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Poesias-->Duas Chuvas -- 04/09/2001 - 20:40 (Lafaiete Rosinsky) |
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DUAS CHUVAS
Na noite de 1º de junho
de 1993
chovia sobre a Joao Pessoa
quando atravessei a rua
tentando proteger com meu corpo
um saco de compras da padaria
e enquanto eu bravamente defendia
dois paes
cem gramas de queijo
duzentas de mortadela
e um tablete de margarina
a duzentos e quarenta quilômetros de distância
um playboy irresponsável
e sua caminhonete flamante
transformava o crânio de meu pai
em uma fruta madura
partida contra o solo
E com os ossos gelados
e as roupas ensopadas
eu telefonei para casa
para saber do acidente
como algo banal
sem conseqüências
algo que deveria gerar apenas
uma vaga apreensao
e no dia seguinte, tudo estaria bem
E mesmo com a esperança de que fosse verdade
alguma coisa intuía
o impacto fatal
a morte talvez indolor
inesperada e veloz
nenhuma chuva, antes ou depois
foi venenosa
ou tao fria
Na noite de 9 de março
de 1994
chovia sobre a Osvaldo Aranha
enquanto atravessei a rua
tentando buscar o abrigo
de seu guarda-chuva,
aproximando meu corpo
de seu corpo tao belo em seu vestido azul
E chapinhávamos sobre a lama da redençao
trocando gentilezas medrosas
e palavras de um afeto hesitante
ainda em dúvida
sobre a propriedade da entrega
E a proximidade morna
de seu corpo tiritante
transformava o instante
em fruta tao sumarenta
quanto a sua voz, grave e aquosa
E ela me dizia que havia nascido
no exato dia em que um edifício
com nome de mulher se incendiara
em Sao Paulo ou algum outro lugar
E quando ela tentou concluir
que sua apariçao no mundo
tinha o signo da tragédia
protestei
forçando as palavras contra a chuva em meu rosto
afirmando que sua presença, ao contrário
era a compensaçao devida ao mundo
pela dor da fatalidade
Quando nos separamos
com um toque gentil e um afago
eu já podia intuir
o sol do dia seguinte
e o beijo transbordante que trocaríamos
na tepidez da tarde
E enquanto eu voltava pra casa
nenhuma chuva, antes ou depois
foi ou seria tao doce
Desde entao
a chuva foi apenas chuva
e nada poderia ser mais triste |
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