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Poesias-->último afago -- 15/08/2002 - 11:46 (gisele leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Passos na escada

me anunciam o seu chegar

arrastas ligeiramente o solado do chinelo

que parece

cochichar junto ao chão...



a sua presença é tênue

sua sombra nem é tão negra

apesar de olhos turvos



sua mão gelada me cumprimenta

respeitosamente

me informa sobre uma morte

distante

mas ainda a caminho



toda sua aparência inunda

o quarto de mazelas

que misturado ao cheiro de mofo

lembram dores esquecidas

num canto qualquer da cômoda



de repente, também a chuva de

aproxima do dia,

e a tarde gloriosamente clara

se nubla

elipsando a idéia da manhã



pergunto as horas, comento sobre minha sede

e então, você se oferece a buscar um copo dágua



e uma gota de lágrima recôndita

salta de meu olhar

pois definhas às olhos vistos,

todas as pessoas unânimes,

apesar de chocadas

fazem enorme esforço em não lhe reconhecer

a morte...



a brandura de tua mão

me faz tocar o copo

que levo a boca,

e então me ocorre a necessidade de

beijar-te e revelar-te o meu enorme afeto



sua existência está gravada em minha alma

e mesmo minha morte não a apagará,

da importância de sua existência...

se lembrarão meus filhos a lembrarão, meus netos

meus desafetos

todos de alguma forma se recordarão

de set incrível do que participaste...



como num filme noir,

você sério

diz que é para eu não me preocupar

que já não sente medo

e somente paz,

que já não tens apego

mas só saudade boa

da nostalgia...



sua brandura e sutileza

contamina meu horror

ao fim,

e então me despeço brandamente

deixando o livro, a flor

e um sonho recheado de creme

que tanto gostas de comer,

daquela padaria...

lembra-se?



Qual será sabor da infância

quando envelhecemos?



Qual será o sabor da juventude

quando as forças nos faltam as pernas?

e os pulmões se recusam a respirar...



qual será a sensação de

se aguardar pacientemente a morte?



todas estas indagações me ocorrem...

e embebida de vagas filosofias...

me levanto, aprumo a saia,

e dou um passo rumo a porta.



Fechei a porta, ainda me lembro estranhamente

e eu que nunca fechava portas...

sempre distraída e apressada.

Foi o último dia que te vi com

vida...

os olhos negros me acenaram sorrindo

e a sua mão me dava um último afago.





Mas o carinho não cessa

fica como um fóssil

num impresso no fundo do coração
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