LEGENDAS |
(
* )-
Texto com Registro de Direito Autoral ) |
(
! )-
Texto com Comentários |
| |
|
Poesias-->Poemas de amor comum e outros -- 28/09/2002 - 09:22 (Maria Tereza Bickel Cançado) |
|
|
| |
POEMA Nº 1
O desconforto. A dor. A incerteza. A tristeza.
O absurdo. O descompasso.
O passo lerdo e incerto de um bêbado de esperanças
ou nem tanto.
Beber de um só gole ou não beber.
Beber devagar como quem tem medo de terminar
o vinho, apesar de tudo, azedo, por mal guardado,
de boa safra, perdido, como qualquer cachaça sem nome.
tolice requentar o café que sobrou
ou guardar o pão-de-ló para amanhã, já sem sabor.
Armazenar o grão para outra colheita como se faz com o amor
ou a felicidade azeda e requentada.
Minutos perdidos para sempre além do infortúnio
num perplexo anseio pelo futuro que não existe,
que tanto promete e nunca cumpre,
por falta de circunstancias futuras.
Guardar com dor a fantasia de um passado
que nunca se repete,
porque o tempo é um novelo já desfiado e tecido
e não se encontra o fio da meada
e até amoeda, no poço dos desejos era falsa
como os juramentos eternos.
E nada se cumpriu como se previa ou devia
porque nada se cumpre
a não ser a morte.
Simples e claro como água nascente
que só se vê bem à distância
poluída pelos cadáveres dos bichos que não pensam
e que, por isso mesmo, foram mais felizes do que os homens,
que se perdem nos cumes das montanhas, infelizes.
A forma do amor, hexagonal, do que não se conhece
mais que uma faceta ou duas.;
as outras, como a face oculta da lua
esconde o hediondo ou o perfeito.
E só vai saber delas o astronauta
que não tem medo do escuro,
nem de longas distâncias jamais percorridas.
Esses, são raros como as papoulas,
e só nascem de um outro lado do mundo
que ninguém conhece, muito menos eu.
O resto é tão banal como ratos, lagartas e formigas
e parecem ter antenas, como as baratas,
que coordenam sua direção,
sempre a mesma afinal.
O descanso no bueiro fétido
é o repouso do guerreiro que se satisfaz com isso
e não sabe bem o que é felicidade.
E nem se interessa.
....................................................................................
POEMA Nº 2
Algumas coisas continuam definitivamente inexplicadas
e, realmente, me intrigam. Como por exemplo,
em que lugar ficou guardado o meu passado?
Não aquele que vivi
- este eu sei exatamente onde está-
mas o que deveria ter vivido,
o que não escolhi.
Não é o desengano que me desafia.
É desfiar o engano ponto por ponto,
sem perder o fio,
é que me aniquila.
Não quero saber do fim.
É o começo dessa trama que me interessa.
É não poder desatar o nó cego, feito às cegas,
como se necessário fosse me atar
a qualquer mentira mal contada,
para não morrer de verdade.
O que me pesa, entretanto,
é não ter te assassinado todas as vezes
em que tive vontade.
e com tanta e tão grande crueldade
que, mais vidas você tivesse,
mais vezes te mataria e com mais ardor.
................................................................................................
POEMA Nº3
Há um jeito de ironia no ar de todas as manhãs.
Há razões na minha cabeça que o coração desconhece.
Há um momento perdido atrás do sofá
para sempre.
Como um alfinete na areia,
que o sol descobre, mas eu não.
Não há uma razão para morrer e,
por falta de motivos, vivo.
Não há razão para viver.
Há não ser a das pedras, nos rios.
Rio um pouco de tudo
com a estranha certeza dos velhos de que tudo passa.
E me espanto com a aspereza dos gestos,
na inconsciente certeza dos meninos,
de que tudo é eterno como a morte.
Até a vida.
Há um futuro presente no passado
como um cheiro de fruta de quintal que não apodrece.
e o desejo de morder o araçá
que esqueci no princípio da vida.
