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Poesias-->SETE CASTELOS E CINCO ESCUDOS -- 15/04/2002 - 09:27 (Danilo Afonso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
É terrível a presão que se impõem os poetas

Tolos auto-tiranos que se enforcam em praça pública vazia e regorjitam glórias e louvações a si mesmos

Pobres criaturas inseguras e amarguradas, que mesmo diante da imensidão azul do mar de Sesimbra se põem a perder o valoroso e escasso tempo humano projetando no inocente papel seus medos e pesadelos, suas derrotas mais pueris e sem valor

Há o mar e há o sol

Avista-se um cemitério

E tantos elementos mais que fazem os famigerados poetas se sentirem ainda mais impelidos a escrever e escrever suas crônicas lamuriosas

Os poetas, presos nessa tão terrível prisão, se enraizam na varanda do quarto de hotel em vez de partirem para Palmela, Sintra ou a Sagres

Encravados no chão pelo peso da pressão, esses enfadonhos poetas passam a morna tarde de domingo a escrever, enquanto a vista da vila de Sesimbra vai sofrendo a metamorfose cromática do entardecer

Hora sol, hora sombra, hora uma breve inspiração

Há sinos

Portugal inspira aos poucos

Não sente-se o choque da mudança tamanha semelhança que à primeira vista, aos olhos ainda virgens do turista, tal terra tem com a filha tupiniquim

Pois em Portugal estão os poetas

Em terra-mãe se somam as pressões e cobram, tal tarifas rodoviárias, tal impostos medievais, os frutos da estadia lusitana

A vista deve inspirar

Tão tamanha que tem de inspirar

A pressão exige inspiração

Um pecado perder essa vista marítima, essa imensidão de imagens sem gerar um poema sequer

É terrível a pressão que os poetas se impõem

Tão terrível quanto banal

Tão banal quanto lavar as roupas

Os poetas hoje lavam suas roupas

Apenas um fato

Os poetas lavam roupa e cozinham

E têm uma vista fantástica e um sem-número de roteiros a seguir

Tantos destinos a conhecer quanto horas de solidão

E a vista da varanda

Desse redemoinho de fatores surge, forte e justificada, a já prevísivel pressão

Não se pode desperdiçar tantas notas e nuvens, tanto verde e vento sem poemas

Há que se escrever

Há que se registrar o momento, em fotografias que comprovarão e manterão intactos esses momentos, em palavras que são exigidas pela pressão

Há que se sentir pena desses poemas

Há que ridicularizá-los

Tão belos quanto imbecis

A alma humana é divertida

Quando nos despimos da nossa própria culpa em sentirmos prazer na boçalidade da insegurança humana, a diversão é garantida

Sejamos cínicos com os poetas em viagem à Portugal

Eles estão se esforçando

Mas há uma vontade quase incontrolável de soltar um riso, uma gargalhada, ao vê-los aflitos diante da pressão que se auto-impõem

Do auto de nosso cinismo abrimos sorrisos em nossas bocas enormes

E ficamos em silêncio

Contemplando os poetas

Que contemplam todas as rotas portuguesas a seguir

Fazem planos e listas

E transformam sua existência em um doce laboratório à serviço do estudo da insegurança humana perante o cinismo

Deixemos os poetas escreverem

Eles o fazem e assim acabam com a besta-pressão

E sem ela trocam de lugar conosco

É possível vê-los a nos mirar, com sorrisos cínicos nos lábios

São eles os observadores agora

Somos nos as presas

Somos os ratos de laboratório

Na sinuosa rota da vida, a sociedade deita no divã dos poetas num dia de sol, para logo em seguida, numa noite de chuva, ver-se analisando os pobres poetinhas enquanto estes choram as dores do mundo e se queixam da incompreensão dos homens : não entendem e gozam da pressão que os abate

Eis um ciclo delicioso

Olham para o mar os poetas e suspiram

Suspiram pelo amargo, suspiram pelos castelos medievais, pelos vinhos do Alentejo e pelos conventos do Norte

Suspiram por Lisboa e pelos beijos que o Tejo dá na cidade e que nunca verão

Suspiram pelo fim do inverno que nem começou

Suspiram pelo que ainda verão em Portugal

Os poetas, já mais aliviados agora após escreverem, respiram fundo e fazem planos

Todos eles

Todos esses poetas esquizofrênicos na sua soma se entreolham e choram de alegria e furor, a aguardam o momento em que sorrateiramente a pressão virá e os irá impelir a escreverem, a registrarem as memórias e as imagens, as descobertas que cada um deles terá, enquanto a vida e a história de Portugal passarem diante de meus olhos

Estou em Portugal

A cuidar de todos os poetas que calam dentro de mim

Levo-os a passear

E os ponho a falar

Sou a pressão que os abate

Sou a mão que os descreve

Sou mais um, mais um poeta em Portugal

E esta terra é meu momento

Minha inspiração

Meu beijo mundial

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