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Poesias-->POESIAS DIVERSAS -- 05/02/2002 - 03:05 (EDMILSON SANCHES) |
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SPARRING
Peguei o discípulo e, de supetão,
dei-lhe um bogue na cara,
um murro nos peitos,
um soco no estômago,
um chute nos ovos.
Dei-lhe pena
e papel.
E garanti-lhe um minuto
de silêncio
para que escrevesse
sob/re sua dor.
MENINOS DO BRASIL
Crianças
sem pai
nem mãe
brincam
brigam
rolam
bolam
bóiam
na lama
social
–– lamaçal:
habeas corpos
habeas porcos
habeas mortos.
MOMENTO FEBRIL
O trovão cala
a chuva fala
e me entala
o coração.
O som é forte
tom de morte
mas com sorte
e oração
não morro não.
GLOBALIZAÇÃO
atum peruano
salsicha vienense
nozes chilenas
uvas argentinas
vinho português
uísque escocês
champanhe francês.
Cesta de Natal.
Brasileira.
DESEJO
Quero o poema simples
que se aproxime do povo
e afugente os críticos.
(Bem, talvez “afugente” não seja povo.;
talvez seja melhor “afaste”
ou quem sabe “arrede”.)
PERSIANA
Passam os foliões, passa a vida...
Não os agarra por quê, meu filho?
Acalma-te, mamãe, que o mundo gira
e os homens constróem casas.
(O poeta, absorto, visualiza a estante,
buscando nela uma vaga
para o seu próprio livro.)
NIHIL NOVI...
Eu via o discípulo
ouvir do ancião:
“Não existe o velho nem o novo.;
tudo é repetição
–– inclusive sua dúvida, filho,
inclusive esta explicação
e os versos do poeta que nos espia”.
POEMA SEM DATA
Poeta,
não dates teus versos.
Eles não carecem de dia
de nascimento
–– pois que não têm hora
para morrer.
Ainda assim, o que pudesses datar
seria o gesto gráfico
literal
frásico
expressional.
Esquecerias por certo a gestação
incubação
hibernação.
Poeta,
teus versos não precisam
–– nem dependem ––
de cronografia.;
também dispensam
genealogia:
o poema não tem pai,
e se tem mãe, é filho da puta,
filho de uma égua,
é santo do pé do pote,
nasceu no oco da palmeira,
pode ter vindo de carona
na bolsa marsupial
ou no bico da cegonha.
Poeta,
expele teu poema
antes que ele salte de ti
e sobreviva
à tua vida
(subvida,
sobrevida).
Entretanto, nada de dia
hora
mês
ano
local.
Os poemas estão por aí, soltos,
misturados à poesia.
Pegue-os.
Mas afasta deles
o gesto cartorário,
a mão tabeliã.
AEROPORTO
Lá vai o homem
pelo braço da criança:
“Veja, pai, o avião subindo.
Como é grande!”
Vento danado. Maior era o cisco
nos olhos paternais.
E quando a vista aclarou
avião era um cisco no céu.
A BOLA
Beobó-elealá bola
de couro
do boi
que roía
antes
a grama
onde rola
agora
a bola.
VERDADEIRAMENTE
Contra o cidadão,
o pior dos males é a violência.
A pior violência, a mentira.
A pior mentira, a mentira política
–– pois dela derivam todos
os outros males e mentiras.
Sei, bem sei, que se mente
até involuntariamente
inocentemente
inconscientemente.
Mente-se religiosamente.
Mente-se jornalisticamente.
Mas, principalmente, mente-se
politicamente
e, politicamente, mente-se
freqüentemente.
E porque mente assim assiduamente,
já não mente o político sorrateiramente,
“respeitosamente”:
ele mente deslavadamente
descaradamente
de-sa-ver-go-nha-da/mente
E por mentir –– politicamente ––
tão repetidamente,
tão constantemente,
o político mente... impunemente.
E porque se mente –– especialmente politicamente ––
tão impunemente,
chegamos à conclusão de que
–– paradoxalmente ––
já não vivemos em um País de mentira:
vivemos em um País... demente.
Cidadão,
chegou a hora da verdade.
Ao votar na eleição,
não minta para você mesmo.
