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Poesias-->LIRICA II (1967) -- 11/06/2009 - 12:19 (Eloi Firmino de Melo) |
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Publicação de Eloi Editor (1967)
LÍRICA II – Publicação por Elói-Editor(1967)
Poemas de José Carlos Targino
A VIA LACTEA
Em meu quarto, movido ao amor,
sem razão de morrer, decerto,
tentei inutilmente reclamar as estrelas,
o infinito movimento
fora da treva, aqui e agora,
alçando a cabeça com cuidado.
Falam da aldeia de meu pai.
Que estranha presença
caberá além do respeitável mundo
em que ele permanece?
O mesmo cântico será entoado
Pela alta madrugada, e não outro.
Porém eu, que sou um homem,
devo voltar ao antigo tópico,
de repente, como se fosse um mar daninho
retornando ao vazio.
Só enquanto vivo, no entanto,
posso provar minha alma.
JACK LONDON
Após as loucas correrias pelos campos,
o rumor da treva, a quietude do vento,
com os amantes sob a árvore frondosa,
e não havendo nenhuma traição;
após a chuva no estádio dos cães,
movimentos confusos na memória,
os cisnes mortos na água pouca,
a primavera batendo nos olhos,
a tristeza como dom natural;
após a difusão do amor,
das naves tolhidas no mar em negro,
homens e rosas colhidos de surpresa,
o menino negro no pavilhão branco,
ao ressurgir a normalidade primitiva;
após todos os acontecimentos
narrados em forma de pássaro e cruz,
ele calçou as sandálias,
abraçou os amigos e partiu para longe.
TENTAÇÃO NA ALDEIA
Senhor, eis o teu servo.
na noite calma,
invisíveis as laranjeiras no pomar.
E vasto é o sítio
em que perduram a traição e o frio
pacto débil sob as estrelas reunidas.
Senhor, eis o teu servo.
onde os demônios confabulam,
as máquinas livres pelo tempo em desordem,
ele oferta camélias às coortes inimigas.
E se é chegado fim
de tudo quando puro amor reflete,
uma luz plena declina sobre o seu corpo.
POEMA À
COMUNIDADE DOS DESILUDIDOS
As criaturas
ruminam pão e sangue
no largo círculo da decepção.
E dentro de nós
na mais clara concavidade,
os tendões da alegoria
sugerem uma roupagem nova.
Há décadas
que o amor sofre lesões
e o vento fustiga os estrangeiros
sob os meandros do mar.
Aqui, em direção oposta,
o humor revolve
as artérias da vida.
E teremos uma carnadura outra,
quando recrudescer
a presença mais forte
dos frutos da contemplação.
A MORTE DE ABSALÃO
Ali mesmo, e era a sua própria terra,
tomaram-lhe a túnica, o ar puro,
e ele ficou preso aos ramos do carvalho.
Que sabia do céu, então,
da louca resistência dos pássaros,
se tudo escapava à sua percepção.
Os cavalos eram inumeráveis, sempre altos,
e terríveis os cavaleiros.
Todos traziam couraças, grossas cordas,
couraças e cordas, e demasiado furor.
A poeira cobria as tendas, as ações.
E o homem compreendeu, por fim,
que havia o perdão do pai,
longe dali, com o entusiasmo de sempre.
Mesmo assim, e com solene amargura,
supôs que o matariam. E assim se fez.
UMA CIDADELA
RECONQUISTADA
Para Alberto da Cunha Melo
Agora o pássaro é mais brando,
mais alvo. Onde a loucura, o crime?
E ninguém impedirá o advento
do pão ardente da alvorada.
Geometria e paz. Amor, sim,
é o que cabe a todos.
Irmãos proscritos, podeis voltar:
amor eu tenho para vós.
Misturam-se as vestes distintas.
Cães enfeitam a paisagem difícil.
E nenhuma esperança
é negada à comunidade dos santos.
Nuvens e pássaros. Comovente manhã
de pássaros e de nuvens.
Música (dó, ré, mi...), amor, sol boreal.
Itinerário: país da infância.
DOIS TOMOS
ENVIADOS DE GALES
As crônicas reanimam o amor.
Movem-se as armas suas com longa
tenacidade,
um salto para alcançar
os demais companheiros, animar suas
cabeças.
Talvez pense que somente assim
hão de justificar a vida, partindo de dentro.
E pode o infante lançar todos os mísseis,
sua maldade não será contada agora.
Pedirei uma laje em forma de rosa
e que entoem uma canção.
Ficarás aqui, se do inferno não procede causa justa,
e o Céu recuará até a memória em abandono.
