Noturno
Uma noite,
Uma noite toda cheia de murmúrios, de perfumes e da música das asas.;
Uma noite,
Em que ardiam na nupcial e húmida sombra das campinas as lucíolas fantásticas,
A meu lado lentamente, contra mim cingida toda, muda e pálida,
Como se um pressentimento de amarguras infinitas,
Até o fundo mais recôndito das fibras te agitasse,
Pela senda que se perde no horizonte da planície
Caminhavas,
E nos céus
Azulados e profundos esparzia a lua cheia sua claridade branca.
Tua sombra,
Fina e lânguida,
E a minha,
Projectadas pelos raios do luar na areia triste
Do caminho se juntavam,
E eram uma,
E eram uma,
E eram uma sombra única,
Uma longa sombra única,
Uma longa sombra única...
Esta noite
Eu só, a alma
Cheia assim das infinitas amarguras e aflições da tua morte,
Separado de ti mesma pelo tempo, pelo túmulo e a distância,
Pela escuridão sem termo
Aonde a nossa voz não chega,
Silencioso
Pela senda caminhava...
E escutavam-se os ladridos dos cachorros para a lua,
Lua pálida,
E a coaxada
Dos batráquios...
Senti frio. O mesmo frio que coaram no meu corpo
Tuas faces e teus seios e teus dedos adorados
Entre as cândidas brancuras
Das cobertas mortuárias.
Era o frio do sepulcro, sopro gélido da morte,
Era o frio atroz do nada.
Minha sombra,
Projectada pelos raios do luar na areia triste,
Solitária,
Solitária,
Pela estepe desolada caminhava.
Foi então que a tua sombra
Ágil e esbelta,
Fina e lânguida,
Como nessa extinta noite da passada primavera,
Noite cheia de murmúrios, de perfumes e da música das asas,
Acercou-se e foi com ela,
Acercou-se e foi com ela,
Acercou-se e foi com ela... Oh, as sombras enlaçadas!
Oh, as sombras de dois corpos que se juntam às das almas!
Oh, as sombras que se buscam pelas noites de tristezas e de lágrimas!
José Asunción Silva - Colômbia (1865-1896)
Tradução: Manuel Bandeira
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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites
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