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Poesias-->Papel Higiênico -- 05/09/2003 - 16:27 (Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Papel Higiênico





Que vontade de ir ao banheiro.

Sentar na privada, relaxar.

Satisfazer as minhas necessidades fisiológicas.

Olhar aquele papel higiênico

Tão branquinho, novinho, limpo,

Cheiroso, prestativo indispensável.

Depois de maculá-lo, a ojeriza.

Nunca mais olhar aquilo que me serviu

Para tão grande satisfação,

Evitou que eu sujasse minhas mãos.



Assim é para o burguês o trabalhador.

Quando faz a máquina girar

Exaure o trabalhador a vida dele.

São máquinas produzindo outras,

Caminhões, trens, navios transportando riquezas

Mineiros escavando ferro, ouro, carvão.;

Policiais batendo em grevistas.



Faces maceradas, dentes podres.

Lábios ressequidos, já imprestáveis ao amor

Braços deformados, pernas com varizes.

Problemas de coluna e coração.

Má alimentação, fome.

Rostos sem alegria,

Vidas sem esperança,

Férias sem viagem.

Liberdade de fazer tudo o que não é possível.

Sem dinheiro para se fazer qualquer coisa que se queira.



Desânimo, comiseração, fanatismo religioso.

O amanha no céu, a alegria impossível na Terra.

O conformismo com o destino traçado

Pelas mãos invisíveis dos donos do capital.



O cuspe fétido no canto da boca,

A chaga pululenta do acidente de trabalho.

A vista ferida pela fagulha da solda.

A esmola pedida com vergonha.

A impossibilidade de conseguir emprego

Afogada em mais um copo de cachaça.



A piedade:

Tantos chás caridosos,

Pagos com os milhões dos lucros anuais.

Os desclassificados na competição

Recebem migalhas e cassetetes.

A miséria e a prisão,

O futuro sem futuro.



Crianças comendo catarro, sozinhas nas favelas,

Suas mães descem o morro dia após dia

Para limpar as latrinas da opulência.

Adolescentes adotados por traficantes.

Jovens televisivos sedentos por violência e consumo.

Depois de trezentos e quarenta e cinco assassinatos na sessão da tarde,

O comentarista do jornal da noite

Faz um apelo "sincero" pela pacificação da juventude brasileira.



Crise produtiva, financeira, material, ética.

O homem sem base para a vida.

Dilacerado, humilhado, enquadrado, empacotado,

Bestializado, ensandecido, desesperançado, insensibilizado,

Violentado, castrado, desumanizado: enfim, modernizado.

Cego aos animais que viram latas de lixo à busca de sobras do Mac Donalds.

Bichos entorpecidos. Nada mais que crianças.

Abortadas de suas infâncias por esta miséria sem fim.



O capital suga como vampiro.

Aposentados sem uma vida para viver,

Recebendo mensalmente uma miséria .

Para descontar os dias que faltam até o próprio funeral.

Olhos vazios, alegrias roubadas, ilusões mortas.

Tantas tristezas guardadas na pele enrugada.

O corpo curvado pelas toneladas de sofrimento.



A morte é o fim, ou o começo talvez.

O corpo desce e se esvai rapidamente.

A lista corre para ratear o caixão.

Alguns choram, outros sentem que se aliviou

O peso tão sofrido da vida.



Será a morte a única forma de libertação

Das amarrras que atam o operário desde o nascimento?

O ciclo continua e os que nascem

Têm esta longa estrada a percorrer.

Este túnel sem luz que não nos deixa respirar

Estas pedras pontudas que dilaceram nosso corpo e espírito



Oh, trabalhador que tem esperança!

Tem esperança em que?

Liberta tua mente dessas ilusões tão tolas.

Faz com tua mão teu amanhecer.

A única coisa que cai do céu é chuva,

O amanhã só traz o depois de amanhã.

Se você não conquistar sua libertação,

Ninguém o fará para você.





Rio, 25 de abril de 1994.



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