Depois as aves virão sobre a terra
e meus amigos dirão que tudo é novo;
que tudo há de florescer
como o Templo que o Pai edificou.
O CÉU COMO PÓLVORA
Neste momento, à distância dos corvos
e dos suicidas, as margaridas despontando,
as víboras na lama,
Londres concentrando coisas, bichos
e pessoas, neve nenhuma no chão comum
ao homem gaúcho, o brilho do inseto,
o movimento brusco dos carros,
urna vazia, pássaro cuspido ontem,
um rato único no porão,
o gato à sua procura, solidão e medo,
leões rugindo no centro da cidade,
flautas tocando sob os brasões do céu,
eu recuso a eternidade de cravos
e magos, inclinado que estou
a aceitá-los para sempre mortos.
RÉPLICA
À OCIOSIDADE DE LADISLAU
Alcanço os que estão com angústia,
eles não sabem o que ocorre na terra
e cruzam os braços
sob o mais negro crepúsculo.
Malgrado o que há de mais estranho
em nós, os pássaros, porque todos vivos,
acodem ao chamado
insistente que nunca atendemos.
E eis que jamais bati em retirada,
nem, embora tentado, juntei à audácia
o medo terrível
de cair ao amanhecer.
Enfim, convém julgar as coisas
desde já, negar-lhes o devido valor
ou, o que é mais possível,
aceitá-lo com serenidade.
RÓCIO
De minha amada
já disse muitas coisas.
Primeiro, que ela nasceu em abril,
antes que as aves voassem
sobre as campinas em festa.
Depois, então, que eu a amava.
Tivemos brigas, é claro,
no entanto, vindo de uma longa viagem,
ela estava sempre à minha espera,
seus peitos acordados,
sua cabeça como um sol esplêndido.
De minha amada
já disse muitas coisas,
e não calarei
se outros surgirem depois de mim.
A LUZ IMÓVEL
Madre, não é assim
que justificamos os mortos.
Percorri duas vezes aquele lugar:
eles estavam sobre a montanha,
um bando enorme, e recuei às pressas.
Venham, venham, disseram as crianças,
e nenhuma resposta irrompeu
em seu mundo.
Madre, um espaço infinito
há de anular teu coração,
o teu também.
Meu corpo então cederá silenciosamente,
e não sob o clamor de carvões
e pedras, como queria certo mestre.
Nem toda morte é igual.
A REDENÇÃO DO CISNE
Hei de acalmar suas dores,
seu humano gesto subitamente aflito
ou jamais direi à Humanidade:
Aqui foi concebido um cisne.
Assim há de parecer salvo
o que desesperou desde a infância
e fora levado ao monte
sob a pressão de mil lanceiros.
Eles haviam matado o santo
que percorria as planícies e o deserto,
tinha os cabelos esvoaçantes
e nenhum reduto para o repouso.
Porque há sempre algo a dizer,
ou seríamos tão infelizes
que mesmo o demônio choraria,
à semelhança de um cisne atraiçoado.
À MARGEM DA HISTÓRIA NÓRDICA
Vive-se com muita dificuldade.
Sob as colunas da chuva,
as crianças alheias ao preço das coisas.
Na tarde finda,
eis os morcegos, onde o sol?
O sol dentro do tanque.
Aconteceu algo, irmão?
É tempo de colheita, princesa.
Na Rússia, a rosa é uma concha vazia.
E é sempre assim que atentam
para a lição que o sangue transmite.
O sol circulando no sangue.
À MANEIRA DE JACQUES PRÉVERT
É pena
que as portas cerradas
recrudesçam demais em torno das moças.
Queria tanto
vê-las correndo, um livro na mão
ou uma rosa na boca.
É pena
que a lua enlouqueça e nem ouse ter existido
porque ninguém
há de insistir em semelhante tolice
e tudo estará terminado.
É pena
que a bondade paire no ar
e não sobre as pessoas
enquanto um varão piedoso
descasca uma laranja e a laranja cai
e ele roga duas ou três maldições.
É pena
que o tempo passe
e a poesia nem sempre permaneça.
O TESTEMUNHO DA AMADA
Assim, certo dia,
um ciclo a mais, por merecimento,
fora acrescentado à sua vida.
Que ele silenciasse: ninguém ouviria
tanto falatório, tanto amor
revelado à estância triste,
longe, onde tudo é insondável
e lôbrego, deslocado do Céu.
Ele não silenciou. Certa ternura
o conhecimento impõe,
se outro é o caminho então lembrado.
