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Poesias-->LIRICA -Publicação por Eloi Editor -1967(1) -- 08/06/2009 - 15:36 (Eloi Firmino de Melo) |
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LÍRICA –Publicação por Elói-Editor(1967)
Poemas de Alberto da Cunha Melo
MESOPOTÂMIA
Perto de minha casa um rio
seguia rumoroso e pobre,
mas sempre havia quem buscasse
um seixo, um peixe, uma lembrança.
Eram meninos e eram homens
muito mais pobres do que ele,
curvados sobre a água escura
mesmo sob o sol de dezembro.
Pequenos caracóis, viscosos
abrigos de um destino só
na infância, a percorrer as léguas
de shystosoma e solidão.
À noite eu pensava que o mundo
era composto só de rios
e de crianças que tentavam
a todo custo atravessá-los.
E ninguém me explicava nunca
que na verdade, em minha vida,
apenas um riozinho de águas,
sempre escassas, corria perto.
ENDEREÇO PROFISSIONAL
Quando muito, nos permitiam
ouvir um assovio de fora,
mas não podíamos voltar
para um lado, as nossas cabeças.
Na grande sala não havia
um só momento em que tivéssemos
dolorosa oportunidade
de comparar os nossos rostos.
Um de nós ocultava sempre
um livro escuro na gaveta,
e o consultava nos instantes
em que devia descansar.
Outro, numa mesa afastada,
(menos erudito e mais triste)
colecionava no intervalo
selos de países distantes.
No escritório, só raramente,
íamos contemplar na folhinha
o gado manso que partia
na paisagem do calendário.
HEBDOMADÁRIO
Todos sem Deus, na expectativa
de que a nossa felicidade
virá na próxima semana,
talvez no próximo navio.
Mas não ousamos anular
o meio século de vida,
que foi de sete em sete dias
inocentes, nos devorando.
A sombra de algum edifício
escureceu os nossos rostos
e o monstro do quotidiano
nos cerca nas esquinas tristes.
Aos domingos tão esperados,
estendemos o nosso sono
alem do tempo habitual
e despertamos muito tarde.
Tão tarde que todas a moças
livres já estão no mar,
tão tarde que a segunda-feira
amarga já é pressentida.
O CIDADÃO NA ALVORADA
(A Benedito C. Melo, meu pai)
Abre o jornal meteorológico
e não encontra o que esperava:
o tempo bom, com nevoeiros
sobre a realidade da vida.
Passa o primeiro caminhão
com baforadas de poeira,
arremedando lá na estrada
a grande névoa que buscara.
Agora a fome ensolarada
(abrindo os braços) faz um cerco
ao pobre avestruz, que procura
esconder-se dentro da luz.
Há longas épocas não beija
aquele rosto conhecido
que sai da fronha, e que o insossego
descarna como um bisturi.
O jeito é fazer o que vinha
fazendo às últimas manhãs,
e acorda o filho agoniado
para um novo dia sem paz.
O MATADOURO
Os animais estão morrendo
desde ontem: morrem na cozinha,
na sala, no campo – onde estão.
Por falta de imaginação.
A gata, junto ao fogareiro,
é minha irmã que não casou.
Perto do fogo desde a infância
terrível, e seus olhos me acusam.
O cão, que dá voltas na sala,
é meu irmão que enlouqueceu
entre as estantes: o menino
que só viu o mar uma vez.
O cavalo, que morde há tempo
a mesma touceira, é meu pai
que alugou todas as choupanas
de taipa, e não saiu daqui.
Os animais estão morrendo
na cozinha, na luz do campo:
todos penetram aos gritos
e berros, neste matadouro.
LIRICA- Publicação por Elói Editor(l967)
Poemas de Jaci Bezerra
No princípio louvar o mangue e o rio;
daí, após louvá-los, percorrê-los,
desfiados nas mãos, fio por fio,
e quando o galo os vir, oferecê-los.
O mangue despertar com noite, rala,
que este galo planeja e outro levanta;
antes tendo-a no bico, para aguá-la
e, manhã, sacudi-la da garganta.
Ouvir o galo solto em teu vestido,
com outro elaborando o canto: gente,
animais, peixes, bichos encardidos.
E como João Cabral, tentar, no estio,
trazer o mangue inteiro, gravemente,
atrás de mim, como ele traz o rio.
*
Tecer o mangue jovem, ou maduro,
guardá-lo em ti e, nele, mangue, amar
caranguejos, casebres imaturos;
bichos e povo fora de lugar.
Oferecendo a ti amor tão puro
como este meu sentido pelo mar:
amor sério de moço nascituro,
raríssimo de ver e de encontrar.
Situar-me também no mangue verde;
e esquecido nas sombras do teu rosto
extinguir minha mágoa e minha sede.
