanás Essa impiedosa missão. Deus não tinha coração Ou era louco demais Por pedir a nossa paz Em troca da salvação. Deus errou em omissão. Ainda fala em condenar. Deveria avaliar Sua difícil situação. Olhar para baixo e aceitar O nosso humilde perdão. Chupim Longe vôo em fingimento, Para se esconder de mim Como a ave no capim Que se insinua Entre folhas quase murchas, Não se apercebendo, assim, Quando esvoaça ao vento. Fujo, não por sentimento, Mas, por medo de no fim, Tornar-me presa cativa Que só consegue estar viva Quando em forma de chupim. Estátua II Não podia falar, Quando quis, Não consegui me ouvir. Não podia chorar, Refletir, Entre lágrimas mentir. Não podia gritar Nem pensar. Como então, me calar De uma vez. Não podia enxergar-me feliz E nem ver Que só imaginei. Agitar os meus braços, não dava. Pelo menos tentei. Porém, me conformei Que era estátua, O que eu me transformei. Amor em febre Amo Com a impiedade dos homens, Com a convalescença das mulheres. E esse amor em febre Arde Tal a vontade Em minha pele. O amor me fere Na saudade. Que em mim se acabe, A dor Que esse amor Expele. Quando jovem O que há além de minha inquietude, Meu menosprezo pela vida, Minha coragem e juventude? Vôo ao limite em altitude, Salto sobre a lei da gravidade. Desço à profunda escuridão, Subo com o peso da pressão, Sem encontrar maioridade. Tem uma tristeza progressiva Que acompanha o meu sorriso. Minha atitude intempestiva Já não sabe o que preciso. Essa vontade desmedida Insiste sempre estar comigo. Sou inimigo Da razão que me acompanha. Em tantas camas, Sofro pelos meus caprichos. E eu com isso? Digo a minha liberdade Pois, na verdade, Não importa o que faça eu comigo, Estarei em mim detido. Uma jura Se, é para ter de volta A paz, Peço desculpa, Eu quero um pouco mais Do que morrer de culpa. Quero enfrentar a luta, Retroceder jamais. Ante meus ancestrais, Manter minha postura. Faço uma jura, Pela angústia de teus ais, Que nunca mais Cometerei outra loucura. Soneto do ciúme Como livrar-me dessa insegurança, Do medo de perder-te, amada. Ao caminharmos nessa estrada, Olho-a com um fio de esperança. Seu passado, um martírio à lembrança. Meu presente, uma vida condenada. Onde a carícia fere como faca afiada, Minha pele e a tua em semelhança. Meu esforço pode até ser em vão.; Mas, por esse amor eu tudo busco, Mesmo que atinja o próprio coração. Eu prefiro vê-la, então, de luto Do que ver cerrada em um caixão, Aquela por quem tanto amor desfruto. Homo sapiens sapiens Já nos primeiros passos, Caminhamos pro abraço De nossos ancestrais Que em nossos pais, Estão representados. Crescemos dependentes e ligados. Em nossas brincadeiras, Demonstramos sentimentos adversos. Nós somos tão perversos, Assim o mundo queira. Mesmos dispersos, Cometemos mais asneiras. A nossa juventude É uma chama acesa Que abrasa e encandeia As nossas atitudes. Nós arriscamos Até a vida alheia. O jovem é uma centelha Que a idade, enfim, consome. Quando adultos, Prezamos nossos nomes. Uns, apesar de cultos, Esquecem os que têm fome. Eis que o homem Comete absurdos. Nós disfarçamos bem Nossa civilidade, Fingimos caridade Àqueles que não têm. Sentamos pra comer Em nossas mesas. As velas são acesas, Em homenagem a quem? Cortamos nossas unhas, Deixamos nossos dedos Para o outro, acusar.; O gatilho puxar. Fora tão cedo. Mas, não quis executar. Um banho por asseio, Cabelo bem cuidado, O terno engomado, Parece um bom sujeito. Porém, seu predicado É sempre descuidado Com o próprio meio, Devastando floresta. Fechamos nossas portas. Forçamos serem retas Árvores tortas. E a resposta, A natureza presta. Cobrimos nossos órgãos genitais Por tamanho pudor. Mas que horror, Matamos as florestas e os animais. Dormimos em santa paz Por sermos bons e honestos. A nossa omissão nunca é demais. A nossa oração nos torna certos. O próprio teto Da igreja é de madeira. Arrancamos da terra Nossa sobrevivência. Não temos a decência De preservar a mesma Nem mesmo consciência Por arrasá-la. O coração se cala Em nome do dinheiro. Assim, o mundo inteiro Se declara. O bem, assim, não passa De nossa hipocrisia. O que somos de dia, À noite, se acaba. Somos vampiros Consumindo a própria alma. De uma forma ou outra, Uma criatura louca Que de sã, se disfarça. Juntamos os amigos à mesa farta Enquanto o semelhante não tem nada, Nem mesmo o que comer. O que devo fazer? Pergunta errada. A conversa é fiada.; Ninguém quer se meter. A terra não importa. Dizem os idiotas. O céu é o meu lugar, Não vim para ficar. Se alguém não se conforma Que lute em meu lugar. Às vezes, conseguimos enxergar, Quando a