O coração atento,
não mais nas estrelas nem nos livros
buscaria a salvação,
saturado das cidades e dos lugares públicos;
melancólico,até, antes que passem
a dor e a secura da idade adulta.
sairia para as cerradas florestas,
louco, inatingível
como as aves que baixam à memória.
Ele tinha razão.
TRÊS BLOCOS DE DESESPERO
Apontam um homem
que perdeu todos os seus cabritos,
a singeleza da fé,
um instante em que tudo é novo
e contrário ao fel na taça limpa.
E havia atrás uma Cidade
onde crepitavam jacintos e estandartes,
coisas nuas na praia,
o pão rústico como oferta.
Qualquer ato, até o menos grave,
é peso enorme na consciência.
E pouco supomos
além do que foi contado
e, largo rincão, desperdiçado
sob os germes da claridade.
Talvez em outra esfera,
já prontos o coração e os utensílios,
possam habitar os inocentes.
Posto que salvos,
lembrem-se dos que ficam aqui,
nomeados pela fadiga do sol
entre as câmaras frias da terra.
O ENTE AMADO DE EMILIANO
Teu cavalo morto
renascerá principalmente
com o verão nas árvores.
E não estarás oculto
como um salteador de estrelas,
ou um solitário irremediável.
Teu cavalo morto
renascerá após a agonia dos bois
nos currais ensolarados.
E saberás distinguir
essas questões difíceis que propõem
a qualquer homem vivo.
Teu cavalo morto
renascerá à semelhança de um deus
deslumbrante e amoroso.
Envelhecerás sozinho e triste
até que o ar sufoque os corvos e os livros,
comprimindo a cruz ao sol.
Teu cavalo morto
renascerá como nunca pensaste,
e logo ficarás tranqüilo.
REFERÊNCIAS À VIAGEM
DE LUCAS MATOLÃO
Sob o Céu distante,
agudo, limpos os comboios da alvorada,
o homem vai à cidade.
O homem vai à cidade.
Não importa
que o verão demore
(já anunciado)
nem que o fruto amargo
seja ofertado na planície em glória.
Sob o Céu distante,
e o pânico rouco dos pássaros,
o homem vai à cidade.
O homem vai à cidade.
Nenhuma alusão à morte
pois ela (a morte) não é mais
que uma hipótese.
E as maravilhas da noite
em declínio absorvem a loucura.
Sob o Céu distante,
os galos tangidos como folhas mortas,
o homem vai à cidade.
JOÃO DISTANTE DE PATMOS
Quando chegar a tarde
ou a ocasião pouco prevista,
quem cuidará de ti
como no passado, quando o tribunal
era verde e limpo?
Há de ser agressivo
o vento nos eucaliptos, nos edifícios.
Depois, favas contadas,
serão redimidos o açude, o caráter,
inclusive a vara
que cresceu junto à lareira.
Não recuseis os votos contrários,
agulha na carne tenra,
pois nada fere mais fundo
que o retorno deliberado
ao campo tantas vezes explorado.
Correr daqui até lá,
os cavalos cavando sulcos
como picaretas tateando às cegas.
Afinal, julgar morto o sol,
todo aquele brilho prático,
é acender uma tocha no mar.
PARTICIPAÇÃO DA POESIA
Meu poema
cabe em todas as estações.
Não importa
que o azul caminho para a porta estreita
esteja impedido por aves de rapina,
sujas de carvão
nas montanhas desoladas:
o homem é mais forte
que o colapso.
Meu poema
espia as veredas
da neutralidade horizontal.
Deus traduz
a fala ruidosa do vento
e limpa as nuvens do céu,
mas há homens mortos
e esquecidos
no chão oposto à plenitude.
Meu poema
é tão branco quanto o sal.
Mais: meu poema
é o sal da vida calcado no papel.
INQUISIÇÃO DIANTE DE SANTOS
_Por que toda essa dança, cavalheiros,
se os mortos gravitam lá fora,
dentro dos círculos em fogo do outono?
_ Porque mais infrutífero que a morte
é o estilhaçado chão da imobilidade.
_ Enquanto perdura a atualidade das bruxas
e dos pássaros na amplidão do Céu,
cavalheiros, para qual alvo devo apontar?
_ Para o que trazeis no santuário da alma
onde avultam o santo e a besta.
_ É verdade. Mas como distinguir, cavalheiros,
uma coisa (o santo) da outra (a besta)?
À evidência da treva, como encontrar a luz?
_ Eles combatem há séculos, e um há de,
vencendo, responder melhor que nós.
_ Cavalheiros, com a madrugada fantástica
despontando sobre o gelo e as chamas,
cabe-me dormir, que todo sono é válido.