Vote com consciência.
Vote verdadeiramente.
Vote como quem dá uma porrada.
Pois pelo jeito, só assim, um dia,
toda mentira será castigada.
CANTO CARNAVAL
Manhã cedinho bate o bumbo mau.
Eu me alevanto e arregaço a manga:
Chegou o Carnaval
e vou dar meu grito do ipiranga.
Dom Pedro, Dom Pedro Primeiro,
livrou o Brasil em setembro
mas eu me solto é em fevereiro.
Na tarde suada canta o povo
e o povo todo pede por mim,
e lá vou eu batucando de novo
e com o povo cantando assim:
Dom Pedro, Dom Pedro Primeiro,
livrou o Brasil em setembro
mas eu me solto é em fevereiro.
A noite de samba e zé-pereira
faz-me vibrar com a morena.
Mas chegando cedo a quarta-feira,
um sorriso de adeus ela me acena.
Dom Pedro, Dom Pedro Primeiro.
É o Brasil livre em setembro,
é o homem preso em fevereiro.
O ENCONTRO DAS PEDRAS
E agora, José?
No meio do caminho
tinha uma pedra. Aliás,
uma pedrada,
que é uma pedra
movimentada.
Dizem que a coisa
foi orquestrada
teleguiada.
Mas, Zé, compreenda:
há muita insatisfação,
e o povo passa fome, arrocho,
precisão.
Você, não.
É preciso se-
parar o joio
do trigo.
Mas onde está o trigo, meu Deus?!
Ele já não é subsidiado
–– só o povo continua
subalimentado.
E o povo, já sem razão,
responde
com quatro pedras
na mão.
José, você que é,
que é católico, rezador,
talvez diga que nem só de pão
vive o “home”.;
entanto, ouça:
acima da guerra,
há o grito da fome.
José, sabe como é:
o povo se contenta
com pouco.
Boca cheia
não grita.
Bucho vazio
deixa louco.
Sei, não precisa repetir:
atiraram a primeira pedra.
Mas, José, e por que a outra?
Lançada de catapulta,
com destaque em jornal,
apedrejaram o povo com a Lei
de Segurança Nacional.
Lei de Talião,
pagou-se com a mesma moeda.
Ou pedra.
(Mas, José,
duro
com duro
não faz
bom muro).
Não sei, José,
não sei como é.
Tudo serve
de exemplo.
E com pedra também
se constrói
um templo.
Vamos juntar todas essas pedras
e talvez, quem sabe, um dia
com ela terminaremos,
“não mais que de repente”,
o prédio transparente
da democracia.
E aí, povo forte,
Nação em pleno viço,
botaremos uma PEDRA
em cima disso.
HOMEM NA PIRÂMIDE
O apartamento todo se vai esvaziando
–– já vão saindo os maus-gostos do rococó ––
e o homem, por vezes pensativo, atento olhando,
só.
O ronco poderoso –– o mudanças se vai ––
e o homem, esmagado por invisível mó,
se vê e se sente ali, ele apenas. Sai.
Só.
Noutro dia, outros móveis, novos, colocados
na ordem, combinação –– jogo de dominó.
E o homem ali, ser presente, olhos vidrados.
Só.
Olhando a mesa, apalpando a cama macia
através da suave espessura do ló,
sua imagem é qual espelho: limpa, vazia,
só.
O rosto, o corpo que anda, o cérebro que o guia
ao banheiro, donde logo sai um som sem dó
em eco –– coro uno que àquele homem se alia,
só.
No centro do quarto, o corpo molhado e nu,
se encontra agora o homem, ereto faraó,
fechado em pirâmide, guardado em baú.
Só.
O apartamento, aquela mobília inconsútil...
O homem sabe que isso e ele tornarão ao pó.
E um ar frio, um torpor súbito, fá-lo sentir-se
estranhamente inútil.
Inútil
...e só.
PRESENÇA
Ele chegou, manso,
espumante.
Madrugada, duas horas.
Chuva caindo, chuva forte.
Vento soprando, do norte,
uivando, soluçando... morte.
Pegajoso, sem sono, sem dono,
incorporou-se.
E os livros feitos roupa de médico?
E as letras? Gastei-as eu?
