Tolos auto-tiranos que se enforcam em praça pública vazia e regorjitam glórias e louvações a si mesmos
Pobres criaturas inseguras e amarguradas, que mesmo diante da imensidão azul do mar de Sesimbra se põem a perder o valoroso e escasso tempo humano projetando no inocente papel seus medos e pesadelos, suas derrotas mais pueris e sem valor
Há o mar e há o sol
Avista-se um cemitério
E tantos elementos mais que fazem os famigerados poetas se sentirem ainda mais impelidos a escrever e escrever suas crônicas lamuriosas
Os poetas, presos nessa tão terrível prisão, se enraizam na varanda do quarto de hotel em vez de partirem para Palmela, Sintra ou a Sagres
Encravados no chão pelo peso da pressão, esses enfadonhos poetas passam a morna tarde de domingo a escrever, enquanto a vista da vila de Sesimbra vai sofrendo a metamorfose cromática do entardecer
Hora sol, hora sombra, hora uma breve inspiração
Há sinos
Portugal inspira aos poucos
Não sente-se o choque da mudança tamanha semelhança que à primeira vista, aos olhos ainda virgens do turista, tal terra tem com a filha tupiniquim
Pois em Portugal estão os poetas
Em terra-mãe se somam as pressões e cobram, tal tarifas rodoviárias, tal impostos medievais, os frutos da estadia lusitana
A vista deve inspirar
Tão tamanha que tem de inspirar
A pressão exige inspiração
Um pecado perder essa vista marítima, essa imensidão de imagens sem gerar um poema sequer
É terrível a pressão que os poetas se impõem
Tão terrível quanto banal
Tão banal quanto lavar as roupas
Os poetas hoje lavam suas roupas
Apenas um fato
Os poetas lavam roupa e cozinham
E têm uma vista fantástica e um sem-número de roteiros a seguir
Tantos destinos a conhecer quanto horas de solidão
E a vista da varanda
Desse redemoinho de fatores surge, forte e justificada, a já prevísivel pressão
Não se pode desperdiçar tantas notas e nuvens, tanto verde e vento sem poemas
Há que se escrever
Há que se registrar o momento, em fotografias que comprovarão e manterão intactos esses momentos, em palavras que são exigidas pela pressão
Há que se sentir pena desses poemas
Há que ridicularizá-los
Tão belos quanto imbecis
A alma humana é divertida
Quando nos despimos da nossa própria culpa em sentirmos prazer na boçalidade da insegurança humana, a diversão é garantida
Sejamos cínicos com os poetas em viagem à Portugal
Eles estão se esforçando
Mas há uma vontade quase incontrolável de soltar um riso, uma gargalhada, ao vê-los aflitos diante da pressão que se auto-impõem
Do auto de nosso cinismo abrimos sorrisos em nossas bocas enormes
E ficamos em silêncio
Contemplando os poetas
Que contemplam todas as rotas portuguesas a seguir
Fazem planos e listas
E transformam sua existência em um doce laboratório à serviço do estudo da insegurança humana perante o cinismo
Deixemos os poetas escreverem
Eles o fazem e assim acabam com a besta-pressão
E sem ela trocam de lugar conosco
É possível vê-los a nos mirar, com sorrisos cínicos nos lábios
São eles os observadores agora
Somos nos as presas
Somos os ratos de laboratório
Na sinuosa rota da vida, a sociedade deita no divã dos poetas num dia de sol, para logo em seguida, numa noite de chuva, ver-se analisando os pobres poetinhas enquanto estes choram as dores do mundo e se queixam da incompreensão dos homens : não entendem e gozam da pressão que os abate
Eis um ciclo delicioso
Olham para o mar os poetas e suspiram
Suspiram pelo amargo, suspiram pelos castelos medievais, pelos vinhos do Alentejo e pelos conventos do Norte
Suspiram por Lisboa e pelos beijos que o Tejo dá na cidade e que nunca verão
Suspiram pelo fim do inverno que nem começou
Suspiram pelo que ainda verão em Portugal
Os poetas, já mais aliviados agora após escreverem, respiram fundo e fazem planos
Todos eles
Todos esses poetas esquizofrênicos na sua soma se entreolham e choram de alegria e furor, a aguardam o momento em que sorrateiramente a pressão virá e os irá impelir a escreverem, a registrarem as memórias e as imagens, as descobertas que cada um deles terá, enquanto a vida e a história de Portugal passarem diante de meus olhos
Estou em Portugal
A cuidar de todos os poetas que calam dentro de mim