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Poesias-->UM NOVO PIANO -- 12/01/2014 - 22:42 (Sergio Del Picchia) |
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U M N O V O P I A N O
Sergio Del Picchia 1996
A notícia chegou um dia
devagar e sem alarde
e um tanto indiferente;
afinal, era só e não mais
do que um novo instrumento.
Um novo instrumento antigo,
que apesar da idade
era na verdade, da família,
o mais recente membro.
A primeira impressão
é sempre significativa.
A imponente figura,
distante, quando calada,
de repente se torna íntima.
É quando de seu ventre,
os sons brotam
como a água cristalina
surge, como por milagre,
da majestosa montanha.
Atento a seus acordes,
não consigo impedir
que meu espírito se separe
do atônito e imóvel corpo.
Fisicamente sou só um homem,
parado frente a um piano.
Mas minha alma voa;
se enleva em infinitas fantasias.
Não vejo só um instrumento,
não é só um agradável som.
Em suas harmônicas formas
doces, sensuais, românticas,
vislumbro as mãos do artista,
do artesão em seu enlevo,
concentrado em cada detalhe,
inserindo na madeira bruta,
a sua plácida emoção.
Meu espírito divaga;
deixo de ouvir somente sons;
não são simples marteletes
se chocando contra cordas.
Estes sons tem algo mais:
Este piano viu duas guerras
e muitos momentos de paz.
Este piano vive!
O artesão imitando o Criador,
transformou matéria morta em vida.
Em seu timbre se incorporou cada emoção
dos que com ele compartilharam a vida...
Sinto a tristeza compungente
do pianista apaixonado,
solitário, triste, abandonado,
que um dia descarregou nessas teclas
tanta magoa acumulada.
E a paixão que deixou de ser vivida
em forma de um melancólico lamento
e se incorporou a esse som.
Mas num processo dinâmico,
súbito esse lamento se vai.
Começo a ouvir de repente,
o alegre componente
de infindáveis e mágicas
noites sem fim.
A superficial emoção
de momentos inconsequentes.
O sorriso sem razão,
a risada alegre e sem motivo.
É a alegria que brota
e extravasa nesse som.
A alegria gostosa,
o prazer de viver.
E imagino esse piano
num alegre salão,
cercado de felicidade.
Figura central da festa,
envolto numa áura de prazer.
Mas estes sons também se vão.
Em seu lugar noto ansiedade,
e vislumbro as mãos trêmulas
do pianista amedrontado,
tentando vencer com seus acordes
os estrondos do terror.
São os tempos de guerra:
essas cordas incorporaram
as terríveis vibrações do medo.
Angustias e gemidos de pavor.
Jovens sacrificados.
Crianças pagando, indefesas,
pelos erros dos mais velhos.
O mal tomando conta do Planeta.
O choro abafado, surdo, inconsolável
de inocentes condenados.
Medo, prazer, magoa com o destino.
Alegria, indiferença ou felicidade,
brotando da imponente figura
que sobressai no canto da sala.
Harmoniosas e sensuais curvas
que anônimo artesão, um dia,
esculpiu na madeira bruta.
Muito mais do que ferro,
madeira, bronze e marfim
este móvel incorpora...
Nos que pensamos possui-lo
no fundo sabemos que ele não é nosso.
Pelo contrário, somos mais um em seu diário.
Antes de nós ele já existia
e existirá depois de nossa morte.
Seu som porém será diferente,
pois incorporará nossa emoção,
a alegre emoção de termos
convivido com ele um dia...
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