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Poesias-->DENTRO DO CORPO QUE MEXE -- 02/02/2003 - 21:35 (Antonio Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DENTRO DO CORPO QUE MEXE



Antonio Júnior

Natal (RN)





somosobemeomal

abrigados em cavernas sombrias

sem termos sem nomes

não existindo

acendendo o cigarro do nada se diz

contra os ventos elíseos

os pés enterrados na areia

riscando ruminantes signos, profecias,

sortilégios poéticos de só ser coração

não nos mexendo deste lugar



o bemmal que leva a boca seca

pelos desânimos e ansiedades terrestres

enxerga lâminas fosforescentes

do aquilo que agora falta

e é indiferente, embora nunca conformado,

ao cansaço secular

crente no abstrato corporal

lânguido líquido marítimo

lúbrico voluptuoso lascivo

na carne de mundana galante

adornada com flores artificiais

grifes autenticamente falsas

pedras de vidro rendilhado de canutilhos

que escondem as garras torcidas



somosobemeomal

grandes como o infinito do mar

grandes como minúsculas pedras roliças

cintilantes

enterradas numa praia deserta

grandes como o desejo

da infinita contemplação

grandes como a periferia

do funk do forró do samba

grandes como orquídeas numa estufa

úmidas e lúcidas no não poder ser



os corpos são assombrados

marcham em grupos

matreiros e desvanecentes

brutos e inocentes

corpos exilados num purgatório desleixado

caminhando caminhando

caminhando para lugar nenhum

os corpos sentem

os corpos não existem

experimentam

sabem que não é a morte que conta

tampouco o nascimento

ninguém nasce ninguém finda



nós viajamos bastante

e nada sabemos

assim o olhar vagueia no vôo

de um rápido carcará

de um rio que corre

as portas do conhecimento abertas

na subida na descida

nas paredes nos porões

nos assoalhos nas árvores secas

seres de um mundo desconhecido

voam, germinam cores, sussurram preciosidades

deslizam na textura de nossas peles morenas



morenos vestígios de um sol calculado

um sol incandescente e carmim

iluminando os estúpidos e necessários vícios

iluminando os dias encantados

fiéis e irrecuperáveis

dias onde o urbano não me traduz

não me seduz

dia após dia noite após noite

cai

a

noite

surge a aurora comovida



nós, as más e boas sereias de rabos prateados

devoramos corações humanos

lambuzando bactérias de sentimentos

entre algas, corais e cavalos-marinhos

entre ancas, cadeiras, nádegas,

coxas,virilhas, joelhos

cantando para os deuses da fartura

unidas contra a extinção

da nossa própria mitologia

cientes que o amor é aquilo que pode ser



sereias-malbem

os cabelos desalinhados enlameados

escamadas com prata e pedras translúcidas

em avenidas mal-iluminadas

em circos, barracos nos morros,

salas de aula, palcos, cozinhas,

antros, casas de jogo, oficinas,

fogos de artifícios explodindo

na alucinação noturna

sob um céu de tons arroxeados



nós, as boas cadelas sem dono

amamos todas as experiências, meu amor

amamos todos os rebeldes, meu amor

amamos todos os aventureiros, meu amor

amamos todos os marginalizados, meu amor

amamos todos os poetas, meu amor

entre o grotesco e a finesse

a rédea e o desembestamento



as palavras fazem parte da sedução

o som e as nódoas

as teias, os tons, os suspiros

lagartixas e gafanhotos

cactos e bromélias

lambe-se o espírito

toma-se chá de sete ervas

arranham-se as cinzas do desengano



somosobemeomal

cobras carnívoras da lagoa de extremoz

filhas da chuva e do verde

degustando mamões e sapotis

cheirando à alecrim

ao perfume que brota do campo

rondando

por estradas sem volta

quem nos tomará nos braços?

a vida é uma causa perdida?

o que é a vida?



estamos sempre partindo

sempre chegando

indo indo indo

de trem, navios fantasmas,

jangadas num tempo furioso,

nas asas de dragões

para propagar a liberdade

para gritar

pra ressuscitar

pra curar

pra enfeitiçar

pra não desistir

da planejada viagem à lua



sedentos de sexo devastante

sem mentiras, sem arrodeios

saciados na luxúria da memória

purificados no que buscamos e nunca achamos

líricos na própria solidão

febril no mundo interior

toma o amor! toma a torrente fogosa do amor!

como rameiras do bem e do mal,

o queremos mais que a vida

o queremos mais que o chão de terra

o queremos mais que a gravidade da razão

ave, ave, senhor dos porcos e dos homens!



não temos culpa

de tantos cativos perenes

de tantos tiroteios salpicando vísceras

de tantas promessas de políticos

de tantas lágrimas incendiadas

de tantos tambores convocando para o meretrício

de tantos abismos augúrios desassossego

nos muros urbanos lê-se o grafite:

“o verbo é o mal”





mentira é a tristeza

mentira é o fashion

mentira é a memória

mentira é a televisão

mentira é tudo que não se vai

mentira é a verdade

tudo é mera condição do pensamento?

dormirias comigo, flor do bem?





somos insanes e desnudos

evangélicos católicos macumbeiros

dançarinos extravagantes

cantados em blues lentos

tomando cafés amargos

fumando tabacos fortes

a boca cheia de uísque

orando para santos surdos

abominando o casamento

delírios e vertigens



eis a engrenagem lúcida:

somos anjos caídos, meu amor

fecha os olhos e beija-nos







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