Minha caneta: Sem tinta? Não. Sem ponta. A tinta flui.
Vai colorir a massa cinzenta.
Talvez assim pense cousas belas.
E versos melhores.
AMOR DE RUA
Rua da Areia,
amor em grãos.
Cupido devaneia,
flecha nas mãos.
Rua da Aroeira.
Quem é o portador
de lenho superduro?
O homem sem amor.
Rua Augusta:
corpo delirante
que o comércio frustra.
Amor-instante.
Rua Bom Pastor:
o menino de Nazaré
distribui a rima amor
em título e rodapé.
Rua do Cisco,
de amores sujos,
amores lixos,
amores cujos.
Rua do Cotovelo:
o amor, curvo,
não posso vê-lo
–– lugar turvo.
Rua da Estrela:
amor-astro, brilho,
mor estribilho.
Dor? Impossível vê-la.
Rua da Galiana:
gali = galo? galho? gaulês?
Não importa, mana,
também ali o amor tem vez.
Beco do Galo
que canta amor
mala sente o halo
da aurora em flor.
Rua da Mangueira. Sob o céu,
olhos fitam a esguia galha, com zanga.
Ficam insossos os lábios de mel,
fica mais doce a intocável manga.
Rua Nova
e Nova Rua:
ali acreditam
em amor e lua.
Beco do Onze.
Onze o quê.
Rara rima, bronze.
Amor? Cadê?
Rua da Palmeirinha:
põe-se a chorar
a moreninha
ao canto do sabiá.
Rua do Porto Grande:
porto grande, sim senhor!
Há algo mais que abrande
que o que porta grande amor?
Rua Porto das Pedras:
o amor não medra
–– o coração é frio, duro,
como vil órgão de pedra.
Rua São José:
amor de varão
com bela mulher.
Deus e oração.
Rua do Tamarindeiro:
a puta convida, sorrindo
–– vai amar o menino e o dinheiro
da venda de tamarindo.
Beco do Urubu:
amor-carne, cru,
amor-angu,
pele, ossos, nu.
Rua Torta
e Rua Direita:
em cada porta
o amor espreita.
Ruas ruas ruas e ruas
de flores ou de fossas
ou nuas, cruas, são ruas
nossas nossas e nossas.
INVITATION
O que eu quero?
Tu sabes
–– teu corpo
qual espaço talvez aberto
pede-me (só impressão?)
que o veja de perto.
E, pé ante pé,
pede-me para entrar.;
pé ante pé
autoriza-me
te penetrar.
DOENTES DE VIDA
Não somos eternos.
Somos apenas enfermos.
PRESOPOEMA
Hoje, que desgraça farei:
mato o presidente
ou me proclamo rei?
Faço desvio de influência?
tráfico de (oh!)posição?
sinto alta a indecência
livre na contramão?
Meto a mão no fundo bolso
pesquisando uma rima,
tirando dinheiro falso
e dando-o ao cego da esquina?
Critico a “democracia”?
seqüestro meu país?
rezo o pai/pão do dia
sugando o infeliz?
Tisno-me de branco?
atendo o bicha num rogo?
procuro meu canto
ou vira ficha do jogo?
Reclamo do salário
ou peço minha demissão?
(Não tem garantia meu trabalho
nem fundos a rescisão.)
Hoje, que desgraça farei:
mato o presidente
ou me proclamo rei?
(Faço charada:
Envernizei um pouco
o homem público. 2-2)
Proclamo-me rei
ou mato o presidente?
(Alguma desgraça farei
durante a noite silente.)
Que faço da roupa?
(Eu não nasci assim.)
Que faço da pele?
Que faço de mim?
Pinto o sete?
Toco em banda?
Dobro o frete?
Vou pra Uganda?
Processo o modo general?
Condeno a (falta de) União?
(Pleito e/lei/mortal litoral,
promessa é treva e aguilhão.)
Torno-me criança em cabaré?
Elejo cavalo “Seu Dotô”?
Trepo morro pensando em muié?
Ponho barba preta no meu vô?
Sou preso residente
fé esporte sé nado
preso/e/dente
generalizado.
(Depois vieram.
Vou preso prum cubículo:
Salafrário!