_Concordo, porém mais válido é o que,
antes de tudo, dinamiza o sol da alma.
TRISTÃO E ISOLDA
Já havias chorado muito,
desde a chuva inicial no hipódromo
até o momento cruciante
m que corremos às margens do rio.
Os carros não eram precisos,
Sempre guiados ao fundo da treva,
atrás de nós, com o vigor
de quem pula uma cerca, acossado por cães.
(Se é um fato a força das máquinas,
as fibras no estrume,
como justificar o desânimo do noivo
quando os dados são lançados?)
Hás de bater em todas as portas,
a língua como cravo seco,
indagar pelos que estão dentro
e ouvir, fora, a fala horrível dos outros.
Depois, e com muita calma,
não escolherás nenhum ofício.
Revelo tuas coisas
à mais poderosa vertente,
o dia completo como o mar sobre as casas.
Eis um lugar de amor
qual pirâmide crescendo entre oliveiras,
se amor move a terra inteira
e é plenitude para os amantes.
KAFKA DÁ UMA ENTREVISTA
Não se conhecerão tão depressa,
principalmente na orla negra
em que permanecem juntos,
e contudo separados.
Uma só ocasião foram avisados
do que convinha a ambos,
andando atrás, desnorteados
ou simplesmente envolvidos fora do mar.
Talvez compreendessem tudo,
talvez. Açoitados pelo rústico trabalho,
teriam praticado o suicídio
ou ficado imóveis
(imóveis como gesto gótico),
embora tais coisas sejam impossíveis.
Cruel é o quotidiano sobre a terra.
Quem, se eles gritassem,
chegaria até onde estavam?
Assinalados pelos sertões,
que forma de amor seria eficaz
através de semelhante dor?
Após um ousado ritual
ensaiado em meio ao vento,
um desafio cheio de cautela,
enquanto, silenciosos,
olham longamente entre as árvores,
eles correm à minha porta.
Agora liberam a fórmula
que permitirá a minha morte,
e fico pensando
se devo ou não procurar fuga.
ESTÂNCIA IX
Imagino que o rumor do rio
há de cessar bem depressa,
o círculo fecundo, o Brasil verde
com o sol distintamente envelhecido,
enquanto o mundo reverencia a carne
e não tens culpa do reino em ruínas,
do deus deprimido, hipnotizado
ante a cidade estrangeira.
Eles partiram em silêncio,
imperturbáveis como anjos na folhagem.
Como serão acolhidos no Outro Lado?
Que impulso será dado às suas cabeças,
se é chegado o tempo da tristeza?
E uma simples palavra
eclodirá no mais recôndito vale,
as crianças radiantes: amor.
Amor é o que há de perturbar eternamente,
mesmo fora do humano alcance.
E que devo afirmar sobre tais homens?
creio que nada. Devo, sobretudo,
amar seus ensinamentos, e serei abençoado
com brandura e fogo.
Apenas sob bênção é possível
conceder à terra algum devotamento,
o devotamento de um leão enfermo
e triste, descoberto pelos inimigos
numa fortaleza atraiçoada,
destruída e reconstruída sem estrépito.
Imagino que o rumor do rio
nunca cessará: ele mantém acordados
todos os meus vizinhos, todos,
e eu folheio um livro;
porém minha filha chega
e grita amorosamente algo
semelhante a um prenúncio de morte,
embora eu deva sempre
conservar alguma esperança.
PALESTRA
COM LETINHA PÓROCA:
TENTATIVA DE CONSOLAÇÃO
Penso sempre na árvore morta
e na confusão que precedeu a tudo isso.
Naquele tempo, no côncavo da estação
inutilmente deflagrada,
uma novilha imóvel sobre o outeiro
crivado de frio e tristeza,
eu supunha que estavas louca
ou era o vento que destroçava a terra.
Trata-se, não de destruir o próprio sonho,
mas de segurá-lo com unhas e dentes,
e repor em sua estrutura
a mesma confiança anterior, ou mais.
Assim, e nunca de outra maneira,
poderás ordenar o teu espírito
conforme o admirável
e vigoroso espírito dos santos.
Atravessaste a inatingível floresta
de avencas e mágicos,
uma floresta sufocante,sufocante,
onde não eras compreendida
nem amada, e de lá escapaste ilesa
e feliz, apesar da incrível desolação.
Embora a morte seja inevitável
com sua perene ferocidade,
sua dilacerante dor nos flancos,
não corresponde à vida
esse desespero de anjo envergonhado,
após a queda, pois cada homem
traz um céu no coração.
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