Essa semana aconteceu uma coisa muito interessante. Estava lendo Fanzine, Versos Livres em voz alta. No final escuto um "-Não entendi nada". Senti vontade de rir, mas, ao invés disso falei pra minha ajudante: -Vou escrever de uma forma que você entenda, e aí, tentei fazer uma releitura, e no final a expressão foi a seguinte, "- Ah entendi! Safadinho do Romeu, papou a Julieta a noite inteira e rapou fora pra mãe não dar um flagrante". E aí não deu pra ficar séria. Esses são os mistérios da literatura.
COTOVIA
CENA V. Jardim de Capuleto
Entram Romeu e Julieta, em cima, na janela.
JULIETA- Queres ir embora ?... O dia ainda não está próximo...Era do rouxinol e não da cotovia a voz que feriu o fundo receoso de teu ouvido...Todas as noites canta naquela romãzeira. Acredita, meu amor, era o rouxinol.
ROMEU - Era a cotovia, mensageira da aurora,e não o rouxinol !.. Olha, meu amor, que raias invejosas de luz separam as nuvens no Oriente longínquo...Os círios da noite já se queimaram e o jucundo dia está, de pontas de pés, no brumoso cimo das montanhas...Preciso partir e viver, ou ficar e morrer.
JULIETA- Aquela claridade longínqua não é a luz do dia, eu sei...É algum meteoro que o sol exala para que seja o portador da tocha nesta noite e te ilumine no teu caminho para Mântua.Fica, portanto!... Não tens necessidade de partir.
ROMEU- Que importa que me prendam, que me matem? Serei feliz, assim, se assim o quiseres. Direi que aquele ponto acinzentado não é o olho do dia, mas o pálido reflexo do diadema da alta Cíntia, e também que não foi a cotovia, cujas notas a abóbada celeste tão longe ferem sobre nossas frontes. Ficar é para mim grande ventura; partir é dor. Vem logo, morte dura! Julieta quer assim. Não, não é dia.
JULIETA — É dia; foge! A noite se abrevia. Depressa! É a cotovia, sim, que canta desafinada e rouca, discordantes modulações forçando e insuportáveis. Dizem que ela é só fonte de harmonia; não é assim, pois ora nos divide. Há quem diga que o sapo e a cotovia mudam os olhos. Oh! quisera agora que ambos a voz também trocado houvessem, pois ela nos separa e, assim tão cedo, como grito de caça mete medo. Oh vai! A luz aumenta a cada instante.
ROMEU — A luz? A escuridão apavorante.
(Entra a ama.)
AMA — Senhora!
JULIETA — Ama?
AMA — Vossa mãe se dirige para cá. Sede prudente; já raiou o dia, como podereis ver. (Sai.)
JULIETA — Então, janela, que o dia entre no quarto e a vida fuja.
ROMEU — Adeus, adeus! Um beijo, e desço logo.
(Desce.)
William Shakespeare
RELEITURA
JÁ NÃO ACREDITANDO QUE ERA HORA DE PARTIR, TE MENTI, DIZENDO QUE QUEM CANTAVA NO MOMENTO ERA O ROUXINOL, E NÃO A COTOVIA. ELE SIM HAVIA FERIDO TEUS SENSÍVEIS OUVIDOS. DISSE-LHE QUE TODAS AS NOITES FAZIA VIGÍLIA NA ROMÃZEIRA. FIZ-LHE CRER QUE ERA O ROUXINOL.
TU PORÉM, TEIMAVAS EM DIZER QUE ERA MESMO A COTOVIA, QUE COSTUMAVA TE DESPERTAR EM TODAS AS MANHÃES. TU MOSTRAVAS OS PRIMEIROS RAIOS DA MANHÃ QUE CORTAVA AS NUVENS EM RETALHOS LÁ PRAS BANDAS DO ORIENTE. A NOITE JÁ SE ESCONDE E A ALEGRIA DO DIA JÁ FAZ MORADA ENTRE AS MONTANHAS. É NECESSÁRIO QUE VÁ, DO CONTRARIO IREI MORRER DECERTO.
MAS EU, EMBALADA PELO DESEJO DE FICARES, NOVAMENTE TE DIGO QUE ESSA CLARIDADE, NADA MAIS É, QUE TOCHAS ACESAS NO CÉU EM HOMENAGEM A ALGUM DEUS OU MESMO UM METEORO PERDIDO, E TE SUPLICO PARA QUE FIQUES EM NOME DO NOSSO AMOR.
NESSE MOMENTO, ME TOMAS EM TEUS BRAÇOS, E ABRES MÃO DA VIDA DIZENDO QUE EM NOME DO MEU AMOR TU FICAS, E SE TIVER QUE MORRER, ESTÁS PRONTO. DIREI TAMBÉM QUE A CLARIDADE NÃO SÃO OS RAIOS DO DIA QUE SE ANUNCIAM E TAMBÉM O RUÍDO ENSURDECEDOR NÃO FOI DA COTOVIA. DIZES MAIS. DIZES QUE FICAR É GRANDE VENTURA, E QUE PARTIR É DOR. E PEDES QUE A MORTE LOGO VENHA.
NESSE MOMENTO ME DOU CONTA E ALERTA, ENTENDO QUE A NOITE REALMENTE ESCORRE PELOS CANTOS E A COTOVIA É QUE CANTA, DESAFINADA E ROUCA, E DISSONANTE. SE ALGUÉM DISSER QUE ELA É FONTE DE HARMONIA, MENTE, POIS AGORA, POR CONTA DE SEU CANTO, NOS DIVIDE. DIZEM QUE O SAPO E A COTOVIA MUDAM OS OLHOS. QUISERA MUDASSEM O CANTO POIS NÃO ESPANTARIA E NÃO NOS TRARIA MEDO.
TE DIGO PARA IR SEM DEMORA. E TU ME DIZES QUE A LUZ É ESCURIDÃO APAVORANTE.
NESSE MOMENTO MINHA SERVA ALERTA QUE MINHA MÃE LOGO CHEGARA E NOS TOMARÁ DESPREVENIDOS.
PEÇO QUE VÁ, TU QUE ÉS MINHA VIDA, E DEIXE ENTRAR A LUZ DO DIA QUE PRA MIM JÁ E MORTE.
PEDES MAIS UM BEIJO, E LOGO ME DEIXAS.
Comentarios
touche - 09/12/2019
Grande Shakespeare, ele escrevia o que o povo da época gostava de ler e ouvir..