velhice chega, Que toda essa sujeira Não podemos limpar. Deixamos nosso quarto à luz acesa, Com medo da escuridão chegar. Tememos nossa própria natureza Pela fraqueza de não poder suportar. O mundo não consegue o equilíbrio Por um motivo: O homem que em seu coroamento, Não passa de fingimento, Seu honrado compromisso. Às vezes, parecemos submissos. Talvez, para com isso Enganar. Assim, nossos sorrisos Em lágrimas suplantar. Nossos enganos, As águas dos oceanos Não cobrirão. Somos aquilo Que para nós não desejamos, Somos estranhos À razão. A civilização tão avançada, Em marcas de escala É medida. Assim, a nossa vida É elevada Ou rebaixada Ao chão em que se pisa. Em degraus de escada Galgamos a altura. Nossa lisura É definida pelos cargos, É defendida pelos magos Da postura. Somos os mais inteligentes, Estamos à frente, Somos uma fonte de desculpas. Desbravamos o universo, Foi um sucesso. Eis a genética, O genoma humano É coisa certa Em alguns anos. O homem de algo esqueceu: O aquecimento do planeta. Quem sabe é Deus. Diz um fanático na igreja. Não haverá água potável E essa gente miserável, O que podemos esperar? Não é saudável Que você fique a se preocupar. Somos o ápice da criação. Deus vai nos dar a redenção E um paraíso pra morar. Chama a minha atenção, Um bobo da religião. Tamanho cérebro evoluído, Tornar-se tolo, sem sentido, Ao ponto de não enxergar Que a terra é nossa salvação, Que a vida é o nosso pão, Que a união Pode o planeta conservar, Que não devemos esperar A mão divina, Usemos a sua e a minha, Pois, é preciso começar. Lembrar os nossos descendentes Que são agora, inocentes, E que jamais terão um lar. E se algo ainda, aqui restar, Será tristeza, Por termos nós denegrido a natureza Em nome de uma certeza (Salvo conduto em outro lugar). Está assim, em nossas mãos. Chega de tanta ilusão. Vamos lutar. A seita Numa seita, Sou o cálice na mesa, Emborcado. Sou o punhal afiado No pecado. Sou a dor Da jovem tola e eleita. Sou a divindade oculta, A cabeça ainda confusa De um jovem alucinado. Sou o livro Que se encontra escancarado Sob o altar do sacrifício. Sou o riso Da criança que ali se inicia. Sou aquele que ela via. Sou o Diabo. Vez em quando Lembrei de você. Lembrar seria Uma tarde vazia, Em silêncio. A lembrança desvia O pensamento, Traz de volta o passado, Dia-a-dia. Minhas lágrimas, diria Com certeza, Que não são de tristeza. Todavia, São de contentamento. E lembrar, vez em quando, De momento, Não nos deixa esquecer. É assim que eu mantenho, Sem querer, Sua imagem no tempo. Para mim, saudade As dobras do vestido de cetim, Arrebatam em mim, Toda a saudade De quando passeavas no jardim Em tua pouca idade. Teus lábios contornados, carmesim Num tom de escarlate. Teus dedos acenavam para mim, Num toque de amizade. Jamais, tive coragem De contar a verdade. Que continue assim, Você para mim, Saudade. Poeta vaqueiro Entre garranchos, Debate-se na caatinga, O vaqueiro. Em garatujas, eu escrevo Sobre linhas, Meus poemas tão avessos. O meu gibão É meu couro cabeludo. Meu alazão, Uma cadeira de veludo. Minha chibata, A caneta em movimento. Cada chifrada, Um verso de sofrimento. Envelheço, Recostado no selim. Também assim, Envelhece o sertanejo. Velhas fotografias És uma doce criança Que ainda corre pela rua Quando fina, cai a chuva. Revivida na lembrança De si mesma. És eterna chama acesa Que ilumina os meus dias Em velhas fotografias Sobre a mesa. Esquecida das sandálias Sob as roupas encharcadas Espalhadas no jardim, És assim, Uma jovem engraçada Que a todos encantava, Principalmente a mim. És a única razão Que mantém viva, Essa dama envelhecida Que espera empedernida, Pelo fim. Lábios de cor Eu poderia te chamar mais cedo. Mas não tão cedo, pelo mesmo amor. O meu amor pode ser só desejo. O meu desejo pode ser sabor. Esse sabor viria do seu beijo, Um doce beijo de lábios de cor. De cor vermelha tal o movimento, O movimento de quem faz amor. O amor que há em mim Se eu plantar O amor que há Em mim, Nenhum jardim Poderia sustentar. Pois, até mesmo do rude capim, Flores vermelhas iriam brotar. Quando perfume, viessem exalar, Todo inseto viria, enfim. E sendo assim, Iriam polinizar E espalhar O amor que há em mim. Já morei aqui Eu já morei aqui. Pelas raízes que cortam a calçada, Pelo telhado, Pela parede rachada E pelo galho que serve de armador. Aquelas cordas Sustentavam um balanço. Vê esse galho, Eu agora o alcanço. Assim fazia meu querido avô. Não vou entrar, A casa está em ruínas. Naquele canto Eu sempre mantinha Uma fêmea de jabuti. Eu já morei aqui. E saber Que dessa forma termina Tudo que vi construir.