LEGENDAS |
(
* )-
Texto com Registro de Direito Autoral ) |
(
! )-
Texto com Comentários |
| |
|
Poesias-->Chuva Diluviana -- 14/08/2004 - 21:09 (João Ferreira) |
|
|
| |
CHUVA DILUVIANA
Jan Muá
Bátegas sussurrantes e durásias
Ferem o cajueiro e o bissilão
A terra entumescida
Abre o seio à fértil inundação
Papaias esguias
Resistem ao pingo insistente da chuva diluviana
E as colunas da varanda estremecem
Ao rodopio do vento ululante.
Toda a natureza veste a capa pluvial
Pingam as palmas reais
Pinga o poilão enfeitiçado
Pingam os piramidais açamparés de baga-baga
Escorre água copiosa
Resistindo a citrina de finas agulhas.
Pelas clareiras abertas por entre cajueiros
Em direção à fazenda
Emerge uma picada inundada
No jogo da natureza
Há trovões e relâmpagos
Produzindo sonoras e terríficas descargas
Que fazem tremer e abalar as frágeis estruturas
Da casa que me acolhe.
O céu virou um espetáculo deslumbrante
Resistem os troncos do cibe durásio
Resistem as telhas pingantes
Resistem os tambores dilatados da cobertura
O tornado acende seus ímpetos
Há choques entre elementos nas profundas entranhas da terra
E a pujança selvagem da Natureza
Se levanta numa demonstração de força incontida
No âmago da força do ciclone
Há um comando promissor sem sinais de cansaço
Cercado atônito e tenso
Tento guardar minha emoção a partir de meu castelo poético
Penso nos homens grandes
Nos litros de cana e nas folhas de tabaco que apreciam
Lembro os roncos e os amuletos
Da boa gente da terra
Penso na costumança tribal
Nos irãs e nos tabus
Penso nesta vida natural e primária ao vivo
Descontraída e brutal
Zeus ainda troveja sobre esta África misteriosa e gigante
Pingam as jacas úberes
Branquejam inundadas no canteiro
As sempre-noivas no Biombo
Terra do Ti Mamunhas das bolanhas
Chove diluvianamente
chove chuva braba sem parar
Chove e arma-se um caudal que embebe a criação inteira
Encolhem-se os flamingos os cormorões os íbis
Os patos-ferrões e os patos-reais
As garças brancas e cinzentas
Os grous coroados
E os martins-pescadores que mergulham nos canais das bolanhas
Chove por sobre a alfarrobeira
E sobre o mangusso rapinão
Que sobressalta de noite
Os vigias da caserna de Quinhámel
Chove nas terras dos reinos de Bejemita e de Tor
No colonato
Onde se come carne de macaco fula
temperado com malagueta e limão
Aos poucos o plúmbeo céu perde agressividade
As campinas vão-se libertando dos trovões
O movimento imbrico vai amainando e cessando
Em poucos minutos os ares mudam
Volta a bonança
O pio variado dolente agoirento e sonoro das aves ecoa.
Já se ouve o piar do djamba
E mais longe, para além dos palmares, o djambatuto
Enquanto as almas-beafadas
Timidamente se aproximam do poilão vizinho da tabanca
Dos campos regressam as gentes
Na estrada passa o balanta rural
Com ronco à cinta e combé e arado na mão
Passa a nona de balaio na cabeça
Passa o trabalhador da bolanha com terçado na mão
E a natureza finalmente pacificada
Retorna à forma quotidiana da calmaria
Depois de um espetáculo de fertilização
Que minha retina cósmica reterá na memória
Para não esquecer nunca mais.
23 de julho de 1963
Jan Muá
|
|