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Poesias-->A DEFINITIVA VIAGEM -- 18/07/2009 - 13:47 (Eloi Firmino de Melo) |
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A DEFINITIVA VIAGEM
Poema a quatro mãos
Fernando Torres Barbosa e
Elói Firmino de Melo
Se qualquer dia uma viagem
me levasse a algum lugar
onde o mistério impedisse
de saber onde seria
e não houvesse ninguém
que dissesse, se soubesse,
que eu ia voltar um dia;
eu sem pensar duas vezes,
meus pertences deixaria,
pra não lamentar a perda,
que bem aconteceria,
de coisas ligadas, laços
de algum velho sentimento.
Não levaria bagagem
para não me angustiar.
Como bem escolheria
as coisas mais importantes
dentre aquelas mais queridas,
ou, pra não sofrer depois
pela faltosa lembrança
que me fizera esquecer
de coisas que muito amasse?
Nada, nada levaria,
só sementes de saudades,
bem-quereres que pudessem
ser velados, bem velados,
cultivados neste vale
que se vale, que se vale,
do meu peito, lado esquerdo,
para fazerem brotar
pássaros, canoros pássaros
que cantem bonitos cantos
e que me encantem também.
Que me contem da beleza,
dessa beleza que torna
a vida fortalecida;
bem mais forte na peleja,
e que se enseja ao combate,
no seu combate de morte
que enfrenta a própria morte.
Eu levaria somente
o dia que nasceu hoje;
não por ser especial
nem, quem sabe, diferente,
nem melhor nem mais feliz
que outro dia qualquer.
É que os dias de ontem
já passaram, foram gastos;
não mais os tenho comigo,
recuperá-los não posso,
são dias que não são mais;
foram-se todos, partiram,
não posso recuperá-los,
apartaram-se de mim.
Os que hão de vir não chegaram,
não vi sequer seus semblantes:
são prenúncios, são promessas.
Não se sabe, se algum dia,
quais esses dias hão de ser:
dias meus para eu viver
o que me for reservado,
dias maus que não desejo
olhar nem ver sua escritura.
Certamente irei sozinho
pois ninguém há de querer
seguir toda a trajetória
dessa incerteza: um caminho
que não diz para onde vai,
nem revela as reticências,
as possíveis entrelinhas
que estão por trás da partida;
que não sabe dizer nada
do retorno nem do tempo
que a sorte determinou
para uma possível volta.
Quando eu tiver de partir
sem ter norte, sem ter rumo
traçado em claro destino
onde meus pés andem sempre
na incerteza do nada,
nada, nada levaria
pois decerto o que nós temos
nada mais são que ilusão.
Só levaria comigo
o que senti, e o que vi.
Tudo aquilo que aprendi
e que marcou as lembranças,
sem as quais eu não teria
uma história que dissesse
minha vida — pois a vida
sem lembranças não é vida.
Minhas memórias, contudo,
são certamente o que sou.
O que mais seguramente
possuo e o que me traduz,
sem que navegue a deriva,
sem ser mais velho ou mais jovem,
a conduzir-me nos braços,
nos vastos braços do tempo,
são essas minhas lembranças;
lembranças que têm sabido
do que há mais íntimo em mim.
Essas vozes da memória
são a solidez do mundo;
os ecos dessas lembranças
são as doces vozes brancas,
vozes doces, brancas vozes
entre a fluidez da brisa.
Quem sabe, não sejam elas
a mágica energia eterna
que o barro inerte animou
com o hálito cálido da vida
que tornou a massa informe
no modelado que somos.
Que mais seriam as lembranças
senão esse tênue sopro,
o vento mágico da vida:
hálito mágico criador?
As fartas coisas do mundo
muitas angústias nos causam:
desgosto, dor e tristeza
e as apreensões de perdas;
lembranças que sejam elas
as que a desventura venceu.
As vastas coisas do mundo
sejam de glória ou vitória,
de infortúnio ou de desgraça;
sejam memórias de pranto
que faz da dor lenta vida. |
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