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Poesias-->CUNHAPORÃ UMA HISTÓRIA DE AMOR - VIII - O SILÊNCIO DO LAGO -- 29/06/2002 - 22:14 (J. B. Xavier)
CUNHA PORÃ compõe-se de onze capítulos. Aconselho aos leitores que efetuem a leitura a partir do primeiro, seguindo seqüencialmente a ordem crescente, para que o entendimento do enredo não fique prejudicado. * * * CUNHAPORÃ - PARTE VIII - O SILÊNCIO DO LAGO J.B.Xavier Maio - 1988 O SILÊNCIO DO LAGO Porém a tragédia ainda não se findara, E o povo que sempre o cacique endeusara, Em bem pouco tempo também o esqueceu. O chefe que outrora, com muitos amigos Rompera tacapes, vencera inimigos, Voltou, sim, à vida, mas enlouqueceu. Seus olhos dispersos não tinham mais foco.Crianças sorrindo, corriam em bloco E de Ygarussú iam escarnecendo. Com medo, corria a embrenhar-se na selva, Por horas e horas deitava na relva Enquanto seu corpo ia esmorecendo. Nem mesmo os tupis, seus irmãos conhecia. Dos homens, crianças e moças fugia Qual lebre assustada, de medo e terror, Enquanto a aldeia homenageava O novo cacique que já governava Em nome da paz, harmonia e amor. Tempos depois ninguém mais se lembrava Do grande Oyakã que um dia bradava O desejo doentio de um dia ser deus. Vivia sozinho em meio à floresta, Não ia à aldeia, nas danças, nas festas, Até que, esquecido, afastou-se dos seus. Às vezes, no entanto na selva ecoava Um grito de guerra que aos céus se elevava Num ponto distante da grande folhagem. O grito que outrora acuara inimigos Em sua chegada, seus medos, perigos, Não tinham agora nenhuma mensagem. Ouvia-se às vezes, no entanto, gemidos, Sons guturais, soluços, bramidos Ininteligíveis, à luz da manhã. E sempre um nome então se ouvia À noite, à tarde, na selva sombria Num triste lamento: Cunhaporã . Sem nunca deixar o arco de lado, O louco podia ser sempre encontrado Crivando de setas um grande carvalho. Precisas, mortais, ali se encravavam. E o louco sorria dos que observavam Por entre a carranca, qual tolo espantalho. E havia até quem ousasse dizer Que o mau Anhangá estava em seu ser Levando-lhe o corpo e a alma guerreira. Cobrava seu preço - falavam medrosos. E cortando caminho iam temerosos Orar a Tupã , à luz da fogueira. * * * Caía a noite, muitas estrelas Já cintilavam. Os bichos todos se recolhiam, Já dormitavam. Em claro espelho se transformara O lindo lago. Nenhuma brisa o incomodava Com seu afago. Tupã descera a paz suprema Por sobre o mundo. E o sol no ocaso, lá descamba Já moribundo. Distante o canto gentil se ouvia Da araquã . Um grito ao longe rompeu a noite: "Cunhaporã !". "É ele! é ele! que vem na noite De sua loucura, Vagando a esmo o pobre louco Por mim procura!" "Tupã o guie na noite escura.” - Disse Nhuamã . Mais perto o grito soou mais forte: "Cunhaporã !". E Nhuamã envolveu terno Num grande abraço Seu grade amor A protegendo em seu regaço. "Que Jassy guie seus pobres passos Até a Manhã." Mais perto o grito soou mais forte: "Cunhaporã !". E sobre a pedra, a laje imensa, Os dois amantes Os gritos loucos ouviam sempre De instante a instante. "Que triste sorte guardou a ele O deus Tupã !" Mais perto o grito soou mais forte: "Cunhaporã !". "Deuses o levem o quanto antes Da vida vã" Mais perto o grito soou mais forte: "Cunhaporã !". Mais perto o grito soou mais forte: "Cunhaporã !". Mais perto ainda soou o grito: "Cunhaporã !". Ainda mais perto soou o grito: "Cunhaporã !". O grande ybirapar retesou-se inteiro. Tensas as cordas chorosas consomem A força inumana. Estalou o madeiro Enviando uma flecha da altura de um homem. Sentiu o charrua bem perto o perigo Pairando na orla da grande clareira. Do arco guerreiro, outrora amigo, A flecha partiu assassina e certeira. A morte soara o acorde fatal, E a flecha, qual raio, o espaço cortou. Com baque macabro, qual louco punhal O peito charrua ela atravessou. Saiu pelas costas, luzente, vermelha, Tingida do sangue do novo Oyakã . E a vida, a seiva, a tênue centelha Jorrou sobre os seios de Cunhaporã . Ainda de pé, por longos instantes Ficou o charrua, negando-se a crer Que assim terminava seu sonho de amante. De joelhos caiu, recusando morrer. E Cunhaporã , que a fala perdera, Imóvel que estava, imóvel ficou. Um grito viera à garganta e morrera, E o olhar marejado na noite faiscou. Sonhos...delírios...devaneios...mau augúrio... A voz de yara soou num débil murmúrio... "Cuidado com a súcia Do grande arvoredo! Não tema ter medo! Na selva, guerreiro, O que vale é a astúcia!" "...Tua amada... Yara...dissera. Cuidado... a morte... Em flecha ligeira... Te espera..." FIM DA PARTE VIII