Você sobreviveu aquele mundo,
tu não percebias,
mas ele mesmo não era crível.
Você permanece no hoje,
mas o que é isto admirado,
senão coisas muito antigas
em sua condição de carne.
Há dois anos tudo era diferente,
há um ano não desmanchava no ar,
porque o desmanche
ocorre agora,
repare na sutileza quase imediata
do senil e carcomido
mundo que passa.
Passou o clima da foto do teu casamento,
passou o teu terno de linho,
aquele olhar atento
e hoje ainda não percebeste
que tudo já era muito velho.
Velho é a folha amarela do jornal,
a notícia do filme no cinema
também amarelecido
por olhos que o estragaram.
Você sobreviveu de tal modo
sem reparar que somente tu
guarda os pecados da tua vida...
quando nem pecados prosperam.
Tu pode até perguntar:
E diante da Virgem Maria?
Na gravura ela olha para o lados
e não esconde o riso acolhedor
que seguramente todos sempre sentiram...
Ora, é impressão sua;
amanhã ela não rirá,
será uma gravura
desta vez séria
para nós que somos
dependentes do tempo presente.
do livro: AS SONDAS AMAM