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Poesias-->CUNHAPORÃ, UMA HISTÓRIA DE AMOR - IV - QUANDO CHEGA O AMOR -- 29/06/2002 - 21:24 (J. B. Xavier)
CUNHA PORÃ compõe-se de onze capítulos. Aconselho aos leitores que efetuem a leitura a partir do primeiro, seguindo seqüencialmente a ordem crescente, para que o entendimento do enredo não fique prejudicado. * * * CUNHAPORÃ - PARTE IV - QUANDO CHEGA O AMOR J.B.Xavier E luas à frente daquela orgia, Ouviu-se na aldeia, já ao fim do dia O ruído abafado de um calmo tropel. E entrou pela taba, pasma, assustada, Cansado e exausto de tal cavalgada, Garboso guerreiro e seu belo corcel. O espanto nos olhos tornou evidente O susto que havia nos índios valentes, Enquanto o corcel relinchava cansado. Olhavam o homem que o controlava. Seguro de si, o animal comandava. Jamais tinham visto um índio montado. “Quem sois? Que quereis?” - disse um, afobado. “Eu sou Nhuamã , a chuva dos prados. Procuro abrigo, e por certo o encontrei.” “O Oyakã não está , pois foram à caça. Mas ocas não faltam, repousa a carcaça, Que à noite, ao fogo, vos acordarei.” E à noite, então os homens sentaram Em volta do lume e seus casos contaram. E após todos terem seus casos contado, Saiu o cacique de onde sentara. Rompendo a noite com voz forte e clara, Chamou o estranho que estava ao seu lado. “Estranho, quem sois?” - bradou Ygarussú. “Me dizem que vindes dos prados do sul...” A taba calou em silêncio, agoniada. “Abrigo vos peço até amanhã . Sou Chuva dos Prados. Eu sou Nhuamã, Cansado de luas de extensa jornada...” “Sois vós Nhuamã , o cacique charrua, Que monta o Vento nas noites de lua, Que os prados cultuam, de todos temido? Sois vós Nhuamã , o leal combatente, Que a todos ampara, gentil e valente, Que em guerras ainda jamais foi vencido?” “Assim o dissestes, Grande Ygarussú !” “Sois vós de quem falam os cantos do sul trazendo-me os feitos heróicos e ternos? E tuas mãos de veludo que afagam a flor, São as mesmas que tocam os hinos de amor, E as mesmas capazes de ir aos infernos?” “Sois vós que hoje vem à minha aldeia, Que a fama de bravo meu sangue incendeia, E que afoito já quer partir amanhã ? Sois vós que aqui vem pedindo-me abrigo? Sois vós, que, afinal, terei por amigo?” “Sim, Grande Chefe, eu sou Nhuamã !” E disse o oyakã, erguendo seus braços: “Olhai este homem e seus fortes traços, Do qual sua força não quero aferir. Olhai para quem a derrota esqueceu, E que considero agora irmão meu. Seu canto de guerra queremos ouvir!” Com gestos seguros, nos ermos da noite, Com voz trovejante, tal qual um açoite, Cantou o seu canto o Grande Nhuamã. Seus olhos, no entanto, do meio da arena, Pousaram no olhar da suave morena, Corando as faces de Cunhaporã. * * * “Eu venho de longe, de terras distantes. Dos prados dourados, Dos campos dobrados, E tenho por taba os espaços gigantes. Eu venho de longe, das terras da Lua, Da grama molhada, Do Sol, da geada, E trago o orgulho de ser um charrua. Lamento os mortos, doentes, feridos, Nas guerras cruentas, Batalhas sangrentas, Mas muito me ufano de ter um amigo. Não busco a morte, o estertor, a ferida, Nos campos de guerra. O que em mim se encerra É a busca dos risos felizes da vida, Os arcos trocamos por ávidas danças, Cantigas e hinos. E nossos meninos Crescem felizes, eternas crianças. Caçamos o potro selvagem nas serras, Veloz como o vento. Mas somos a um tempo Amados na paz e temidos nas guerras. Nós sempre nos pampas buscamos ficar” - Falou Nhuamã - “O próprio Tupã Nos deu essa terra de belo luar... Que vento é esse que sopra uivante Ano após ano? É o Minuano, soprando a vida instante a instante. Guerreiros valentes lutei e venci Em nome da paz. Meu corpo ainda traz Medonhas lembranças que nunca esqueci. Ali uma flecha, aqui uma lança, ali O branco atirou. Nhuamã, eis quem sou! E apesar dos perigos, encontro-me aqui. Caçando feliz ou lutando nas guerras Em mil estertores, Eu busco os amores De olhos bonitos, em longínquas terras. Tupã me guiou por caminhos escuros Que Jassy iluminou. E eis que aqui estou Em meio à floresta de ares tão puros. Se amo os espaços, que faço na selva E nela me embrenho? Tupis! aqui venho Deixando as mais lindas coxilhas de relva. Um dia, num lago, surgiu-me Yara À luz de Jassy. E então me senti Possuído de amor nessa noite tão clara... ‘Tua amada te aguarda’ - Yara dissera. ‘Cavalga p’ro norte. E cuidado com a Morte Que em flecha ligeira decerto te espera.’ Quem é minha amada. senhora das águas? Indaguei ansioso. ‘Não sê curioso, Que junto com o amor te esperam as mágoas.’ Seu nome ao menos não podes dizer? Insisti desafiante. ‘Ah! os amantes! Por que tão mais cedo preferem sofrer?’ E o nome eu ouvi dos lábios serenos Da deusa do lago. Um nome que trago Queimando-me a alma qual doces venenos. Meu braço me ampara, senhora. Observe.” E a flecha voou E no alvo pousou. ‘Na selva teu braço de nada te serve.’ ‘A selva é escura’ - falou com voz fria - ‘E em certos locais, Apesar dos demais, A treva até mesmo a Jassy desafia! Parte, guerreiro, e cuidado com a súcia Do grande arvoredo! Não tema ter medo! Na selva, guerreiro, o que vale é a astúcia.’ Confie em mim, minha deusa e senhora, Farei minha sorte Até mesmo com a morte!” ‘Cavalga, guerreiro, e parte agora!’ E, pois, eis-me aqui na solene aldeia Dos bravos Tupis. Os povos mais vis Venci ! E eis-me aqui junto à vossa candeia. Lutei nas florestas, calquei sob os pés Guerreiros valentes, Comedores de gente, caigangues, xavantes e os vis aimorés. Feliz, meu regresso trará mais vitórias Ao meu amanhã. Eu sou Nhuamã, De futuro feliz e passado de glórias!” FIM DA PARTE IV * * *