E compuseram
o orgulho dum currículo
literário.)
Censurada a minha mente,
meu escrito.
Mas, conquanto rudemente,
tenho dito!
ESTORIL - O RETORNO
Vinde, resistentes! Voltam as luzes, cores
-- sol claro, mar verde, amor roxo, luar anil --
e há vozes nos cantos e, em cantos, cantores
-- espaço, espelho, extensão... Estoril.
Estoril, reconheces teus fiéis,
ó irmão que tornas de onde ruiu,
que também foi pó e, agora, que és?
-- Es/trago, es/toque, es/tudo... Estoril.
Amigos irmãos lúcidos loucos: Bebamos,
pois aquilo que foi cinza se refundiu
para conosco ser tudo o que nos tornamos:
estrelas... estórias... História... Estoril...
FURTA-COR
A moça
anêmica,
pálida,
é uma cor
que anda
que sofre
que solta
de vez em quando
um sorriso
amarelo
–– e que cora
de vergonha
por isso.
SÚPLICA SESSENTÃ
Valham-me o abacateiro,
o absinto e o açafrão,
o aipo e a algarobeira,
mastruz e manjericão.
Socorram-me, cogumelos,
albina e amendoim,
algas e algodoeiro
arequeira e alecrim.
Tragam-me rábano,
ginseng, gengibre, gergelim,
cenoura, cebola, coentro,
cansanção-de-leite, caju-mirim.
Sirvam-me catuaba,
cipó-cravo, café-do-pará,
aspargo, arruda, esponjeira,
baunilha, briônia, guaraná.
Vinde a mim beladonas,
orquídeas, sensitivas, serpentárias
–– plantas-mulheres, prima-donas
caras para coroas e muitas árias.
Venham, meimentro, mentostro, muirapuama,
hissopo, hosmino, husa, ioimbé,
funcho, solepo, mururé-rendado,
oschir, yeuri-cumajé.
Ayahuasca, ycoperdon, cocculus,
kallemjirem, caiala-camochi
(estranhas –– e eficientes –– estranjeiras):
Apresentem-se, agora, aqui.
Onde estão, cynosochis,
ololuhqui, palma-christi,
kava, relógio-de-vaqueiro?
(Isso tudo existe?)
Chamem ainda mil-homens, cuatombo,
envira, siriúba, duricão, urtiga,
pau-doce, pau-ferro, raiz-forte
(com estes não se periga).
E o pó-de-mica, carqueja, coleira
(todos cabras-da-peste),
nó-de-cachorro, jaqueira,
maconha... Eta Nordeste!
Barba-de-velho, trombeta-roxa,
betel, cajueiro, carajuru,
cariota, cata, colhões-doces,
trufa, nogueira, cangerecu,
capim-barba-de-bode, eruca,
junco-miúdo, junça, jambuí,
cipó-caboclo, cuazintuba,
jenipapeiro e jequiriti,
campainha-vermelha, feijão-bravo,
fel-da-terra, urucuzeiro,
eucalipto, fava-de-santo-inácio,
mandrágora, esporas-de-cavaleiro,
damiana, dama-entre-veados,
mélia, nígela, efedra,
lírio-da-espanha –– suaves nomes
que endurecem como pedra.
Piedade, erva-de-soldado, erva mãe-boa,
maracujá-melão (e outros melões),
noz-vômica, esponja-de-raiz,
satirião-da-casca-encarnada (e outros satiriões).
POEMA A UM JOVEM POETA
Não se iluda.
Toda a história do mundo
se faz com poucas letras.
Todo poema
é só um verso
ou uma só palavra
ou meia
ou palavra e meia
(às vezes, apenas uma letra
ou a intenção dela).
Todo romance,
um só capítulo
um fim único
capitulado.
Nada é múltiplo e vário.
Todo tanto
todo tudo
tudo quanto
é uma só unidade
que se desfaz
na mente
e na mentira
dos homens
POIS É
Chega a mulher
com aqueles olhos náufragos
–– oceanos em que nos afundamos nus.
Aí chega mais perto.;
o coração cora.
E bem pertinho
a face faz-se
rente à face
faceaface
manoamano
unoduo
pênispênsil.
O homem, besta, se poeta todo.
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