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Poesias-->O Chamado do Abismo (Inspirado em conto de Rubem Alves) -- 03/11/2002 - 19:22 (Maria de Fátima Lima Castanheira) |
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Um dia eu parei de planejar o sucesso, o futuro
cessei os lamentos pelos fracassos, o passado
e respirei fundo diante da única questão importante:
como existir plenamente no presente?
Deixei de contar com o que existe fora
e, diante da encruzilhada,
soube que o caminho a ser escolhido seria, sempre, o outro
o que dava calafrios e gelava a espinha.
Descobri que só coragem e desejo não bastam
é preciso disciplina e perseverança.;
que é solitário, essencialmente,
o caminho de volta para a casa da alma.
Retirei-me das trilhas cheias de gente e burburinho
que escondem o medo e o silêncio do coração
dos que cantam e dançam - e trabalham, para esquecer de si.
e me pus a trilhar os caminhos que foram abandonados por todos.
Foi preciso desenvolver um certo gosto pelo risco e a fé
em cada sentido, em cada músculo, e visão.;
saber que as emoções dos caminhos planos são planas.;
que as emoções dos caminhos rasos são rasas.
Percebi que o medo do abismo era o medo do que eu não sabia de mim
e que todo sofrimento consiste em rejeitar esse conhecimento.;
que a doença é recriar outro conhecimento, artificial,
e viver outra vida, no esquecimento.
Contemplei o pôr-do-sol deixando morrer na noite escura
tudo o que violenta minha natureza
e impede meu crescimento.
e entregue à solidão, ouvi os rumores contidos de minh’alma.
Afinei os ouvidos para a sintonia
da música que toca no meu coração
e desisti de esquecer de mim em troca da condicional
do amor daqueles que amo.
Aprendi que para voar como as borboletas
é preciso primeiro desenvolver
o movimento silencioso dos peixes,
a astúcia das raposas,
a visão das corujas,
o gosto pela liberdade dos cavalos selvagens,
a alegria vã dos golfinhos,
a capacidade de sobrevivência dos ursos polares
a força física dos elefantes,
o espírito gregário dos lobos,
a flexibilidade dos camaleões
a disposição para morrer das sementes
a consciência comunitária das abelhas
a capacidade de doação das árvores, que transformam morte em vida.
Senti que haveria sempre uma estrela a me guiar
e que o grande desafio seria, entre tantos,
aprender a reconhecê-la
com os sentidos da alma.
Foi aterrorizante perceber que nada eu poderia levar nessa jornada,
além da determinação em cumpri-la,
pois na caminhada fui me perdendo de todos os sons conhecidos
todos os cheiros familiares, todas as paisagens já vistas.
Durante a caminhada pude compreender em quantos momentos
toquei o Berimbau da Vida - estiquei o Amor com o arco da Morte,
e o quanto isso me salvou do esquecimento
e me manteve acordada.
Pude ver todas as vezes em que produzi perfeição
com os restos da destruição.
E multipliquei os dons
através de experiências difíceis.
E cultivei compaixão a partir dos erros
E produzi abundância
a partir das sementes lançadas pela privação.
E, pude, então pela primeira vez em toda a minha vida,
Estarrecida, e encantada,
Sentir um amor tão genuíno por mim,
que nunca suspeitei poder sentir.
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