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Poesias-->CONVENIÊNCIA -- 21/05/2000 - 10:58 (márcia carrano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Olha, irmão, nos perdoa a mesquinhez

porque trocamos teu pão

por camisas de seda

BMWs

porcelanas e cristais.

Fazemos de teu salário mínimo

o alicerce de nosso lucro "parco"

e de teu suor

o brilho de nossos diamantes raros.



Nos perdoa

teu filho morto

porque somos médicos

que auscultam metais

teu filho ignorante

porque somos mestres

que só consideram a "inteligência"

tua família soterrada

porque somos engenheiros

que não sabem de favelas

políticos

que desconhecem barracos.



Ah! irmão

sequer damos atenção às tuas lamúrias

não acreditamos

que tenhas o que dizer.

Só abrimos os ouvidos

ao tilintar de moedas.



Te cavamos as covas da miséria

te julgamos preguiçoso

e discutimos o teu "não-quer-nada"

enquanto bebericamos uísque importado

à beira de piscinas

cujas águas não lavam

nossa cegueira secular.





Passamos sobre teu corpo

e pisamos sobre teu sono

nas calçadas das cidades de concreto

cuja "beleza" dizemos perturbares.



Nos impacientamos com tua fome

na entrada de restaurantes

em que — esnobes — pedimos em francês

os pratos que não dividimos contigo.



Bebemos teu sangue

cimentamos tua alma

destruímos tua honra

escurecemos tua visão

esvaziamos tua vida

e deitamos tranqüilos

sobre tua insônia.



Nem mesmo desconfiamos

que sejas nosso irmão

e orgulhosos de nossa fartura

fazemos "dessa gente" que és

almofadas macias

para nossas nádegas flácidas.



Mas — vê bem! —

nós sabemos pedir perdão

porque discutimos intelectualmente

tua desgraça vital.

Um dia , quem sabe,

te damos um lugar qualquer

em nossa festa de vida.



Até lá...

sepulta teu filho

engole tua fome

esconde tua alma

— ainda precisamos de ti.



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