A malva. O capim. O bem-te-vi.
Que nem te vi direito
por falta de urgência.
Choro um pouco por nada.
Como se viver doesse como um parto.
Não tenho medo da morte e nem quero a morte.
Como não gosto do amarelo.
Há o medo de sentir inveja dos teus olhos
que a terra não comeu antes de mim.
E a saudade da vida,
eterna, depois de mim.
Tortura um pouco essa maldade,
essa dentada na fruta amarga.
Nunca bebo no mesmo copo
e afio as minhas garras, nas tuas costas,
por precaução.
...............................................................................................
POEMA Nº 4
Se eu desfizesse o nó dessa agonia
o que descobriria, afinal?
A sensação de dormir entre a vida e a morte
é tão banal em mim
como a própria inconsciência da morte
em todos os os outros animais.
Que deus é este que me fez mais forte que a morte
e marcou definitivamente o meu dia final?
Como se me condenasse, antecipando os meus pecados,
a seguir, desde o princípio,
o único caminho possível:
o dos infernos.
E, por castigo maior,
me fez prever um paraíso que não existe.
.....................................................................................................
POEMA Nº 5
A lua se espalha como leite derramado
sobre um quintal de chumbo.
O tédio escraviza, atrás das grades da janela,
um condenado à morte.
Sem medo. Sem terror.
Absurdamente encantado como se fosse esta
a única noite a viver e não a última.
Um minuto eterno e efêmero
como a luz de alguma estrela
que ninguém sabe ao certo se existe,
cristaliza a dúvida onde as sombras se multiplicam
até o infinito.
Só o calor insuportável de uma prévia noite de verão.
Nem a leve sombra da mais vaga emoção.
Como se o coração calado, calasse impreciso e vago,
o desdém pelo que já é velho antes mesmo de nascer.
A razão tece comentários.
O coração, mudo e seco, tortura em vão a consciência
por não perder a razão.
Como se preciso fosse conter a tempestade.
Como se possível fosse.
Atrás das grades da janela impreciso e incerto desejo
se esvazia de intenções
e percorre o chão molhado de chumbo
em busca de compreensão.
Nada.
Cansado e mudo
o sentimento escorre pelos cantos da janela
como suor.
A manhã insiste em descerrar os dentes da noite
em brancas gargalhadas.
Atrás das grades da janela o condenado à morte
sem medo e sem terror
antecipa o ato do carrasco e se desfaz,
melancolicamente, sem nenhuma emoção.
E sem razões para morrer,
vive.
Como se necessário fosse.
Como se possível fosse.
...................................................................................................
POEMA Nº 6
É inevitável que eu sofra.
Não tenho a pele dos animais
e o grão de ódio que me gerou,
gerou também a maldição da dor.
É inevitável que eu viva
mais que todos os animais
como se fosse o primeiro e último
dessa saga sem futuro.
Nem que eu queira
não serei capaz de morrer por nada.
Muito menos por mim mesma.
É inevitável que eu viva
como um pé de alecrim
no canto de um túmulo,
sem saber de um corpo há tantos anos morto.
A eternidade descansa no sono
de um deus mortal
e não é nos braços de um anjo
que encontro o meu descanso.
É na curva de uma estrada que não leva a nada.
.........................................................
POEMA Nº 7
Do mais comum e imperfeito portal da lucidez
se espalha a sombra, como chumbo derramado,
da loucura amarga e desvairada.
E nem nos umbrais das mil janlas
abertas para o sul,
se vislumbra uma única estrela,
nem a mais antiga,
de todas as que contei e recortei
da esperança de não ver nascer o sol, jamais,
em madrugada nenhuma.
E o mofo cinzento de tanto passado igual,
de tantos dias iguais,
de tantas pessoas iguais,
guardados como moedas antigas,
sem nenhuma razão.
O estranho bolor dos cantos onde a luz se desfaz,
envenena o que ficou de uma noite
que poderia ter sido eterna e não foi.
.................................................................
|
|