*Francisco Miguel de Moura é poeta, romancista, contista, cronista e crítico literário, já publicou 22 livros, pertence à Academia Piauiense de Letras e ao Conselho Estadual de Cultura, já foi presidente da UBE-PI.
GALERIA MULHERES
A PRIMEIRA (Como se fosse a segunda
Francisco Miguel de Moura*
Não sei se ela me veio por primeiro
Afeto de menina que se quer.
Está tão longe o tempo e seu mister...
O pensamento é um grande viajeiro.
Sei que era linda e tinha gosto e cheiro
Diferentes das outras. Nem sequer
Nos beijamos. Mas de longe o ser
Encontra o outro ser quando é inteiro
Em juventude, em luz, em força e mais
Naquela idade em que se não tem paz
E quando a tem não tem-na impunemente.
Se foi amor não sei. Sexo não foi
Foi diferente. E como a vida dói
Se o amor é vida sem deixar semente.
A SEGUNDA (Como se fosse a primeira)
Antes, recordo-me a subir o morro,
Pegado pela mão de uma menina.
O silêncio nos vinha por socorro:
Era a minha querida Francelina.
Subíamos o céu da nossa infância,
Tudo era leve como o vento leve.
Em nossos corações, desejo e ânsia
Do viver tão gostoso por tão breve.
Descer do céu, não lembro como fora,
Descemos juntos para a vida... E embora
Tenha sido de tempo o meu sorrir,
Ainda choro o ontem que é agora.
Tão ledo como foi, não jogar fora!
O que existiu há sempre de existir.
A TERCEIRA
A terceira era muito impertinente,
Me abraçava e, beijando, me sorria,
Se, num salão de danças, derretia
O corpo e a alma – um furacão de gente.
Vi-a nua, num dia muito quente!
Passava a mão no corpo... Onde a passava?
E a minha parte mais sensível, brava,
Subia à luz, em hora inconseqüente.
Ela noivara com um rapaz decente,
Que morava por perto e era inocente
Daquele fogaréu, do dia à noite.
Chorei bastante no casório seu...
Dando fim ao que nunca aconteceu
Só me restando a perda como açoite.
A QUARTA
Paixão violenta, eis tudo o que me trouxe
E me entregou: – eu podre de inocente.
Mulher sem dó, sem condição, somente
Disposta a dar-me o amargo pelo doce.
Diziam-me, o’ rapaz, que rapariga!
Não a solte no mundo sem barreiras...
Porém perdemos nossas estribeiras,
Era um ligar que nunca tem desliga.
Deu-se, assim, o impossível caso feio,
Pois ela era do mundo, e adolescente...
E eu, qual dono, dormia no seu seio.
Ah, mulher que adorava um cobertor
Mas de vazio coração candente!
Caí nas malhas do seu despudor.
A QUINTA
Quanta vez fiquei louco por mulher!
Nem me lembro, são tantas e são tantas,
Umas bonitas, boas, e umas santas,
Mas eram outras más no seu mister.
Lembro meu doido encanto por Jerusa,
Corpo lindo e cabelos enrolados,
Se os quisesse pôr soltos, para os lados
Não poderia – intrusos, ela intrusa.
Uma só vez com ela então falei.
Quase caí, ferido espinho em flor,
E soube não me ouviu quando chorei.
Dei-lhe uma rosa... E a mão tremia tanto
Que pelo o próprio espasmo dessa dor
O amor morreu crucificado e santo.
A SEXTA
Foste um dia, na minha expectativa,
Aquela que esperei sem perceber
E quando eu quis melhor compreender,
Transformou-se de flor em carne viva.
Viva! eu falei – teu riso me fez crer
Que gostaras dos versos e das rimas,
Dos abraços, dos beijos e de esgrimas...
Vida, amor, alegria... Que fazer?
Muitas vezes voltaste a me abraçar,
Cada dia eras tudo a me encantar,
Cada noite teu corpo era mais charme.
Amor revolto... Teu sonhar tão quente
Coroou-me de orgulho astutamente,
Depois se fez de louca pra deixar-me.
A SÉTIMA
Teu retrato, em instantes, me devora!
E sempre que me encontro a recordar
Das luzes que baixavam teu olhar,
É impossível refazer-me agora.
Só tu soltavas risos sem parar
E me sabias santo a qualquer hora,
Mas por castigo, longa era a demora
Do teu crescer e de eu poder falar.
Certa vez, junto a ti, num estupor
Quis-me cair por terra... E eu me caía..
Falar não pude o que eu sentia tanto.
Ninguém falou do nosso mudo amor,
Na despedida apenas se sorria.
Como se as línguas fossem nosso espanto.
A OITAVA
Foi minha amiga, ou parecia sê-lo
Nas palavras, nos gestos e carinhos
Contidos e medrosos... Junto ao pelo
Dos braços, suas mãos eram arminhos.
Ela era mais que amiga, mais que bela,
Tão boa e terna e doce a sua voz,
Tinha a presteza de quem quer ser “nós”
E a claridade matinal da estrela.
Ela era tudo para mim de então:
Fazer consertos e pregar botão,
Na calça e na camisa, me fazia.
Por demais me agradava na cidade,
Beijos e abraços, tudo era verdade...
Quando tudo acabou, quase eu morria.
A NONA
Cheirosa como a flor do bogari
Quando desponta em sua claridade.;
Mais que o perfume, a sua ansiedade
Para beijar o mundo... Eu vi-a, vi!
No galho onde cantava um bem-te-vi,
Pude pensar que eu era um beija-flor,
E como poeta, ali foi que eu nasci
E dentro em mim um poderoso amor.
Contra toda a corrente, a rosa de antes
Caída e triste, em gritos lancinantes,
Do bogari gravei-lhe a imagem linda.
A voz “vem cá, menino!” era adulando
E eu deitava em seu colo suspirando...
Ah, quem me dera fosse minha ainda!
A DÉCIMA
Do percurso dos anos, aturdido,
Encontrei-te, o’ desconto dos pecados!
Numa escola de amores e traslados,
Onde fui por teus olhos iludido.
Ferido o coração, ferida a calma,
Quase caio num poço de incerteza.
Tua bondade, cingida de beleza,
Esvaziou-me a paixão lá dentro d’alma.
Mas me pergunto ainda por que olhaste,
Com tanta intensidade e tanto apuro,
Para este vão sujeito, fora d’haste?
Última dama das conquistas vãs...
Depois de ti, mulher nenhuma, eu juro,
Salvo a de eternos ontens e amanhãs.
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*Francisco Miguel de Moura é poeta, romancista, contista, cronista e crítico literário, já publicou 22 livros, pertence à Academia Piauiense de Letras e ao Conselho Estadual de Cultura, já foi presidente da UBE-PI.