Só depois, novamente surpreendido
deixar os retirantes absortos
no mangue do teu ventre resumido.
*
O rio espessas coisas murmurando
no teu ventre molhado, aberto nágua,
redescobrindo o mangue e me chamando
a navegar-te a seda das anáguas.
Sentir a confusão dos teus cabelos
nas minhas mãos tranqüilas, porém vagas,
quando despir teu corpo e for colhê-lo
no mangue, onde começas e te acabas.
Muito aparentemente indesejado,
reinventar cataventos nos teus flancos
para fazer o mangue e o rio amados.
Chegar perto de ti desesperado,
Afogando os inúteis seios brancos
Que o rio há muito tempo traz lavados
*
não apenas de sol. E de ternura
cobrir a flor do mangue, brandamente,
a flor do mangue, nas plantas semi-escuras,
homens, mulheres, bichos, sua gente.
Estendê-los nas mãos do nascituro
rio de águas pacíficas, corrente.
Para lavar o mangue e tornar puros,
as mulheres e os bichos, novamente.
Só então alongar-me nas incautas
planícies dos teus olhos desfolhados
para ensinar o rio a tocar flauta.
E, solto nos desvãos de tua saia,
redescobrir o amor que tiver dado
às lavouras meninas de cambraia.
*
Na areia de outro mangue que não seja
este contido em mim, e em mim se acaba
adormecer o rio, a flor acesa
das tuas coxas líricas e vagas.
Nele deixar fluir as baronesas,
moças, plantas, senhoras descoradas,
malassombros, no rio que as traz presas
em finíssimas águas machucadas.
Em ti amar o mangue, embora enfermo,
buscando um novo rio além do rio
onde a canção de amar chegue a seu termo.
E a urdir peixes e bichos, ficar entre
um mangue menos claro e mais sombrio
e a cidade maurícia do teu ventre.
*
Sair depois, amar e rio manso
enxaguando meus olhos comovidos:
não o rio febril que não alcanço,
mas esse, atrás do brim do teu vestido.
Rio de águas azuis, só pressentido,
que dorme no silêncio do teu corpo,
e apesar de correr nos meus sentidos
não vai além dos meus joelhos rotos.
Apaziguar de noite a tua mágoa:
deixar em mim correr o rio inteiro,
e aumentar com meu pranto suas águas.
Após ficar tranquilamente exangue,
colhendo nele, rio, o passageiro
amor que me ofertar a flor do mangue.
*
Na lã de tua saia desbotada
diluir o recife novamente,
para o mangue colher, multiplicadas,
ovelhas, sombras, ruas, casas, gente.
Magoar-me, beber a minha mágoa,
e transformado em peixe, na corrente,
alinhavar no azul de tuas águas
os claros pescadores do oriente.
Reter o mangue mórbido das veias,
dormindo sem saber no céu lavado
quando entrar no recife sobre a areia.
Amar o mangue e rio, todavia,
antes salvar os bichos afogados
no teu rosto de areia e maresia.
*
Desfolhar o teu corpo e imaginá-lo
atravessando o rio, muito perto,
colhendo mangue para costurá-lo
nos meus sapatos lúcidos, aberto.
Sentir búzios, peixes, baronesas
correndo em ti nos fios das anáguas
deslembrando outra coisa que não seja
o mangue, sua gente, sua mágoa.
Tornar o mangue e o rio femininos,
descalçando os sapatos povoados
de mulheres, de homens, de meninos.
Aí, brotar meu canto, com meu sangue,
tendo o Recife em mim, trazendo-o amado,
mas sobretudo amando o rio e o mangue.
*
Ir ao mangue colhendo as baronesas
do rio e após, com bilros, na paisagem
tecer uma manhã, fazê-la acesa,
para daí contá-lo noutra margem.
Denunciando o mangue como excesso
do recife, à cidade e aos habitantes,
no meu corpo e no teu mostrar, impresso,
o mangue, quando adulto, quando infante.
À sombra do Nordeste, só e grave.
os pés plantados nágua desse rio
outra manhã tecer, menos suave.
E no rio esperar que o mangue passe,
como as mulheres bêbedas de frio
agarradas no azul de tua face.
*
Porém não diluir essas lembranças
de lua cheia, de malassaombrados:
deixar vir os cadáveres, crianças,
andarem no teu ventre inconformado.
Tornando o rio alvíssimo, como antes,
das usinas forâneas acordá-lo,
fluindo em ti, ouvindo bem distante,
matutos, coronéis, barões, cavalos.
Rio também, descer os teus cabelos
e, límpido, nas várzeas dos tens flancos
procurar outros rios, conhecê-los.
E daí, com mais rios confundido,
ser o Recife e enovelar-me, manso,
como um cão, ao debrum do teu vestido.
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