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Poesias-->Vários -- 20/11/2001 - 20:59 (Flávio Machado) |
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Vespertino
Beatles
entre bananeiras
morros
palmeiras
quaresmeiras
vendedores de picolé
o som vibrando
na confusa memória
no cavalgar cansado
das máquinas
o comboio entrecruzando vales rurais
o som dos
Beatles
voz de John
uma balada antiga
bailando pela terra morena
emotiva
como andar de trem dentro da tarde
dentro da mata.
l982
CAUÊ
Cristalina
voçorocas
rasgam o solo
as árvores de copa homogênea
como que tratadas
por um experiente jardineiro
terra vermelha
marcas de botas
e pneus
entrada e bandeiras
cupinzeiros
planícies terraplenadas
a estiagem
calcinando o solo
e as pessoas
Fazenda Capão verde
solo arado
e gradeado
vizinha dos Correias
vizinha de outro país
Cristalina
entressafra
capim ralo
boi magro
encontro de céu e terra
dentro da manhã tropical
luminosa
límpida.
l984
As ruas desertas de Belo Horizonte
os prédios quase desabitados de Belo Horizonte
as luzes quase acesas em janelas semi - abertas
estou sentado na escada do prédio fechado
especulando sobre a vida
escrevendo um poema ainda sem nome
observando as ruas desertas de Belo Horizonte
Dois homens surgem na porta de um hotel vagabundo
e uma mulher os acompanha
os termômetros registram 19 º graus às 2 horas e 7 minutos do dia
24 de julho de l992
as ruas desertas de Belo - Horizonte
as esquinas suspeitas
as pessoas de atitudes suspeitas
dois policiais à cavalo
os táxis
os travestis que aparecem e desaparecem dentro da madrugada
os primeiros ônibus que trazem no letreiro nome de bairros que não conheço
estou só
e gosto de estar só
tento descobri no ar algum aroma
algum indício
algum sinal
mas tudo está envolto em mistério
as ruas desertas de Belo - Horizonte
as luzes que vão sendo acesas
a ansiedade de querer descobrir o que de certo haverá nas ruas de Belo - Horizonte
mistérios que serão decifrados
eu sentado nas escadas do prédio fechado
como um errante viajante
que invade os sertões de Guimarães Rosa
sem medo do futuro
sem medo de ser um passageiro indesejável nesse trem
agora somente vejo as ruas desertas de Belo - Horizonte.
Poema férreo
A
chuva
é
como benção
( chove
sobre os telhados baixos de sapê
sobre o telhado marrom do armazém Paratodos de Suruí )
chuva erosiva no plantio morro acima
chuva criadeira na roça
( flor amarela do quiabo
rusticidade da mandioca
pólen dourado do milho )
chuva de fim de estação
lenta
sobre os trilhos da ferrovia
que faz explodir no peito um
Poema férreo.
1982
Revisto em 2000.
Poema férreo N.º 01
Vou a Magé
de trem
a estação repleta de luz
os dias quentes
e a multidão driblando
colunas
trilhos
Vou no sentido inverso
medindo os passos
pôr entre morros povoados de bananeiras
e capoeiras de troncos finos
a vegetação quase extinta dos mangues
cigarras
e camaleões
O trem me leva
e eu levo o trem
assim como que partiu em uma empreitada impossível
O Domingo Azul do mar
( Aproveitando o título de um livro de
Paulo Mendes Campos )
Nasci
Com os pés enfiados no
mar
e os ventos marítimos
e seus barulhos
invadiam
meus sonhos
infantis
( não havia lido
Paulo Mendes Campos
e vou assim navegando
meio sóbrio
meio bêbado )
entre postais de Paris
para onde nunca viajei
( sobrevoar a Torre Eiffel
flagrar Paulo Mendes Campos
conversando com uma sueca
que pergunta, porque são
tristes as musas dos poetas )
a infinita poesia do Boulevard, me faz
pensar nas montanhas cada vez mais próximas de
Minas
as esquinas vão me guiando
por ruas de nomes desconhecidos
procurando a vida dentro do poema
dentro da poesia de Paulo Mendes Campos.
Confissão de amor
eu te amo
e chove
como esse desespero de amar
fosse um fato único
eu te amo
como um inseto
fascinado pelas luzes da cidade noturna
e repetindo um folhetim barato
entrego-me
eu te amo
e pudera parar a chuva
e te entregar
um beijo ligeiro
uma carícia
eu te amo
e são 6h e 42 minutos
de um dia de chuva miúda
eu te amo
e sofro da penúria dos esquecidos.
Rural 1982.
O Afeganistão é aqui
Quando você cruzar na rua com homens armados
ou quando assistir a pregação de radicais líderes religiosos
ou quando passar por um prédio em ruínas e perceber crianças nas janelas
ou quando ouvir o discurso do presidente americano
e ele perguntar de que lado estamos
O Afeganistão é aqui
Quando você estiver em uma mesa de bar
perdido pelas ruas de São Cristovão
às 12 horas e 48 minutos
Ou quando acordar e perceber que é tarde para reagir
O Afeganistão é aqui.
Flávio Machado
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